Vodafone Paredes de Coura 2022, Dia 3 – Do punk para o funk com o rei Donny Benét, os cromos Parquet Courts e o vulcão Turnstile, e a fuga para a vitória dos L’Impératrice

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Um dos maiores ingredientes para a magia do habitat natural da música que é Paredes de Coura é a mudança repentina de estilos e ambiente. E foi muito isso que aconteceu neste terceiro dia de festival.

Quinta-feira, dia lindo, e há pressa para não falhar o início de Donny Benét, mas os astros parecem continuar alinhados e arranja-se lugar para estacionar direitinho para, logo a seguir, se conseguir apanhar o shuttle desde a vila até à entrada do recinto do festival. Assim, sim, e uns minutos antes das 19h05, dá para ficar junto às grades fazer figura de tontinho quando chega The Don, nascido na muito australiana Sydney com a graça de Ben Waples, acompanhado em modo familiar por James “Pug” Waples na bateria e Dan Waples no saxofone.

Ao vivo, as músicas do artista que ficou associado à irresistível sacada “um Prince com grandes cortes orçamentais”, criadas solitariamente nos Donnyland Studios com instrumentos tão míticos dos finais de 70/inícios de 80 como os sintetizadores Prophet-5, Oberheim OB-8 ou Roland Jupiter-6, soam mais jazzísticas, mas igualmente orelhudas. É o caso de “Working Out”, de The Don de 2018, e em especial a enorme “Mr Experience”, do disco homónimo de 2020, com saxofone a dominar a parada. Mas o coração de um artista que navega entre a ironia e a sinceridade, personagem de músico italo disco de fatos cor de rosa e hino à positividade corporal, é o baixo fretless de 4 cordas. Com influências tão variadas como Giorgio Morodor, Chic, Lou Reed ou John Maus, vai-se saltando alegramente de “Girl of My Dreams”, romance puro, a “Konichiwa”, lounge fenómeno viral que segundo o próprio gerou milhões de visualizações e centenas de dólares de receita.

Benét, protótipo do artista de culto, é tratado como um herói pelo núcleo da frente dos presentes e, com boa disposição, vai partilhando momentos da sua vida de miúdo feio que, aos 40, atinge o auge enquanto os outros caem. Passa para as teclas com “Le Piano”, do recém publicado EP de temas instrumentais que revelam um lado mais trabalhado em termos de composição, antes do final com o hino “Santorini”, digno de Miami Vice. Uma experiência, de facto. E vão ao canal de YouTube do senhor.

Um dos maiores ingredientes para a magia do habitat natural da música que é Paredes de Coura é a mudança repentina de estilos e ambiente, e é muito isso que acontece que se passa para o anfiteatro natural maior e se ouve um sax bem diferente, o de Shabaka Hutchings (ou King Shabaka) dos The Comet is Coming. Como sempre, Betamax e Danalogue acompanham na bateria e teclas, e tal como no concerto no Lux de 2019, a rajada de “Summon The Fire”, do grande Trust in The Lifeforce of the Deep Mistery, não deixa ninguém indiferente. Seja numa cave numa noite fria e chuvosa, ou neste fim de tarde soalheiro no meio do habitat natural da música, a fusão de free jazz dos britânicos é caso de sucesso garantido, uma viagem de estilos e influências que já faria confusão não constar do cartel musical do festival. Um dos pontos altos do dia.

Já é noite quando os Parquet Courts entram em campo. Os fãs das guitarras dos nova-iorquinos aguardavam com ansiedade e não ficaram desiludidos, com Andrew Savage, Austin Brown, Sean Yeaton e Max Savage (que grande nome para um baterista) a mostrarem-se em boa forma num concerto eclético que discorreu pela discografia já extensa, de Light Up Gold a Sympathy for Life. E Wide Awake, de 2018, continua viçosa cápsula da essência do quarteto, vide “Freebird II”, “Wide Awake”, ou o punk paninesco de “Total Football” (que fez muita gente pensar que são ingleses). Cromos que compõem muito bem a caderneta de 2022 do Vodafone Paredes de Coura.

Mas a loucura no estádio em termos de excitação dos espectadores estava mesmo reservada para os Turnstile, o hardcore dos de Baltimore (berço também dos radicalmente diferentes Beach House) a gerar um vulcão que expelia cidadãos a fazer crowdsurf até ao fosso do palco. Muito como Joe Talbot em IDLES (as comparações entre os dois concertos são inevitáveis de fazer), Brendan Yates, de muito noventeiro lenço na cabeça, pratica um discurso grato de paz e amor, aqui talvez mais contido, por entre o ritmo frenético das músicas que geram ondas de saltos até ao topo onde se refugiam as famílias multigeracionais e/ou os praticantes da arte do sentar na esteirinha. Glow On é sebenta bem sabida pelos alunos (foi nº 1 na tabela hard rock dos States e nº 2 no paralelo Britânico), com “Mystery” a porta-bandeira. O solo de bateria de Daniel Fang gerou momento de respiração da banda antes do fim de festa com “T.L.C. – Turnstile Love Connection”. E foi mesmo.

Se para os Turnstile a expectativa já era de concerto grande, os L’Impératrice – arriscamos escrever – ficaram surpreendidos com multidão e reacção que tiveram. O sexteto de Paris (Flore Benguigui apresenta o grupo em português, e nas duas frases aprendidas chega a fazer pensar que fosse lusodescendente) apresenta-se com uns fatos laranja com corações luminosos à frente, opção estética que se revelou certeira para os criadores de um nu disco com influências do célebre french touch (antes os L’éclair foram outros muito dignos da armada francesa que tem ajudado a desenjoar do anglo-saxónico). Porém, a sensação inicial é que estariam mais preparados para escala do Vodafone FM, criaturas talvez mais de estúdio do que de estádio. Porém, o projeto iniciado por Charles de Boisseguin é empurrado para a vitória por um público decidido a que esta noite seja de festa e não para de se mexer ao som do funk de “Agitations Tropicales” (claro que nos lembramos dos mestres Daft Punk e Nile Rodgers), e as músicas de Taku Tsubu, de 2021 (não dá para resistir à entrada melíflua de “Anomalie Bleu”). O verdadeiro Paradis du Coeur.

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