No One Will Save You conta com uma prestação poderosamente expressiva e praticamente sem falas de Kaitlyn Dever para carregar uma premissa clássica sci-fi de invasão alienígena, recheada de momentos verdadeiramente tensos executados, na perfeição por Brian Duffield.
Brian Duffield tem deixado a sua marca como argumentista nos últimos anos. Desde The Babysitter a Skull Island, não esquecendo Love and Monsters nem Underwater, o também produtor procura ainda o seu breakthrough enquanto realizador, visto que a sua estreia no papel, Spontaneous, não alcançou o sucesso necessário para tal afirmação em Hollywood. Eis que chega No One Will Save You, um filme sci-fi sobre uma invasão alienígena protagonizado exclusivamente por uma das estrelas jovens mais entusiasmantes da última década, Kaitlyn Dever (Booksmart).
Premissa simples e direta, que gradualmente foi gerando níveis de antecipação cada vez maiores antes do dia de lançamento em streaming. Felizmente, as expetativas foram cumpridas e até ultrapassadas em vários aspetos, sendo que No One Will Save You é, sem dúvidas, uma das maiores surpresas do ano! É, de facto, uma pena tremenda que uma obra tão bem construída, contada e filmada não consiga uma distribuição em sala pelo mundo fora, pois merece ser vista no grande ecrã – até porque os próprios atributos técnicos o justificam.
Imaginação e criatividade são caraterísticas que não necessitam de se inerentes a algo nunca antes visto no cinema. Existe uma diferença considerável entre preguiça ou falta de identidade e simplicidade. Cineastas que usam e abusam de fórmulas genéricas sem qualquer cuidado com a forma como contam a história ou constroem as personagens respetivas, apresentando uma mera cópia de outras centenas de obras praticamente idênticas, acabam por cair, justificadamente, no esquecimento. No One Will Save You não reinventa a roda – perdoem a expressão também formulaica – ,mas Duffield traz de volta algo que há muito se tinha perdido…
Não me recordo da última vez que uma invasão alienígena foi apenas isso: seres extraterrestres invadirem o planeta Terra e humanos a tentarem sobreviver. É verdade que No One Will Save You possui uma certa camada narrativa de “alto-conceito” ligada ao passado da protagonista e aos sentimentos que a assombram, mas o foco de Duffield encontra-se totalmente em evidenciar os excelentes componentes técnicos, confiar em Dever para guiar o enredo sozinha e estruturar uma obra sem grandes pausas para respirar entre as inúmeras sequências de suspense extremamente tensas e belissimamente executadas.
Para variar, comecemos pelos aspetos técnicos. O grande destaque vai para a produção sonora. Não confundir com a banda sonora de Joseph Trapanese (Spiderhead) – igualmente soberba -, mas o som que rodeia No One Will Save You e que transforma a visualização caseira numa experiência verdadeiramente imersiva – assumindo que o espetador faz um esforço, se possível, para assistir ao filme numa televisão e não num insignificante portátil em plena luz do dia com sem sequer usar headphones. Desde detalhes como os passos dos aliens dentro de casa até aos voos e luzes dos OVNIs, não excluindo a forma de comunicar dos mesmos, apenas esta caraterística técnica já faz por merecer uma sala de cinema.
O design das criaturas pode desapontar alguns espetadores que esperassem algo único e especial, mas pessoalmente, adoro o facto de No One Will Save You passar a simplicidade da sua premissa para os efeitos visuais. Ao longo dos anos, foi-se assistindo a inúmeras tentativas de mudar o aspeto estereotípico de aliens – os seres verdes, esguios, cabeçudos e com grandes olhos – e dos seus “discos voadores”. Com uma mistura de motion-capture e CGI, Duffield demonstra que, por vezes, menos é mesmo mais. Em adição a isto, é igualmente um exemplo perfeito de trabalho de equipa interdepartamental, sendo que a cinematografia de Aaron Morton (The Rings of Power) adequa-se ao orçamento reduzido, protegendo a equipa de efeitos especiais sem perder qualidades nas stunts e trabalho geral de câmara.
No One Will Save You destaca-se também pelo seu storytelling totalmente visual. Brynn (Dever) vive sozinha e afastada de qualquer tipo de interação social devido a determinados eventos trágicos que, obviamente, não vou abordar. É aqui que Duffield demonstra níveis de coragem e confiança avassaladores, assim como uma inteligência notável ao desenvolver a sua história sem qualquer diálogo – salvo erro, Dever tem apenas duas falas. Seja através de notas num caderno, fotografias emolduradas ou expressões faciais de Dever, o simples foco visual com a câmara é suficiente para não só para estabelecer a atmosfera necessária e introduzir a protagonista, mas também para aprofundar temas bastante complexos como luto, culpa e perdão.
Aliás, por estranho que pareça, No One Will Save You até insiste em demasia nessa mesma informação visual, quase como se Duffield não tivesse a certeza absoluta se a audiência fosse perceber as dezenas de pistas e indicações claras deixadas ao longo da obra. Para lá deste excesso, só mesmo a última cena do filme é que levanta algumas questões e problemas. A melhor forma de explicar sem spoilers será afirmar que dá a sensação de ser uma sequência adicionada ao último minutos por ordem do estúdio. Não estraga a obra, de todo, mas gera uma situação desnecessária e até algo contraditória tematicamente.
Voltando atrás, os elogios ainda não terminaram. As sequências com os aliens a perseguirem Brynn envolvem várias stunts práticas de louvar, sendo que a tensão mantém-se constante até ao fim. No One Will Save You faz relembrar obras admitidamente mais memoráveis e mais originais como 10 Cloverfield Lane, Prey e A Quiet Place, mas consegue distinguir-se através de todos os detalhes mencionados ao longo deste artigo e, naturalmente, da prestação fenomenal de Dever.
A atriz continua a crescer e já chegou ao patamar de elevar qualquer filme em que participe. No entanto, guiar por completo uma obra praticamente sem falas nem personagens secundárias… caso para dizer, não é para todos. Uma performance hipnotizante com expressões faciais que vão de uma subtilidade fascinante a explosões de emoção. A componente física é igualmente crucial para o sucesso da obra e Dever surpreende com a participação na maioria das stunts. O número de prestações soberbas na sua curta carreira é chocante. Não demorará muito a conquistar um ou mais Óscares…
VEREDITO
No One Will Save You conta com uma prestação poderosamente expressiva e praticamente sem falas de Kaitlyn Dever para carregar uma premissa clássica sci-fi de invasão alienígena, recheada de momentos verdadeiramente tensos, executados na perfeição por Brian Duffield. A produção sonora brilhantemente impactante acompanha a narrativa rica em temas como culpa, luto e perdão, contada exclusivamente através de detalhes visuais inteligentes.
A última cena deixa um sabor amargo desnecessário, mas bem longe de afetar a desfrutação de uma das surpresas mais agradáveis deste ano.