Vodafone Paredes de Coura 2022, Dia 2 – Banho de beleza dos Beach House e o caso de amor com os IDLES

- Publicidade -

Por fim, o regresso ao Couraíso!

Ninguém imaginaria há três anos, menos poucos dias, após Bret Anderson e companhia saírem do palco no final do concerto dos Suede (que curiosamente daqui a uns estarão no Alto Minho, agora em Vilar de Mouros) e abandonarmos pela última vez o anfiteatro natural da Praia Fluvial do Taboão vestido em modo festival Vodafone Paredes de Coura, que demoraria tanto tempo voltar. Porém, ao entrar no final da tarde de quarta-feira no recinto após a acreditação no centro cultural (sentimos a falta das peças LEGO, mas diz que vai haver exposição permanente daqui a algum tempo), parece que foi ontem. A sensação de encontrar aquele amigo que não víamos há muito, mas com quem se reata a conversa como se nunca tivesse existido ausência.

Perdido o dia dos portugueses, invariavelmente descrito como sucesso pelos espectadores com quem falámos, e para amouse bouche do menu de degustação que vai saciar tão longa fome, ainda se apanha o final da atuação das Porridge Radio no palco Vodafone FM. Estreia absoluta do conjunto de Brighton composto por Dana Margolin (voz e guitarra), Maddie Ryall (baixo), Geordie Stott (teclas), e Sam Yardley (bateria), e uma das coqueluches dos últimos anos. Com inspiração evidente no pós-punk e do indie subsequente, escola inatacável no gosto, o estilo e as letras auto-depreciativas são um bom encaixe para o local que se encontra já bem recheado de afinidades espirituais, apesar de, nas últimas filas, existir muito cruzamento com o som de Alex G ao fundo, no palco principal, o que prejudica o efeito das alterações repentinas da voz da também compositora Margolin, como no final de “Sweet”. De qualquer forma, ótimo cartão de visita para o regresso a Portugal que se prevê para novembro.

Os BadBadNotGood não são estreia nacional porque essa aconteceu aqui mesmo, há cinco anos, curiosamente num dia também com Beach House. Se, na altura, o quarteto canadiano de free jazz surpreendeu com uma atuação plena de pujança que foi agregando à sua volta um público que, à partida, não sabia o que ali estava, hoje a coisa é diferente. Mais maduros, com mais produção – neste espetáculo com muitas projeções de película de 16 mm da vida na grande cidade de há décadas atrás -, e com o mais recente Talk Memory na discografia, a estranheza de 2017 está agora diluída no zeitgeist de um Paredes de Coura que vai sempre ganhando novas camadas sem perder identidade. O saxofone de Leland White é o instrumento mais evidente, mas a bateria de Alexander Sowinski comanda de forma de tranquila e, por vezes, salta para a frente. Para fechar os presentes neste top meeting, conforme os próprios descreveram, Felix Fox nos teclados e o baixo de Chester Hansen, no concerto envolvente que foi um dos momentos do dia.

Já os The Murder Capital mantiveram o tom revivalista pós-punk no palco Vodafone FM (chamar-lhe secundário é injustiça atroz), com o vocalista James McGovern a entrar de t-shirt Iggy Pop, aquelas calças pretas altas com cinto à mostra agora na moda e cigarro que, atirado para um membro da organização, seria trocado por uma pandeireta em punho, naquilo que poderia ser uma ótima audição para um filme baseado na vida de Morrissey. Em comum também com os Porridge Radio, letras desenhadas no fundo, aqui em tamanho maior. A fazer uma boa ponte entre aqueles e os IDLES, que hão de aparecer a seguir, os irlandeses acabam por apostar muito na pose para se diferenciar, com mãos atrás da guitarra diversas vezes ou duelos baixo/guitarra face a face (fazem ainda parte da band Damien Tuit e Cathal Roper (guitarras), Gabriel Pascal Blake (baixo) e Diarmuid Brennan (bateria), e vão variando temas do inicial When I Have Fears com o novíssimo Only Good Things, editado este ano.

Os IDLES já são uma paixão assolapada em Portugal e mantiveram a relação umbilical com o público que, em março, demonstraram no Coliseu dos Recreios. Aqui, a energia é óbvia, e Joe Talbot, Adam Devonshire, Mark Bowen e Lee Kiernan entram de forma discreta para, logo a seguir, partir tudo com “Colossus”. A combinação de punk feliz com mensagens carinhosas e confessionais de Talbot, a roçar a terapia coletiva, continua a imagem de marca da malta de “Mercedes Marxist”. “No favourite place in the world to play“, dizem eles, e nós queremos acreditar.

Rolaram as clássicas de Joy as An Act of Resistance, como “Never Fight a Man with a Perm”, garantia de cura para a falta de mosh na vida dos presentes, ou a inevitável em tempos de guerra na Ucrânia “Danny Nedelko”, misturadas com outras dos mais recentes Ultra Mono e Crawler. No fim, há troca de bateria e Talbot malha em “Rottweiler”. Foi tudo o que se queria que fosse, e foi.

Mas a noite era a dos Beach House, até porque havia uma dívida a quitar. O concerto de 2017 entrou na história dos mais bizarros da história do festival, desde o atraso aos problemas técnicos até a um meio concerto atabalhoado, tornando-se quase lenda dos veteranos do certame, acima de tudo porque não podia ter acontecido com eles.

Eles voltaram finalmente, Victoria Legrand e Alex Scally, duo de música etérea aqui acompanhado pelo baterista Alex Barone, e têm uma grande vantagem – ninguém soa tão a eles próprios, já se sabe o que querem e para onde vão. A malta que acha que isto “não é música para festival”, que “soam todas ao mesmo” retira-se de campo, e ficamos nós. Nós, os fiéis, queremos redenção, e é isso que acontece, como tinha de ser, porque a comunhão entre artista, público e espaço é uma trindade que nasceu para ser perfeita. O início com “Once Twice Melody” e “Lazuli” provam logo isso, num jogo de sombras e luz misterioso, em especial quando as projeções de estrelas nas telas fazem um contínuo para as constelações que as luzes urbanas não permitem ver, e Legrand diz que não queria estar nowhere else.

O dream pop dos teclados de Legrand e da guitarra mágica de Scally desfila imperturbavelmente hinos de beleza como “PPP”, “Myth”, a primeira vez ouvida ao vivo “Superstar”, ou “Space Song”. “Over and over”, também de Once Twice Melody, de 2022, é o final lógico para a celebração que fez esquecer todas as falhas. Está tudo bem outra vez.

Ao longe, a caminho da saída, ouve-se os Viagra Boys dizerem que é a segunda vez no Porto e o primeiro concerto desde o lançamento do novo disco, mal tiveram tempo de beber alguma coisa. Tendo em conta que, no Primavera Sound do Porto, disseram um “Olá, Barcelona”, acreditamos que sim.

- Publicidade -

Deixa uma resposta

Introduz o teu comentário!
Introduz o teu nome

Relacionados