Crítica – Challengers

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Challengers transcende os limites da sua premissa centrada no ténis para mergulhar nas complexidades das relações humanas e dos desejos pessoais.

Challengers era um dos filmes mais antecipados de 2023, mas foi adiado para o ano seguinte devido à greve da SAG-AFTRA. No entanto, a antecipação enorme para o novo filme de Luca Guadagnino (Call Me by Your Name, Suspiria, Bones and All) nunca desapareceu, sendo que o fator de ser protagonizado por uma das maiores estrelas de Hollywood atualmente, Zendaya (Dune: Part Two), também contribui imenso para as tais expetativas elevadas. Para além disso, enquanto fã e jogador de ténis fora deste mundo virtual, ter este desporto como pano de fundo para o desenrolar da narrativa serve de bónus adicional de entretenimento.

O primeiro argumento para longa-metragem de Justin Kuritzkes segue a história de um campeão de ténis profissional, Art Donaldson (Mike Faist), que planeia o seu regresso à grande forma que lhe garantiu Grand Slams num torneio da segunda categoria do circuito profissional – os ATP Challengers – com a ajuda da sua mulher, Tashi Duncan (Zendaya), ela própria um antigo prodígio do desporto que se viu obrigada a retirar devido a uma lesão no joelho. Em New Rochelle, Art enfrenta Patrick Zweig (Josh O’Connor), o seu ex-melhor amigo e… ex-namorado da sua mulher.

Guadagnino é conhecido pelos seus visuais sumptuosos, a profundidade emocional das suas personagens, a beleza e sensualidade de todos os seus planos e, acima de tudo, a sua atenção incrivelmente detalhada com estímulos sensoriais. Challengers é um exemplo perfeito do seu cinema meticuloso, onde literalmente tudo tem algum significado ou propósito. Seja uma pequeníssima alteração na moção de serviço de um jogador, uma frase solta num momento quente ou uma expressão facial minimalista, não existe cena ou até uma simples imagem sem algum tipo de informação para o público.

Challengers é uma narrativa guiada pelo seu tema de amor enquanto competição. “Estamos a falar sobre ténis?“… “Estamos sempre a falar sobre ténis.” Esta pergunta-resposta em particular é repetida mais do que uma vez ao longo do filme e, no fim, a primeira questão que nos passa pela cabeça é precisamente se, em algum momento da obra, se falou realmente sobre ténis. O peso metafórico de todas as interações dentro do triângulo amoroso é inegavelmente impactante, sendo um ingrediente valioso para o crescimento exponencial da tensão sexual ao longo do tempo de execução, tanto em conversas simples numa cantina como em rallies intensos no court.

Challengers é muito mais do que ténis. Tal como o título do filme, os arcos de personagem, incluindo as suas motivações, dilemas e desejos, possuem uma ligação superficial evidente com o desporto, mas possuem inúmeras camadas pessoais e temáticas entrelaçadas, sendo que é possível substituir ténis por qualquer outro desporto individual e o argumento manteria-se praticamente idêntico – existem sempre ajustes técnicos relativamente ao calendário e estrutura competitiva respetiva, claro.

As dinâmicas entre o trio de protagonistas são o destaque natural de Challengers. As constantes reviravoltas nas relações entre Tashi, Art e Patrick permitem um nível de imprevisibilidade cativante, mas é a química efervescente entre Zendaya, O’Connor (The Crown) e Faist (The Bikeriders) que transforma a sala de cinema num verdadeiro forno, tal é a paixão ardente com que os atores incorporam as suas personagens e, principalmente, as cenas bastante sensuais entre os próprios – fica o aviso para espetadores mais sensíveis com nudez e afins.

É difícil imaginar uma temporada de prémios onde Zendaya não seja uma das principais candidatas, tal é a dedicação total com que entrega o seu corpo e talento para representar Tashi, uma mulher que tinha tudo para ser rainha e dona do desporto, mas que se viu remetida a ser “ajudante” do fantástico campeão masculino enquanto assistia a jogadoras aniquiladas por si no passado a vencerem os maiores torneios do mundo. A vontade intensa de Tashi em vencer e praticar bom ténis é a sua maior motivação ao longo de Challengers e a razão pela qual tenta viver por Art o sucesso que sempre desejou, assim como a frustração quando os resultados não são os esperados.

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Challengers (Warner Bros. Pictures, Amazon MGM Studios)

Mas esta motivação é inerentemente pessoal. Tashi não quer simplesmente ver bom ténis – para isso, podia perfeitamente ver qualquer encontro do circuito principal do desporto. Challengers é sobre conexões íntimas humanas e como estas transformam algo supostamente tão bonito e afrodisíaco como o amor numa competição repleta de transpiração, respirações ofegantes, pancadas violentas e, no caso particular do trio central, num rally infindável entre Art e Patrick para conquistar Tashi.

Os outrora melhores amigos lutam entre si, mas também por eles próprios. A química sexual de Challengers não provém apenas de Tashi-Art ou Tashi-Patrick, mas também de Art-Patrick. Guadagnino não prescinde de tempo nem espaço para literalmente colar o público a estas três relações, com close-ups apaixonantes e impetuosos durante diálogos e rallies, tal como em qualquer outro momento do filme.

Guadagnino utiliza diferentes linhas de tempo narrativas com uma eficiência tremenda. Naturalmente, como alguém que conhece o desporto de cima para baixo, a simples menção de um torneio ou de um pequeno anúncio na televisão é suficiente para me situar na continuidade temporal de Challengers. Mas qualquer espetador conseguirá seguir facilmente o desenrolar dos enredos, não só pela sua ligação bastante clara, mas por todos os detalhes que o cineasta aplica para identificar cada altura. Seja através do guarda-roupa, de cortes de cabelo ou até do material tenístico usado, todos os departamentos contribuem para um filme estruturalmente compreensível e tematicamente riquíssimo.

No entanto, estar por dentro do desporto tem os seus prós e contras. Por um lado, consigo seguir Challengers sem ser necessário nem um segundo de ajuste ou processamento narrativo. Por outro lado, as sequências do ténis jogado são alvo de maior rigor e é genuinamente difícil não me distrair com a falta de sincronização entre os movimentos de pés e pancadas dos jogadores com a bola frequentemente CGI – alguns rallies roçam o ridículo, mas demonstram a versatilidade tremenda da cinematografia de Sayombhu Mukdeeprom (Thirteen Lives) acompanhada pela banda sonora eletrizante de Trent Reznor e Atticus Ross (Soul) – ou reparar num erro de pós-produção envolvendo os gráficos que mostram o resultado do encontro entre Art e Patrick.

Mesmo assim, no fim, isso não é o mais importante porque, novamente, Challengers não é uma história sobre ténis. O objetivo não é conseguir filmar rallies incrivelmente realistas, mas sim capturar a intensidade brutal de um desporto extremamente físico, criando uma conexão metafórica impressionantemente palpável com as relações poderosamente dinâmicas do trio principal. A última sequência do filme aplica mecanismos de câmara-lenta como dispositivo de tensão e suspense num clímax que deixará qualquer espetador à beira de saltar da cadeira – apesar de arriscar perder os mesmos com a sua duração potencialmente demasiado extensa -, mas mais uma vez, não são as pancadas bonitas que fazem daquele encontro um grande jogo de ténis, mas sim a proximidade íntima que possuímos com as personagens.

E, agora, volto a perguntar: “estamos a falar de ténis?” Ou será Challengers um estudo profundo sobre a complexidade íntima da natureza humana? Costuma-se dizer no mundo do desporto que uma bola 99% fora é 100% dentro – basta um bocadinho da bola tocar nas linhas do court e conta como válida. Pois bem, Guadagnino criou uma história 99% sobre ténis… e 100% sobre tudo menos ténis.

VEREDITO

Challengers transcende os limites da sua premissa centrada no ténis para mergulhar nas complexidades das relações humanas e dos desejos pessoais. A realização meticulosa e forma narrativa metafórica de Luca Guadagnino, aliados às prestações extraordinariamente fervorosas de Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist, transportam os espetadores para um mundo onde as fronteiras entre amor e competição se entrelaçam com intensidade tentadora, tensão sexual e uma banda sonora eletrizante. Com a sua mistura potente de paixão, intimidade e profundidade de personagens e narrativa, a obra nunca deixa de nos recordar que as histórias mais cativantes estão para lá das linhas que definem os courts de ténis.

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