Crítica – Beau Is Afraid

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Beau Is Afraid é, de longe, a obra mais complexa e inacessível de Ari Aster.

Ari Aster regressa com o seu terceiro filme, após um muito aclamado Hereditary e um igualmente bem recebido Midsommar. Estas duas obras estabeleceram o cineasta como uma das vozes mais originais a trabalhar em Hollywood atualmente, apesar de ser um realizador pouco ou nada comercial. O público-alvo das suas histórias é uma audiência nicho que aprecia cinema fora do comum, experiências de deixar os espetadores mais atentos totalmente perplexos e, em muitos casos, a necessitar de múltiplas visualizações para verdadeiramente entender tudo aquilo que o autor da obra deseja transmitir. Dito isto, Beau Is Afraid rapidamente se tornou no filme mais divisivo do ano…

Todos reconhecemos o impacto que a antecipação e entusiasmo em volta de um filme tem nas expetativas de quem assiste. Os espetadores são influenciados, de alguma forma, a adorar ou odiar compulsivamente um filme que, sem a enorme antecipação e burburinho gerados, não provocaria uma reação tão extrema. Normalmente, este tipo de situações sucede mais com franquias e sagas populares, mas Beau Is Afraid conseguiu o mesmo ambiente devido ao crescimento impressionante de Aster na indústria e opinião global. Desde há uns bons meses que se esperava uma receção incrivelmente divisiva.

Uns colocam Beau Is Afraid como um dos melhores filmes que alguma vez viram, outros consideram um “career-killer”. Ambas parecem-me exageradas à primeira leitura, mas a última é quase mais absurda que o próprio filme – a diferença é que a obra é propositadamente surreal. O simples facto de muitos reagirem desta maneira mal o filme termina quando a obra requer, sem dúvidas, tempo para deixar os pensamentos assentarem, demonstra muito daquilo que a crítica de cinema se tornou hoje em dia. É mais importante ser o primeiro a tweetar do que oferecer uma reação mais próxima daquilo que realmente pensam. Prefácio feito.

Hereditary é um dos meus filmes de horror favoritos da última década e aprecio imenso Midsommar, apesar de colocar alguns patamares abaixo do primeiro. Dito isto, não costumo lidar bem com histórias surrealistas, pelo que as minhas expetativas encontravam-se moderadamente controladas, sabendo de antemão que provavelmente iria sair da sala de cinema sem certezas absolutas. Não querendo soar arrogante, e admitindo desde já que existem partes da obra que necessito de rever ou estudar análises extensivas às mesmas, Beau Is Afraid não é assim tão difícil de entender.

beau is afraid echo boomer 2

Naturalmente, Beau Is Afraid é uma obra extremamente complexa, repleta dos mais ínfimos detalhes e profundos arcos de personagem. No entanto, não é daqueles filmes de fazer os espetadores saírem da sua sessão sem perceber nada do que viram. Culpa, ansiedade extrema e uma relação mãe-filho complicada são os temas principais que Aster torna evidentes através da sua maneira de contar histórias bastante única… e estranha. Existem muitos filmes incompreensíveis de deixar o mais ávido cinéfilo a coçar a cabeça, mas não considero este um deles.

Beau Is Afraid pode ser dividido em cinco secções. Em cada uma, todas as complexidades de Beau (Joaquin Phoenix) são dadas a conhecer ao público. A sua ansiedade constante toma as rédeas no início da obra, colocando os espetadores na mente de alguém que imagina o pior cenário possível em todas as situações com que se depara. Ao longo da obra, o brilhantismo técnico de Aster e dos vários departamentos que compõem a obra é notável e, em alguns momentos, verdadeiramente impressionante. O nível de detalhe em todas as áreas do grande ecrã é merecedor de imenso respeito e, principalmente, admiração.

Se o primeiro “capítulo” é simples de se seguir, o segundo é o mais pesado. Não que seja difícil de compreender – um casal fica a cuidar de Beau até este estar pronto para continuar a sua viagem ao encontro da sua mãe – mas Aster gasta uma porção significativa do tempo de execução nesta parte do argumento. Aqui, o sentimento de culpa é aprofundado para lá do seu extremo, ocupando muitos minutos aparentemente desnecessários para repetir mensagens claras ao longo de sequências cada vez mais ridículas. Verifiquei o relógio a certo ponto, achando que a obra se estaria a aproximar da marca das duas horas… e ainda não tinha chegado a meio da duração.

Felizmente, a terceira secção volta a dar-me razões para investir na história. Beau Is Afraid entrega uma das sequências mais hipnotizantes e deslumbrantes do ano, misturando animação 2D, live-action e uma produção artística e cenografia merecedoras de muitos prémios. É igualmente a linha narrativa mais fascinante de toda a obra, conquistando a minha atenção total devido a uma narração incrivelmente cativante de uma história fictícia sobre o passado, presente e futuro de Beau. Os desejos mais profundos do protagonista são colocados à frente do palco com todos os holofotes a apontar para o mesmo.

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As duas últimas partes da obra mergulham bem fundo na relação que Beau tem com a sua mãe. Esta última hora é precisamente a que ainda me encontro a processar. Por um lado, Beau Is Afraid consegue retratar na perfeição as complexidades de cada membro da família, os erros que cada um cometeu ao longo das suas vidas, os arrependimentos, as boas ações e tudo o que seja possível de se julgar. Por outro lado, alguns componentes surreais reduzem algum impacto dramático que considero mais importante e essencial para a narrativa.

Separando a obra desta maneira e analisando o filme através destes “capítulos” individualmente, Beau Is Afraid torna-se mais fácil de compreender… e suportar. É impossível negar o facto de ser um slow-burn que, em vários momentos, pede ao espetador que se belisque ou se obrigue a estar atento. É uma visualização difícil cuja conclusão pode ser pouco recompensadora. Pessoalmente, denoto também algumas dificuldades em juntar as peças todas do puzzle, sendo que tentar conectar todos os pontos de enredo ao longo das cinco secções não é tarefa fácil após uma só visualização.

Beau Is Afraid é o tipo de filme que admiro mais do que desfruto. O valor de repetição está mais dependente de questões relacionadas com análise cinéfila do que propriamente por gosto. Tecnicamente, é uma obra com muito por elogiar, mas, no fim de tudo, os espetadores desejam sentir-se satisfeitos com o que acabaram de assistir. O estilo de Aster emprenha-se pelo filme adentro e, se este já não era comercial, tornou-se extremamente inacessível. Tem todas as caraterísticas de um filme de amor-ódio, mas sinceramente, muitas das reações opostas devem-se a razões externas relativas ao cineasta mais do que à própria obra.

Uma última nota para a banda sonora de Bobby Krlic (Midsommar) – atmosférica em momentos, indutora de alto nervosismo noutros -, para a cinematografia de Pawel Pogorzelski (Fresh) – a câmara persistente contribui tremendamente para os níveis de tensão e suspense – e para as prestações dedicadas do elenco. Beau Is Afraid seria uma visualização muito mais complicada sem Phoenix (Joker) no comando. O ator não surpreende, entregando mais uma performance completa e, tal como o filme, dividida em várias camadas. Patti LuPone (Last Christmas), Zoe Lister-Jones (A Good Person), Nathan Lane (Only Murders in the Building) e Amy Ryan (Lost Girls) também se destacam.

VEREDITO

Beau Is Afraid é, de longe, a obra mais complexa e inacessível de Ari Aster, apesar de culpa, ansiedade extrema e uma complicada relação mãe-filho serem temas claros profundamente explorados ao longo de cinco secções – a segunda é das sequências mais hipnotizantes e deslumbrantes do ano. Quanto mais penso sobre o que assisti, mais admiro a maneira única, instigante e avassaladoramente surreal de contar histórias por parte de uma das vozes mais originais de hoje em dia. Dito isto, as três horas sentem-se imenso, a análise do filme como um todo levanta alguns problemas e, apesar de todos os departamentos técnicos serem merecedores de vários prémios, o uso do cliché “não é para todos” é uma descrição perfeita de um dos filmes mais divisivos dos últimos anos.

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