Última ronda do Vodafone Paredes de Coura, que para nós começou com um nome muito em voga por esta altura, Mitski. Vencedora de galardões virtuais múltiplos com Be the Cowboy, de 2018, a nipo-americana já tinha atraído atenções dois anos antes com Puberty 2.
Face ao último encontro que tivemos com ela, há diferença grande na produção. Agora, há um jogo cénico com uma mesa e uma cadeira, e letras garrafais com o seu nome atrás da banda. A verdade é que resulta, até pela diferença em dar-se ao trabalho de ter uma encenação, coisa pouca ou nada vista nestes quatro dias.
De voz discreta, mas afinada, as cenas variam entre o simples sentar em cima do tampo, a momentos de agressividade a roçar um sado-móvel. É uma combinação que funciona na sua simplicidade, ao contrário por exemplo das ideias a mais que Meghan Remy apresentou no Coliseu de Lisboa no ano passado sob a capa U.S. Girls. Paços de Ferreira teria aqui boa parceira.
Os temas de Be the Cowboy, como “Geyser” ou o sucesso maior “Nobody” cumprem ao vivo, mesmo faltando um pouco mais de energia no coro deste último. Pena só o momento de indelicadeza escusada ao final do tempo atribuído aos fotógrafos, dizendo que os mesmo tinham que se retirar.
A cadência de concertos é acelerada e acabámos por ter de prescindir dos Sensible Soccers, para ter disponibilidade para receber Patti Smith, viçosos 72 anos.
Mito vivo do rock, bastou ouvir que “People Have the Power” e “Redondo Beach” para se perceber que a aposta estava ganha, com a pose de Smith a manter a energia de sempre, a banda a cumprir, e o público a corresponder.
O momento de comunhão prosseguiu quando se entrou no território das versões, algumas mais fáceis de prever (“Are You Experienced?”, de Jimi Hendrix), outras nem tanto (“Beds are Burning”, dos Midnight Oil).
Embora o conteúdo do discurso fosse o esperado desta figura da contra-cultura americana, foi dado com a convicção de sempre, resultando numa cápsula do tempo preciosa. O final com “Because the Night” e “Gloria” ressoou na perfeição, não havendo aqui dissonâncias como no problema Joy Division/New Order. Entrada no livro de honra do festival.
Kamaal Williams entra em palco sozinho para, pouco depois, começar a apresentar a banda, intérprete a intérprete, de forma efusiva. No final da primeira música, exclamou que Portugal é o melhor país da Europa, neste momento. Ao que parece, aqui não há stress. Logo a seguir começou a sua sessão de acid jazz e funk, que animou bem o terreiro no qual se encontra instalado o palco Vodafone FM. Em modo de sessão contínua, foi uma bela banda sonora para começar a pensar no balanço do Vodafone Paredes de Coura.
Ao contrário de sexta-feira, as mudanças de panorama radicais foram o prato do dia, e, pouco depois, chegaram Freddie Gibbs e Madlib, figuras cimeiras do rap. À procura do recorde do mundo de gritar “fuck police” num único concerto, Gibbs é figura polémica e dá o corpo ao estilo de rapper mais agressivo, com Madlib sorridente ao fundo, produtor que tem garantido panos de fundo mais variados e interessantes do que a norma. Face a alguns outros exemplos deste estilo musical a que temos assistido ao vivo, e do concerto estranho de Skepta no ano passado, a comparação é favorável, mesmo perante um público maioritariamente de uma neutralidade benevolente.
Faltavam os Suede. São caso muito especial. Se muitos dos nomes de tamanho de letra maior deste ano têm culto largo e simpático, aqui sempre houve paixão máxima de uma legião fiel, alguma crítica e até hostilidade de muitos. Os anos de sucesso comercial de primeira linha já lá vão e o respeito histórico ainda não chegou quando Brett Anderson e companhia caminharam pelo palco.
Mas há uma diferença crucial em relação à passagem pelo Primavera, no Porto, em 2012. Há muito mais gente do que os duros que lá estiveram nesse final de noite, talvez oito ou dez vezes mais. Talvez galvanizado por isso, talvez pelo facto de ser o último espetáculo da tournée europeia, Anderson deu tudo neste concerto do Vodafone Paredes de Coura.
Tudo de uma maneira raivosa, despeitada, que tira a câmara do operador e filma o público e dá voltas ao cabo do microfone como se fosse atirar um laço e capturar um inimigo distante. O mito de ser a banda que mais namoros ao vivo continuou com a reação extasiada das primeiras filas, que dificilmente terão tido tanto contacto físico com o carismático vocalista num ambiente festivaleiro. As detrás, bem mais calmas, vêm com calma a roupa ficar totalmente enxarcada, a antítese do concerto em que se fecha os olhos e estamos a ouvir o disco em casa.
Dois momentos a destacar: A interpretação deitada no chão de “The Next Life”, música de fecho do primeiro álbum que escancarou a porta do que viria a ser o Britpop e ganhou o Mercury em 1993, batendo recordes de vendas, e “Trash”, o pólo oposto e outro estandarte da banda. Brett Anderson grita que “they can grind us and stamp us back”, mas eles voltam sempre. São o lixo que aparece no vento, os amantes nas ruas. Intróito do ano no Vodafone Paredes de Coura.
Há microfone feito chicote em “Animal Nitrate” e agradecimentos pelo nome aos fãs que vão a todos os concertos e estão junto às grades. Quando a sessão de catarse acabou, esses vão para casa regalados, e talvez alguns curiosos vão para casa ouvir a discografia melhor. O ambiente higiénico talvez vá ter de esperar.
Recordem, aqui, as reportagens ao primeiro, segundo e terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura.
Fotos de: Emanuel S. Canoilas