The Many Pieces of Mr. Coo

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Infelizmente, a animação é o grande destaque deste jogo de puzzles, onde a falta de lógica em alguns quebra-cabeças e certos problemas técnicos prejudicam aquele que poderia um memorável point and click.

Não há nada neste mundo que comprove o meu QI, ou a minha falta de atenção e paciência, como um jogo point and click. Uma tormenta que pensava estar perdida no passado, em computadores antigos e repletos de pós, num género que parecia ter sido vítima da popularidade crescente das consolas e títulos de ação e aventura dos finais dos 90 e meados de 2000. Mas quiseram os fãs que assim não fosse e a cada ano que passa, mais e mais estúdios e criativos tentam a sua sorte no adormecido mercado dos point and click. Um regresso necessário e uma redenção há muito aguardada, mas também a recordação agridoce da minha incompetência com um género tão mecanicamente acessível, mas intelectualmente implacável para a minha cabecinha.

Mas admito que há curiosidade pessoal, daquela que cresce com o tempo e com a idade. Talvez os point and click sejam as minhas palavras cruzadas, com o meu cérebro a procurar por experiências mais ponderadas e assentes em puzzles que requerem mais paciência, observação e ambiência. Apesar da minha jovial aversão ao género, os meus cabelo brancos têm contado outra história e foi a curiosidade que me levou a títulos como CAYNE, da The Brotherhood, e a instalar clássicos como Sanitarium e Dracula: The Resurrection (este último talvez se insira mais na vertente aventura gráfica, mas vocês compreendem), mas também a manter o olho aberto às novidades. The Many Pieces of Mr. Coo, de Nacho Rodríguez – em parceria com a Gammera Nest -, é um desses casos, um título deliciosamente animado, repleto de referências a histórias e animações clássicas, que traz alguns puzzles interessantes para o género, mas que se perde entre a ausência de lógica em alguns momentos e os problemas de desempenho que me frustraram até ao tutano – e aqui não foi o meu QI que me prejudicou.

The Many Pieces of Mr. Coo destaca-se facilmente pela sua aposta forte numa arte e animação desenhadas à mão, frame a frame, com um protagonista expressivo e colorido, e a utilização de cenários que combinam ilustrações com trechos em “live action”. O resultado é um mundo surreal e absurdista, saído de um desenho animação antigo, onde a violência e o humor são inseparáveis da experiência. Há um motif constante sobre a passagem do tempo e a representação de vida e morte que adicionam algumas camadas temáticas ao exagero visual que presenciamos nos vários níveis da campanha, mas é a animação que se mantém mais intemporal. As ações são fluídas e cheias de personalidade, com o Sr. Coo a reagir apropriadamente a todos os cenários e objetos interativos. Não aprecio a escolha de um estilo e traço de desenho inacabado, com linhas mais irregulares, mas serve para dar mais movimento e suavidade às animações. É uma escolha compreensível que podia estar mais equilibrada quando colocada ao lado dos cenários mais detalhados do jogo, mas The Many Pieces of Mr. Coo é um projeto que sentimos que vem da mente de um criativo que procurou dar vida às suas ideias com o maior carinho possível.

A experiência point and click nunca é recomendável num comando. A precisão, rapidez e destreza necessárias foram pensadas, como é óbvio, para o rato e a utilização de um analógico, muito menos preciso, condiciona não só a navegação entre pontos de interesse como o controlo do nosso cursor. Longe vão os tempos das conversões de Broken Sword para as consolas, onde a caça aos pixels era tão agravada pela utilização dos comandos, que as versões eram muito mais desafiantes do que as originais devido à mudança de periférico. The Many Pieces of Mr. Coo não sofre imenso com a utilização do comando, ainda que não consiga afastar a estranheza de vermos um cursor a arrastar por todos os cantos dos cenários, até porque limita estrategicamente a ação que vemos ao longo da campanha. Talvez a escolha do cursor, com a utilização do comando, sirva para enaltecer a arte e animação – talvez seja vítima dessa mesma escolha, já que a animação tradicional dificulta a representação de maiores números de ações em jogo – ou então seja uma tentativa positiva em proporcionar uma dificuldade mais acessível e intuitiva para todos os jogadores. No fim, o resultado é eficaz, mas sentimos as concessões que foram necessárias para termos tantos momentos animados, onde foi necessário limitar o número de objetos interativos para a maioria dos puzzles do jogo.

Fora alguns casos excecionais, como a sequência em que estamos em cima de um pintainho sempre em movimento ou quando Sr. Coo é dividido em três partes que podemos controlar individualmente, The Many Pieces of Mr. Coo constrói-se através de cenários fechados que se centram na resolução de um puzzle principal. Nem sempre é fácil descobrir a lógica por detrás do puzzle ou compreender o que temos de fazer – e a lógica perde-se à medida que avançamos pela campanha e a diversão é condicionada por causa disso -, mas a Gammera Nest foi (quase sempre) inteligente na forma como comunica com os jogadores ao salientar objetos interativos e a apresentar animações detalhadas que ajudam a compreender como uma ação poderá interligar-se com as restantes para resolvermos o obstáculo à nossa frente. O primeiro puzzle é um excelente exemplo disso, com Sr. Coo a ter de manusear uma cabine de videojogos abandonada para alcançar o presente.

many pieces of mr coo echo boomer 2

A comunicação faz-se através da planificação e da transformação do cursor numa mão, indicando que podemos interagir com algo no cenário. Não temos, no entanto, um contorno à volta dos objetos ou algum som que nos ajude a compreender que algo é interativo. The Many Pieces of Mr. Coo não precisa destas ajudas audiovisuais porque tem uma direção cuidada e cenários suficientemente organizados para incentivar a curiosidade dos jogadores. O que The Many Pieces of Mr. Coo não faz tão bem é a ligação entre ações em alguns dos seus puzzles – como um jarro que podemos utilizar para subir para um patamar, sem que exista quaisquer indicações que tal ação é possível -, com a lógica a perder-se e a frustração a assentar-se. O que é uma pena, pois a Gammera Nest foi meticulosa em alguns dos puzzles mais fortes de The Many Pieces of Mr. Coo, onde tudo encaixa no seu lugar certo – como o puzzle onde temos de salvar as pernas de Sr. Coo, que combina a utilização das suas duas partes com outras ferramentas (como uma bengala) para navegarmos através de uma torre. E depois existem puzzles, como a cabeça do palhaço que esconde um painel de controlo, onde não compreendemos o que se passa e o que o jogo nos está a pedir. Como se o jogo tivesse perdido o fôlego.

Se puzzles não me deixaram absolutamente furioso, já os bugs e a ausência de checkpoints, que podiam ter mitigado alguma da frustração, incapacitaram a minha experiência com The Many Pieces of Mr. Coo. Num dos níveis mais extensos da campanha, onde temos de encontrar as partes perdidas de Sr. Coo ao longo de vários puzzles que se expandem por vários cenários interligados, o jogo deixou de funcionar. O cursor não funcionava, os objetos deixaram de ser interativos e encontrei um bug onde uma das partes de Sr. Coo saiu do cenário e não pude fazer mais nada para continuar a jogar. Estes problemas não seriam tão graves se não fôssemos obrigados a reiniciar o capítulo. Existe a opção de gravarmos antes de sairmos, mas, curiosamente, essa opção nunca esteve disponível durante os bugs. Então repeti os mesmos puzzles, as mesmas ações e vi as mesmas animações três vezes até o jogo permitir que eu avançasse – e tudo isto com loadings extensos.

Antes de terminar a minha análise, fiquei a saber que Nacho Rodríguez, o criador de The Many Pieces of Mr. Coo, perdeu o controlo criativo do jogo. A versão que temos atualmente é da autoria da Gammera Nest, que a terminou sem o consentimento de Rodríguez. A data de lançamento deveria ter sido alterada, com múltiplos avisos de Rodríguez sobre problemas técnicos e de otimização, mas a Gammera Nest seguiu em frente e o resultado é o que descrevi. O jogo apresenta problemas graves na reta final e sentimos que os puzzles perdem a sua força e inventividade depois dos primeiros capítulos. Agora sabemos porquê: o jogo está incompleto. Espero que Rodríguez consiga trabalhar novamente neste projeto que iniciou em 2012 e que The Many Pieces of Mr. Coo receba a versão que merce, mas fica o aviso para aqueles que têm curiosidade neste point and click.

Fora os problemas de gestão e contratuais, The Many Pieces of Mr. Coo é inicialmente uma porta de entrada competente para o género, com boa animação e design, onde os puzzles são maioritariamente criativos e surreais para manterem a nossa atenção, mas o final é descuidado. Apesar da minha dificuldade com o género point and click, a progressão peca em ser envolvente, mas existem momentos brilhantes e puzzles mais entusiasmantes. The Many Pieces of Mr. Coo precisava de mais tempo. Agora está nas mãos da Gammera Nest.

Este jogo (PlayStation) foi cedido para análise pela Gammera Nest.

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