Crítica – The Matrix Resurrections

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The Matrix Resurrections é uma das maiores desilusões pessoais do ano. Lana Wachowski oferece um filme surpreendentemente meta e auto-consciente sobre a trilogia original repleta com ideias ousadas e fascinantes, mas com uma execução absolutamente terrível.

Sinopse: “Para descobrir se a sua realidade é uma invenção física ou mental, Mr. Anderson (Keanu Reeves), também conhecido como Neo, terá que escolher seguir o coelho branco mais uma vez. Se aprendeu alguma coisa, é essa escolha, embora seja uma ilusão, a única maneira de sair – ou entrar – na Matrix. Neo já sabe o que deve fazer, mas o que ainda não sabe é que a Matrix está mais forte, mais segura e muito mais perigosa do que nunca.”

Dois factos têm de ser partilhados antes da crítica em si. O primeiro é algo que tenho em comum com a grande maioria dos cinéfilos: adoro The Matrix, de 1999. O seu impacto inegável e influente no século atual do cinema é reconhecido por todos, mas as duas sequelas não foram bem recebidas na altura do lançamento. Felizmente, o tempo funciona de forma misteriosa. Devido às inevitáveis mudanças culturais e industriais, opiniões alteram-se após sessões repetidas, especialmente quando ocorrem ao longo de décadas. Podem passar inteiramente de positivas para negativas ou vice-versa. Não só o meu amor pelo filme original cresceu ainda mais, mas o meu descontentamento com as sequelas também diminuiu – Revolutions continua com demasiados problemas, mas Reloaded tornou-se numa visualização bastante agradável.

O segundo facto está relacionado com a data de estreia de The Matrix Resurrections. Na semana passada, um dos filmes mais antecipados do ano, Spider-Man: No Way Home, estreou com números recordes de bilheteira, mesmo no meio de uma pandemia global. Consequentemente, esta quarta parcela da franquia de Lana Wachowski – a sua irmã, Lily, não participou neste novo filme – não teve o entusiasmo que teria adquirido num mês mais “vazio”. Tal leva-me às minhas expectativas nulas em relação a este filme. Como sempre, escapei a trailers, imagens e tudo mais, mas isso também me levou a ficar surpreendentemente neutro até entrar no cinema.

Mesmo com este tipo de expectativa, saí da sessão totalmente dececionado. Já verifiquei os dois trailers principais e não acredito que estes me teriam ajudado a preparar-me melhor para este filme. The Matrix Resurrections conta uma história sobre a trilogia original em vez de ser simplesmente mais uma sequela, o que é uma ideia atraente e bem-vinda. De facto, Lana, David Mitchell (Sense8) e Aleksandar Hemon (Love Island) enchem Resurrections com ideias estimulantes, inventivas e subversivas, mas o problema geral de todo o filme está diretamente ligado à má execução do seu conceito meta e auto-consciente.

The Matrix Resurrections

A trilogia The Matrix sempre foi pesada em termos de exposição e significados filosóficos. As conhecidas dicotomias de realidade vs. ilusão, liberdade vs. controlo, humano vs. máquina, coletivo vs. individual e dezenas de outras são vitais para a história complexa e personagens intrigantes. No entanto, todas são abordadas e debatidas em cada filme como temas subjacentes, desenvolvimento de personagem ou explicações importantes para mover o enredo para a frente. Devido ao seu ambiente meta e à autoconsciência de todas as personagens sobre os filmes originais, Resurrections transforma algo outrora fascinante em sessões de brainstorming cómicas e incomodativas sobre os mesmos filmes.

A trilogia original é exaustivamente explicada aos espetadores através de discursos repetidos e comentários feitos ao longo das últimas duas décadas por críticos e fãs. Consigo imaginar linhas de diálogo como “a originalidade já não é valorizada, os estúdios apenas se preocupam com sequelas, reboots, remakes, etc.” ou “as ideias são o novo cool” ou mesmo “a trilogia The Matrix é toda sobre bullet time” a funcionarem no papel. No entanto, estas e muitas mais são tratadas como meras piadas. Este filme podia muito bem ser classificado como comédia, mas a pior parte de tudo é que Resurrections goza com várias coisas em que eventualmente se torna ou faz. Se for propositado, simplesmente não consigo ver como isso ajuda ou dá força à história de qualquer forma ou feitio.

Além disso, o enredo em si é extremamente complicado. Ser guiado por exposição não ajuda quando esta é uma auto-indulgência frustrantemente forçada. Costuma-se usar o argumento “é demasiado complexo para apenas uma visualização” para esconder problemas narrativos. Alguns filmes exigem, de facto, várias visualizações para compreender totalmente a intenção, visão e mensagens subliminares do realizador. Ainda assim, mal Resurrections terminou, não tive dificuldade em recontar a história para mim mesmo, o que significa que realmente só tive problemas durante o tempo de execução. O segundo ato é extraordinariamente atrapalhado, tornando-se genuinamente confuso entender o que está a acontecer.

Os argumentistas agarram-se em demasia a desculpas excessivamente científicas para explicar certos pontos do enredo, usando terminologia técnica que faz o meu mestrado em engenharia eletrónica e de telecomunicações parecer inútil. Questiono-me como é que alguém sem conhecimento avançado sobre o tipo de tecnologia exibida no ecrã vai entender estas explicações essenciais. Grande parte do filme dá a sensação de Lana estar a despejar todos os seus pensamentos e sentimentos que guardou durante estas duas décadas, como se realmente precisasse de desabafar enquanto simultaneamente procura validação.

Passando para os aspetos mais técnicos, a ação também é uma desilusão monumental. Este era o único elemento que antecipava ser fantástico e cativante, mas encontro-me com a impossibilidade de me lembrar de uma única cena de luta que se compare a algumas sequências da trilogia original. Não necessitava de ação inovadora, alucinante e culturalmente impactante. No entanto, quando um filme tem coordenadores de stunts e atores que trabalham em John Wick, bem como no MCU, não estou pronto para testemunhar lutas confusas repletas com cortes e montagem agitada que escondem a coreografia supostamente espetacular. O único momento que parece genuinamente impressionante é uma cena de perseguição onde CGI e acrobacias reais funcionam juntas perfeitamente. Tudo o resto parece que os espetadores estão a assistir a um filme de ação aleatório da Netflix.

The Matrix Resurrections

Do ponto de vista audiovisual, Resurrections parece e soa como esperado de um blockbuster de grande orçamento. Todos os planos derramam qualidade visual e a banda sonora (Johnny Klimek, Tom Tykwer) é o único componente que admito gostar mais do que os filmes anteriores. No final, é o elenco que salva Lana de um desastre tremendo. Keanu Reeves é, bem, Keanu Reeves. O ator continua a surpreender-me a cada virar de esquina, sendo um destaque do filme tanto como Mr. Anderson, como Neo – embora o primeiro tenha mais interesse narrativo do que o badass Neo. Carrie-Anne Moss (The Bye Bye Man) é hipnotizante de início ao fim e as suas interações com Mr. Anderson são as únicas com diálogos verdadeiramente emocionantes.

No entanto, o meu destaque pessoal tem que ir para Jessica Henwick (Love and Monsters). Admito que não sou imparcial em relação à atriz que se tornou numa das minhas favoritas desde Iron Fist. Henwick não só faz as suas próprias stunts, mas também demonstra o seu imenso talento enquanto atriz, que espero que outros estúdios comecem a notar. A sua personagem, Bugs, é também a mais intrigante nova adição à saga. Yahya Abdul-Mateen II (Candyman) oferece uma interpretação diferente de Morpheus que demora algum tempo a acostumar, mas, eventualmente, o notável ator convence. Laurence Fishburne (The Matrix) será sempre o Morpheus icónico que todos cresceram a adorar, mas Yahya não cede à pressão. Por outro lado, Jonathan Groff (Frozen II) está longe de corresponder ao inesquecível Hugo Weaving como Agent Smith, enquanto Neil Patrick Harris (Gone Girl) pode não ter sido o melhor casting, embora não possa culpar o seu desempenho.

Honestamente, espero que Resurrections se torne num daqueles filmes que simplesmente não consigo encontrar uma maneira de desfrutar hoje, mas que comece gradualmente a agradar-me ao longo dos anos. Sinceramente, espero rever e olhar para esta obra como algo revigorante em visualizações futuras, ao invés de desapontante e um tanto aborrecido – odeio esta palavra, mas não posso mentir sobre os meus bocejos. À data deste artigo, o filme está a receber uma resposta bastante divisiva tanto pela crítica como pelo público. O meu conselho a todos os que se encontrarem do mesmo lado que eu é que não precisam de partilhar repetidamente a vossa opinião negativa sobre o filme. Falem sobre o mesmo, com certeza. Escrevam uma crítica, sem problemas. Mas não vão fazer ninguém sentir-se melhor, nem vocês próprios, se tudo o que fizerem for espalhar o quanto não gostaram deste filme. Devemos todos tentar evitar passar mais negatividade do que o necessário.

The Matrix Resurrections é uma das maiores desilusões pessoais do ano. Lana Wachowski oferece um filme surpreendentemente meta e auto-consciente sobre a trilogia original repleta com ideias ousadas e fascinantes, mas com uma execução absolutamente terrível. Desde as sessões de brainstorming enfadonhas e chatas sobre os filmes anteriores à exposição pesada e indutora de dores de cabeça, a cineasta tenta constantemente relembrar os espetadores como a trilogia original é incrível, esquecendo-se de criar uma história cativante e convincente para esta nova parcela.

Os visuais deslumbrantes e a banda sonora impactante não são bons o suficiente para elevar as sequências de ação medíocres e demasiado editadas. Apesar das prestações notáveis de Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss e a destacada Jessica Henwick, Resurrections simplesmente não funcionou para mim.

Se são fãs da saga, obviamente recomendo assistir. Estejam apenas cientes de que este não é apenas mais um filme de The Matrix, mas sim uma obra sobre a saga em si.

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