Crítica – Come Play

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Desde que não esperem um “filme de monstros” repleto com sustos previsíveis, recomenda-se para quem gosta do género.

Come Play

Sinopse: “Oliver (Azhy Robertson) é um rapaz solitário que se sente diferente de toda a gente. Desesperado para arranjar um amigo, procura consolo e refúgio no telemóvel e no tablet que nunca larga. Quando uma misteriosa criatura utiliza os dispositivos de Oliver para conseguir entrar no nosso mundo, os pais de Oliver (Gillian Jacobs e John Gallagher Jr.) têm de lutar para salvar o filho do monstro por detrás dos ecrãs.”

2020 é, sem dúvida, um dos piores anos de sempre para o cinema. Não falo sequer em termos de qualidade, mas os atrasos infinitos de filmes altamente antecipados tornaram este ano mais desapontante do que alguma vez seria. No entanto, ainda nos deu algumas surpresas ao longo do caminho. Filmes que não esperava gostar tanto quanto gostei (Underwater, The Call of the Wild), ou até filmes que sabia que provavelmente iria gostar, mas que eventualmente acabei por adorar (The One and Only Ivan, Palm Springs, The Personal History of David Copperfield). A estreia de Jacob Chase na cadeira de realizador de uma longa-metragem pertence ao primeiro grupo. Apenas conhecia a premissa e o elenco, o qual admito não me ter propriamente convencido, mas, ainda assim, decidi dar uma oportunidade a esta obra, visto que pode vir a ser a minha última sessão num cinema este ano…

Se tal se cumprir, então é um filme final maravilhoso. Come Play é uma das melhores surpresas de 2020. Há tantos aspetos que adoro sobre o mesmo, apesar de não escapar a vários problemas. Começo com a prestação impressionante de Azhy Robertson, que interpreta um miúdo autista não-verbal. Sendo eu alguém que já teve a oportunidade de partilhar algum tempo com uma rapariga autista, saí do cinema acreditando plenamente que Azhy era, de facto, autista na vida real (não o reconheci de Marriage Story). Fiquei de queixo caído quando descobri que afinal não era. A sua representação é tão realista e autêntica que nunca pensei que a sua performance fosse puro acting.

John Gallagher Jr. também é muito bom, mas não tem tanto tempo de ecrã como Gillian Jacobs (Sarah). Esta última não é exatamente horrível, mas desilude nos momentos mais sentimentais. É ótima durante as sequências de horror, adicionando ainda mais qualquer coisa à atmosfera já carregada de suspense, mas quando chega a hora de mostrar o que vale em diálogos sinceros e expressões apaixonadas, Gillian não consegue oferecer uma prestação convincente. As outras crianças do filme também são bastante cringe-worthy, mas nem todos os atores jovens podem ser incríveis numa idade tão nova.

Come Play

Apesar das interpretações irregulares do elenco, ninguém chega ao ponto de estragar a história cativante associada a Larry, o “monstro incompreendido” que se encontra do outro lado dos ecrãs. O comentário social é óbvio e claro, dando ao filme uma camada totalmente diferente. O compromisso e a dedicação de Jacob Chase com este trabalho (baseado na sua própria curta-metragem) são palpáveis durante todo o tempo de execução e visíveis através dos vários pequenos detalhes espalhados por cada enredo. Senti-me extraordinariamente investido na narrativa.

No entanto, Chase repete frequentemente cenas destinadas a passar essa mensagem social que tanto quer desesperadamente transmitir, transformando muitas delas, que podiam ser genuínas, em algo extremamente forçado.

Este último aspeto é compensado com sequências de horror inovadoras com uso altamente criativo da tecnologia atual para gerar um ambiente incrivelmente tenso. Não existem muitos jumpscares, mas a maioria é muito eficaz. No entanto, é a atmosfera de suspense durante todo o filme que eleva a vibe geral de horror. Chase também emprega takes longos, deixando os espetadores na ponta da cadeira devido a um excelente trabalho de câmara (Maxime Alexandre) e uma edição adequada (Gregory Plotkin). Gosto bastante da banda sonora (Roque Baños), mas existem alguns momentos em que a música quase silenciosa estranhamente se transforma numa música de aventura.

Outra decisão técnica brilhante vem do trabalho de Chase com a equipa de VFX. Como esperado por parte de uma produção de baixo orçamento, os efeitos visuais nunca chegariam aos padrões atuais se decidissem mostrar o monstro em plena vista durante o dia. Se esperam desta obra um “filme de monstros” onde o último é o protagonista, podem esquecer. A equipa de produção foi inteligente e humilde o suficiente para reconhecer a qualidade insuficiente dos VFX, então Chase “esconde” o monstro com pouca iluminação e “mostra-o” durante sequências noturnas e/ou através da câmara de um smartphone/tablet. Pode ser um aspeto dececionante para muitas pessoas, mas fiquei encantado com esta decisão ponderada.

Come Play

Come Play é mais um drama familiar do que um filme de horror genérico. Existe uma tentativa justa de entregar algo especial e acredito que ficou muito perto de ser um dos melhores filmes do ano. O tratamento da personagem autista é quase perfeito. Adoro o facto de que não só o filme mostra todos os problemas que uma condição como esta traz, mas também demonstra as qualidades extraordinárias que pessoas autistas possuem. Mesmo que não conseguindo falar, Oliver é excecionalmente esperto, divertido e corajoso, algo que a maioria da sociedade de hoje não acredita que as crianças autistas podem ser. O final é tanto ousado como surpreendente, terminando com um momento emocional significativo que deixará os espetadores com uma reação agridoce.

No final, Come Play é uma das minhas surpresas favoritas deste ano. Jacob Chase prova que é um cineasta dedicado que conhece a sua arte. Com uma preparação excecional, Chase apresenta uma narrativa extremamente cativante, distinta dos filmes de horror genéricos que inundam todos os anos. Ao concentrar-se na história emocionalmente convincente ao invés dos jumpscares formulaicos, as sequências de horror ganham um impacto muito mais significativo devido à conexão do espetador com as personagens principais, especialmente a de Azhy Robertson. Este último entrega uma das melhores prestações jovens de 2020, interpretando uma criança autista com uma autenticidade notável.

No entanto, o resto do elenco não está ao seu nível, especialmente Gillian Jacobs, que desilude com uma representação emocionalmente desapontante. O comentário social é importante e eficientemente transmitido, apesar de Chase eventualmente perder o equilíbrio e exagerar no número de cenas, acabando por se tornar forçadas.

Tecnicamente, a atmosfera carregada de suspense rouba os holofotes dos poucos, mas eficazes, jumpscares. Come Play acaba por terminar com um momento surpreendentemente ousado e emocionalmente agridoce. Desde que não esperem um “filme de monstros” repleto com sustos previsíveis, recomendo muito a quem procura um plano de Halloween.

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