Apesar de três longas décadas, The Untouchables sobrevive ao teste do tempo com uma produção autêntica e realista.
Durante a Era da Lei Seca nos Estados Unidos, o agente federal Eliot Ness (Kevin Costner) tenta deter o gangster implacável de Chicago, Al Capone (Robert De Niro). Devido à corrupção desenfreada, Eliot reúne uma pequena equipa escolhida a dedo para o ajudar.
Capone, protagonizado por Tom Hardy, é lançado esta semana, por isso, decidi visitar um clássico do fim dos anos 80 que também conta com Al Capone (desta vez interpretado por Robert De Niro).
Uma das minhas resoluções de 2020 é rever filmes mais antigos, clássicos sobre os quais nunca escrevi, e talvez passar pela filmografia de um realizador antes do seu próximo grande filme. Também vou tentar rever filmes dentro de uma franchise, por exemplo, antes da versão live-action de Mulan, vou definitivamente assistir ao original de 1998. Deu para perceber a ideia.
The Untouchables é um daqueles clássicos que já vi algumas vezes, mas do qual não me recordo da última vez que o vi. Senti-me como se fosse um novo lançamento, visto que não me lembrava da maioria dos pontos de enredo. Desfrutei bastante de poder voltar a ver um filme de época gangster tão bom como este. O elenco é incrível, mas preciso de começar com o nível de produção impressionante para um filme de 1987. Desde a cenografia até às sequências de ação bem trabalhadas, tudo se assemelha a Chicago durante a Era da Lei Seca.
Adoro como os diálogos são filmados. Hoje em dia, não é nada comum ter um filme inteiro repleto com conversas longas e sem cortes entre as personagens. A maioria dos realizadores simplesmente emprega aquele tipo de diálogo pouco creativo, “fala-corta-fala”, sem nunca chegar perto de quebrar a regra dos 180º. Não sou o maior fã de Brian DePalma, apesar do mesmo ter começado uma das minhas sagas de ação favoritas de sempre (Mission: Impossible). No entanto, o blocking e framing que emprega são excelentes neste filme. O movimento de cada ator é seguido na perfeição pela câmara (DP: Stephen H. Burum), fazendo com que todas as cenas sejam significante.
O argumento é muito bem estruturado. Sempre que o filme começa a perder energia, algo impactante ocorre. Uma grande cena de ação, um novo desenvolvimento que muda o curso da narrativa ou a decisão de uma personagem que deixa o espetador preocupado com um resultado inevitável. Consequentemente, The Untouchables raramente perde o seu momentum – é sempre cativante de alguma maneira. As quatro personagens que constituem o grupo que origina o título do filme são todos emocionalmente convincentes e os seus atores oferecem prestações extraordinárias… exceto o protagonista, Kevin Costner.
Não sei se os leitores irão considerar isto um hot take ou não, mas considero a interpretação de Costner demasiado desprovida de emoção. Durante o filme, a sua personagem passa por situações de vida ou morte, pessoas com as quais ele se importa morrem e, eventualmente, chega a ter um cara-a-cara com Al Capone. A sua expressão facial é estranhamente quase idêntica em todas estas cenas… e em muitas mais. É o seu primeiro grande filme, aquele que o catapultou para o estrelato, mas não sou o primeiro a criticar esta sua atuação com tão pouca variedade emocional. No entanto, não se torna uma distração tal que não me permita conetar-me com a sua personagem.
Em relação ao resto do elenco, Sean Connery é o destaque com a sua interpretação de Jim Malone. É charmoso e engraçado e, quando é necessário levar a sua personagem através de uma cena mais sombria e dramática, não tem problemas em dar-nos uma performance excecional. O jovem Andy Garcia (George Stone) prova que tinha qualidade para se tornar um ator de renome (conseguiu tal feito facilmente) e Charles Martin Smith é surpreendentemente divertido como Oscar Wallace. O meu problema principal com esta obra envolve a falta de tempo de ecrã dado a Robert De Niro como Al Capone.
Certo, é uma história sobre as pessoas que prenderam o famoso gangster e não uma biografia do último. No entanto, não só é um desperdício de um ator fenomenal, como é também um desperdício de uma personagem carregada de potencial. Al Capone é, supostamente, um homem de negócios muito inteligente e um chefe do crime implacável, possuindo uma organização extraordinariamente bem protegida, mas apenas aparece em algumas cenas dispersas, como se fosse um simples vilão aleatório que os “bons da fita” precisam de derrotar. São cenas fantásticas, sem dúvida, mas não se consegue sentir Al Capone como a ameaça tremenda que o filme assume que é, uma vez que o espetador mal conhece Al Capone ou como este possui tanto poder.
Em suma, The Untouchables evoluiu muito bem com o tempo, mesmo após mais de trinta anos. Em termos de produção, não só os cenários e guarda-roupa se assemelham perfeitamente à Era da Lei Seca, mas o blocking e framing tecnicamente impressionantes de Brian DePalma são de deixar um sorriso na cara de qualquer cinéfilo.
Diálogos longos, cativantes e sem cortes, todos elevados por um elenco notável (Sean Connery é, sem dúvida, o destaque), apesar de Kevin Costner não demonstrar o alcance emocional necessário para um protagonista. Até as sequências de ação deste filme de 1987 são melhores das de muitos blockbusters de hoje em dia. David Mamet escreve um argumento bem estruturado que raramente perde interesse e apresenta personagens excecionalmente convincentes. A banda sonora viciante de Ennio Morricone também é um ponto positivo importante.
No entanto, tanto Robert De Niro como a sua personagem, Al Capone, são muito pouco utilizados, especialmente o último. Para uma personagem tão importante que muda constantemente o caminho da narrativa, o escasso de tempo de ecrã não permite que o espetador entenda as motivações de Al Capone ou sinta a ameaça que este realmente é. Ainda assim, é um clássico digno de uma nova visualização, logo recomendo imenso.