Crítica – Dune: Part Two

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Dune: Part Two supera até as expetativas mais altas, consolidando-se como uma obra-prima técnica inquestionável do cinema blockbuster.

Desde incertezas sobre o eventual sucesso da saga em si – que até levanta dúvidas sobre como é que produtores executivos sequer pensaram que isto poderia ser um falhanço de bilheteira – às inúmeras alterações da data de estreia, Dune: Part Two demorou o seu tempo a chegar aos vários países pelo mundo fora… mas eis que uma das sequelas mais antecipadas do século finamente aterra nos grandes ecrãs. Como fã ávido de épicos de ficção-científica, de Denis Villeneuve – o meu cineasta contemporâneo favorito – e, claro, do seu primeiro filme de 2021, as expetativas não podiam encontrar-se num patamar mais alto.

Dune: Part Two continua a história de Paul Atreides (Timothée Chalamet) que agora se une a Chani (Zendaya) e aos Fremen para vingar a conspiração que destruiu a sua família. Ao enfrentar uma escolha entre o amor e o destino do universo, Paul tem de lutar para evitar o futuro terrível que só ele pode prever. Villeneuve traz de volta Jon Spaihts para ajudar no argumento que adapta o resto do primeiro livro de Frank Herbert. Com um elenco recheado de estrelas tanto da obra passada como ‘caras novas’, assim como os mesmos responsáveis pelos vários departamentos técnicos que acumularam prémios atrás de prémios no ano de Dune: Part One, os ingredientes para esta sequela se tornar num dos maiores e melhores filmes do ano – e quiçá, para lá disso – encontravam-se todos em cima da mesa.

Villeneuve é dos poucos cineastas na história do cinema sem qualquer ‘pé em falso’ na sua filmografia. Aliás, a vasta maioria das suas obras é considerada por muitos como perto do melhor que os géneros em questão podem oferecer. E Dune: Part Two entra nessa lista tremenda de filmes inesquecíveis que marcarão esta geração e as seguintes. Em termos de impacto cultural, comercial e industrial, comparações com Empire Strikes Back, The Lord of the Rings: The Two Towers e The Dark Knight serão mais do que justificadas, pois encontramo-nos perante a nova referência exímia do género sci-fi e do cinema blockbuster.

Defendo que o termo ‘obra-prima’ é atirado de forma muito leviana hoje em dia, até porque vivemos na era do clickbait e tudo o que possa ser feito para gerar mais visualizações é executado sem preocupações morais ou éticas. Dito isto, Dune: Part Two praticamente obriga à utilização do termo para descrever os seus componentes técnicos. É inevitável começar pela beleza arrebatadora deste mundo audiovisual incrivelmente imersivo. Todos os responsáveis máximos pela sua área ou entregam o seu melhor trabalho de sempre ou um dos mais memoráveis e impactantes das suas longas carreiras. Algo que até podia nem significar muito se estivesse a falar de desconhecidos, mas a verdade é que são dos nomes mais notáveis da indústria.

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Greig Fraser cimenta ainda mais a sua posição enquanto um dos melhores diretores de fotografia atualmente. Desde as paletas de cores distintas associadas com cada mundo e família à astúcia excecional das sequências de ação, é a escala massiva de Dune: Part Two que separa a obra de qualquer outro filme dentro do género. Todos já assistimos a blockbusters de grande escopo, mas Fraser e Villeneuve ultrapassam o que se pensava ser o limite do género e do cinema. Seja transformar as personagens em formigas com planos largos absolutamente deslumbrantes ou o aproveitamento impressionante do espaço vazio – nunca se viu tanto para lá do que se encontra à frente do ecrã – é um trabalho que dificilmente não entregará a Fraser o seu primeiro (!) Óscar.

Mas se Fraser ainda procura o seu ano de congratulação cerimonial, Hans Zimmer já perdeu a conta às inúmeras bandas sonoras que se tornaram verdadeiros clássicos da sétima arte. Afinal de contas, estamos a falar do compositor por detrás da música de The Lion King, Gladiator, Pirates of the Caribbean, The Dark Knight, Inception, Interstellar, Dunkirk, Blade Runner 2049, Dune: Part One, entre muitas outras obras marcadas pelas suas melodias e sinfonias inesquecíveis. Sendo assim, não há melhor maneira de descrever o que senti ao experienciar a banda sonora de Dune: Part Two do que simplesmente afirmar que é tão arrepiante, avassaladoramente emocional e verdadeiramente gloriosa como qualquer uma das mencionadas neste parágrafo. Não faço questão de permanecer sentado no cinema até os créditos finais desenrolarem por completo, mas não só o fiz desta vez, como continuei a sentir os apertos no peito e os olhos húmidos que acompanharam o filme em si.

No entanto, os pilares de qualquer obra cinematográfica são a história e personagens. Por mais hipnotizante e alucinante que sejam os aspetos técnicos, sem interesse genuíno nos tais pilares, Dune: Part Two falharia e falharia a sério. Para quem espera exclusivamente uma demonstração constante de ação, efeitos visuais, explosões e guerras sem fim, recomendo moderar tais expetativas irrealistas, pois semelhante a The Two Towers, os primeiros dois atos do filme focam-se em estabelecer e desenvolver relações, usar pontos de enredo para gerar antecipação e tensão e acumular emoções de forma a que a conclusão, essa sim indutora de estupefação audiovisual, possua algum o maior impacto possível.

Dune: Part One foca-se mais no jogo político e de luta pelo poder entre as casas Harkonnen e Atreides, assim como o envolvimento dos nativos de Arrakis (Fremen) e os planos do Emperor (Christopher Walken), apesar deste aparecer apenas na sequela. É uma obra mais lenta com mais exposição e necessidade de construir as fundações deste universo fictício, abordando tópicos de discussão mais ligados à economia, clima e recursos naturais do planeta do que propriamente relações íntimas entre personagens ou comunidades.

Dune: Part Two continua a explorar essa camada política – mais através da brutalidade e violência da guerra -, mas claramente com um foco maior nas suas personagens. O primeiro ato é, para todos os efeitos, um romance. Villeneuve e Spaihts alocam praticamente toda a primeira hora à exploração do relacionamento central da narrativa. À medida que Paul vai conhecendo a cultura dos Fremen e aprendendo as suas técnicas de sobrevivência no deserto, a sua conexão com Chani cresce de forma genuína e tremendamente convincente, culminando num dos primeiros beijos mais paradisíacos que alguma vez vi no grande ecrã.

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O argumento da sequela volta a possuir um peso temático gigante caraterístico da obra de Herbert. Desde colonialismo e liberdade, amor e destino, religião e fé, Dune: Part Two consegue entregar um estudo global de todos estes temas e misturá-los com uma eficiência narrativa fantástica. Desconstrói ideias formulaicas por detrás de conceitos como a profetização de um messias, criando incerteza sobre um futuro dependente de uma comunidade dividida pela fé – ou falta dela – num ‘herói escolhido’. Mergulha igualmente na mitologia e espiritualidade ligada com o seu protagonista, examinando o impacto de uma comunidade religiosa que acredita e decide o seu destino com base em algo inexplicável ao invés de escolha individual ou mérito próprio. É uma meditação intemporal sobre a condição humana, dinâmicas de poder e a nossa relação com o mundo natural.

Dune: Part Two apresenta novas personagens como Princess Irulan (Florence Pugh), Lady Margot Fenring (Léa Seydoux) ou o próprio Emperor. Mas ninguém se destaca tanto como Feyd-Rautha Harkonnen, um verdadeiro psicopata interpretado de forma extremamente ameaçadora por Austin Butler (Elvis). O segundo ato possui várias sequências onde a sua presença demoníaca é assustadoramente cativante e a sua aparência até faz recordar Freeza (Dragon Ball), transformando as suas cenas visceralmente violentas ainda mais especiais. A frieza e desumanidade que o caraterizam dão origem a momentos desprovidos de misericórdia de deixar qualquer espetador de queixo caído.

No entanto, eis que chego ao único problema menor que possuo, para já, com Dune: Part Two. Refiro ‘para já’, pois a verdade é que ainda falta um terceiro filme para terminar esta saga e, como bem sabemos, as opiniões mudam com o tempo e, principalmente, com o arco narrativo geral completo. Algumas personagens desta sequela possuem pouco ou até mesmo nenhum impacto no enredo principal ou arco do protagonista, mas ocupam minutos consideráveis da mesma. Inevitavelmente, a importância destas personagens e das suas ações apenas poderá ser atestada no fim da trilogia, pelo que é difícil criar uma opinião final sobre um problema que pode, de facto, não ser problema nenhum.

É um pormenor que não danifica a adoração que possuo por Dune: Part Two, e muito menos a satisfação total com o terceiro ato que todos desejam experienciar no maior ecrã possível. É um dos maiores espetáculos audiovisuais do século e não, não é exagero. O orçamento da obra foi de 190 milhões de dólares, o que coloca em causa a qualidade técnica dúbia de outros filmes com a mesma ou superior capacidade financeira. Ao longo da minha vida cinéfila, são raros os momentos genuinamente catárticos e arrepiantes provocados por uma conclusão majestosamente épica de escala titânica.

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Pessoalmente, apercebo-me dos mesmos quando reparo, mais tarde do que devia, que me encontro de sorriso de orelha a orelha e de boca aberta como se estivesse a testemunhar algo nunca antes visto. A batalha final compensa quaisquer problemas menores com Dune: Part Two. É a culminação perfeita de uma história emocionante de princípio ao fim, onde apesar da duração de quase três horas, é ritmicamente controlada brilhantemente – a montagem exímia de Joe Walker ajuda imenso. A versatilidade da ação é o grande destaque: sejam raios de naves espaciais, bombas atómicas, duelos ou lutas belissimamente coreografadas com e sem facas/espadas… há um pouco de tudo para todos os gostos.

As cargas de exércitos são, para mim, o tipo de sequência de batalha mais estimulante e eletrizante que existe. Colocam-me num estado inexplicavelmente purificador. Dune: Part Two consegue recriar este tipo de set piece, mas vai para além disso. Com a evolução da tecnologia e do cinema em geral, as cargas não terminam com cortes rápidos e incompreensíveis, mas sim com takes longos e ininterruptos de lutas revigorantes e estupendas. Novamente, a escala absurdamente enorme nota-se até na quantidade de personagens presentes no ecrã num plano médio.

Uma crítica comum a The Two Towers é de que mais de metade do filme é preparação para a batalha clímax. Antecipo o mesmo tipo de crítica a Dune: Part Two, mas a defesa perante tal argumento é a mesma. A narrativa substancial e profundidade temática contribuem para a história global da saga, assim como o desenvolvimento de personagens com a introdução de novas relações, revelações impactantes e alterações de motivações pessoais. O Paul, Chani e Lady Jessica que começam a obra não são os mesmos que a terminam, tal como a ligação emocional para com estas personagens, o world-building gradualmente mais rico e a complexidade narrativa envolvente.

Para tudo isto, e termino com este parágrafo, o elenco é crucial. Dune: Part Two deve muito também aos atores e atrizes que entregam algumas das melhores prestações das suas respetivas carreiras. Sobre Chalamet, já não restam dúvidas. A sua representação transformativa de Paul é a melhor que vi na sua ainda curta carreira. A sua química com Zendaya é da mais autêntica que se pode pedir, sendo que a atriz rouba muitas vezes os holofotes quando se apresenta na frente do ecrã. Rebecca Ferguson também torna Lady Jessica numa personagem ainda mais misteriosa do que já era, sendo que Pugh, Seydoux e Walken aproveitam os poucos minutos que possuem para brilhar mesmo assim. Josh Brolin, Dave Bautista, Stellan Skarsgård, Javier Bardem… sinto necessidade de mencionar todos, pois todas estas performances merecem reconhecimento. Seria impossível pedir um elenco melhor. Seria impossível pedir um filme melhor.

VEREDITO

Dune: Part Two supera até as expetativas mais altas, consolidando-se como uma obra-prima técnica inquestionável do cinema blockbuster. Com uma narrativa que aprofunda a complexa teia de relações políticas, poder, fé, amor e destino, não só proporciona um espetáculo audiovisual de cortar a respiração, graças à genialidade de Denis Villeneuve, Greig Fraser e Hans Zimmer, como também oferece uma meditação profunda sobre temas humanos universais através de um mundo tematicamente rico e personagens extensivamente desenvolvidas. As prestações soberbas de todo o elenco, liderado pelo melhor Timothée Chalamet até à data, assim como uma Zendaya hipnotizante, eleva ainda mais esta experiência cinemática incrivelmente imersiva. Justifica comparações com as maiores sequelas da história, tornando-se facilmente no novo epítome geracional de épicos sci-fi.

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