Pepper Grinder

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A Devolver volta a demonstrar o porquê de ser já considerada como uma marca de qualidade na cena indie com um dos jogos mais divertidos de 2024.

Não quero entrar por hipérboles desnecessárias, mas Pepper Grinder é um dos jogos mais divertidos de 2024. Talvez não seja o melhor ou até o mais memorável, mas é certamente o mais conciso, seguro e direto na sua abordagem que joguei nestes primeiros quatro meses do ano. As aparências iludem e se Pepper Grinder parece-se com um metroidvania, com todas as cores e mecânicas e expetativas desse género tão popular, posso dizer-vos com agrado que é tudo menos um. Aqui a simplicidade reina, até engana quando quer, e Pepper Grinder é um delicioso jogo de plataformas, absolutamente clássico na sua abordagem ao género e na forma como constrói o level design das suas quatro zonas principais – até ao ponto de ter um mapa, ou HUB, onde podemos escolher cada um dos níveis disponíveis. O segredo de Pepper Grinder é o seu foco numa mecânica principal que revira o género do avesso, que recusa as plataformas e saltos arriscados pela mobilidade e velocidade no subsolo. Em Pepper Grinder, mais do que saltar, utilizamos uma perfuradora que nos permite romper pelo chão e navegar por níveis que se assemelham mais a enormes pistas de obstáculos com plataformas, picos, rampas, lava, gelo, entre tanto outros desafios que servem esta mecânica principal em toda a sua glória.

Pepper Grinder é um jogo elegante, seguro e extremamente focado numa experiência particular que poderá desapontar aqueles que esperam mais da sua jogabilidade. Pepper Grinder não é um jogo de plataformas que se expande por vários mundos, níveis ou que necessita de uma panóplia de mecânicas, como armas e habilidades, para justificar a sua duração. Na verdade, a MP2 Games faz o inverso, tal como já havia feito em Mighty Goose. A campanha é composta por quatro zonas principais, cada uma com três a quatro níveis – mais um nível secreto, apenas acessível se encontrarmos as moedas secretas espalhadas pelos níveis –, onde a duração não vai além dos três a cinco minutos por cada fase: talvez até menos. É um jogo que poderão terminar em duas horas, dependendo da vossa destreza com o género, mas é absolutamente recheado em conteúdos sem nunca desvirtuar a mecânica principal. Esqueçam os saltos, abracem a perfuradora.

Existe um pequeno período de habituação. É preciso contextualizar as mecânicas e compreender como estas casam tão bem com o género de plataformas. Para todos os efeitos, nós estamos a abordar os níveis da mesma forma que faríamos em qualquer outro jogo do género, mas em vez do foco nos saltos temos então a introdução da perfuradora. Uma ferramenta essencial, ilimitada e que vem acompanhada de um leque de opções que descobrimos e aprimoramos organicamente ao longo da campanha. Sem a perfuradora, a nossa personagem não tem agência. É capaz de saltar, claro, mas é incapaz de alcançar as plataformas mais distantes e muito menos tem a capacidade de atacar quando é confrontada por um dos monstrinhos esverdeados que nos perseguem. Mas com a perfuradora, tudo muda. Basta carregarmos no botão R2, isto na Steam Deck (onde analisámos Pepper Grinder), e irrompemos pelo chão a alta velocidades. Sem limites, sem energias, apenas dependentes do espaço e da dimensão do cenário em que navegamos.

Uma vez subterrados, a jogabilidade começa a brilhar. Se Pepper era lenta e pouco capaz de se movimentar pelos cenários, com a perfuradora, torna-se quase num bulldozer a alta velocidade; tão imparável, como rápida. Estamos restritos a um tipo de terreno, claro, e não podemos perfurar indiscriminadamente ao longo dos cenários – isso não só levaria a uma jogabilidade muito mais caótica, como invalidaria todos os desafios físicos em encontramos nos níveis, já que seria fácil contorná-los –, mas Pepper Grinder não só oferece várias opções de navegação como encontramos terrenos distintos ao longo da campanha que adicionam maiores desafios, como: lava esfriada, gelo quebradiço, cubos gelatinosos – e que prendem os nossos movimentos – ou até a presença de sequências de ação debaixo de água, onde temos de utilizar a perfuradora para nadar.

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Pepper Grinder (Devolver Digital/MP2 Games)

Os níveis transformam-se em autênticas pistas todo o terreno e temos de equilibrar a navegação por subsolo com as tradicionais mecânicas do género, como plataformas, inimigos e a combinação entre várias ações nos momentos mais intensos. É uma forma diferente de abordar o género, mas é, conceptualmente, muito mais próxima e familiar do que pensamos. A partir do momento em que dominamos a mecânica de perfurar e compreendemos que as plataformas são, na verdade, pedaços extensos de terra, ficamos formatados à jogabilidade de Pepper Grinder e as nuances mecânicas tornam-se visíveis. Começamos a compreender que podemos manter o botão pressionado para entrarmos e sairmos rapidamente das zonas de terra. Aprendemos a dominar a velocidade e a distância dos saltos automáticos, que acontecem assim que saímos debaixo de terra, e percebemos que o impulso é tão importante como a direção dos saltos. Depois descobrimos que podemos utilizar um gancho para baloiçar ou então subirmos rapidamente por certas plataformas. Também coordenamos rapidamente a velocidade da perfuradora com o seu salto mais impactante, que não só permite-nos alcançar plataformas mais distantes, como apresenta maior dano contra inimigos. Por fim, e quando pensamos que já conhecemos todos os alicerces desta jogabilidade aparentemente simples e familiar, encontramos técnicas como a possibilidade de aumentarmos a velocidade da personagem à beira-mar, com a perfuradora a avançar em intervalos pela água e a possibilidade de lhe encaixarmos armas temporárias.

Pepper Grinder é um jogo simples e acessível, com mecânicas facilmente reconhecíveis e que requerem apenas um curto período de habituação, mas existe alguma profundidade na sua jogabilidade se a procurarmos. É fascinante ver todas as mecânicas e sistemas a funcionarem em harmonia, muito graças ao level design exímio de cada zona, onde encontramos momentos de puro êxtase que nos obrigam a dominar a velocidade e a direção da perfuradora com elementos exteriores, como o gancho e as plataformas temporárias de gelo ou lava. O que é igualmente fascinante é a forma como Pepper Grinder está constantemente a recompensar os jogadores, seja através da descoberta das moedas colecionáveis ou da recolha de joias, que funcionam como o sistema monetário do jogo e até como as migalhas que nos guiam ao longo dos níveis. Estamos constantemente a encontrar algo, a ouvir os “plips” e “plops” dos colecionáveis, a ver as moedas a aumentarem e a sentirmos uma enorme satisfação enquanto seguimos os caminhos criados pelas joias ao longo dos níveis. No final de cada nível, podemos visitar a loja e adquirir itens de cura, que aumentam a vida da nossa protagonista, ou então comprar stickers e as chaves que desbloqueiam os níveis adicionais.

Eu defendo a curta duração da campanha, apesar dos problemas que levanta. É verdade que algumas mecânicas e funcionalidades não são aperfeiçoadas e exponenciadas devido à estrutura dos níveis e à sua aposta quase primária na velocidade – ao ponto de existir, como seria de esperar, um modo Time Trial que irá desafiar todos aqueles que pensam já ter dominado o jogo –, talvez o pico nunca seja verdadeiramente atingido ao longo campanha, mas defendo que prefiro sentir saudades de Pepper Grinder do que ver a sua fórmula a ser esgotada em tão pouco tempo. A MP2 Games combateu a curta duração da campanha ao injetar o maior número de níveis inventivos e mecânicas únicas para tornarem cada zona numa enorme surpresa. Fora as plataformas temáticas, como a utilização de gelo ou a presença de água e lava pelos cenários, encontramos momentos de jogabilidade que reinventam a experiência ao adicionarem veículos, robots gigantes e até momentos de combate em comboios e enormes camiões em movimento. A estrutura da campanha é quase perfeita porque nunca se torna previsível, há sempre algo novo a descobrir e que exponencia a mecânica de perfurar através de novos contextos de ação. O ritmo é tão envolvente que é difícil largar Pepper Grinder até ao final.

Como qualquer jogo do género, cada zona termina com uma intensa batalha contra um dos bosses gigantescos. Os confrontos são um pico de dificuldade que obriga a um maior foco na navegação e no domínio das técnicas da perfuradora, já que se centram em cenários mais contidos, quase como arenas, onde é exigido um controlo absoluto para alcançarmos os pontos fracos. Alguns confrontos são inicialmente muito intensos, como a batalha contra Mint (terceiro boss), mas é tudo um jogo de tentativa-erro até encontrarmos os padrões. Depois surgem os inesperados picos de dificuldade que quebram a jogabilidade ao direcionarem momentaneamente o foco do jogo da mobilidade para o combate, uma decisão que não consigo justificar.

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Pepper Grinder (Devolver Digital/MP2 Games)

Pepper Grinder não é um jogo pensado para momentos extensos de combate. É um jogo com momentos de combate, claro, mas não tem os alicerces necessários para se deixar levar por padrões complexos ou hordas intensas de inimigos em espaços demasiado fechados. O combate é pouco profundo e muito mais caótico do que deveria ser. Os inimigos atiram-se contra nós, quase sem discernimento, e existem momentos, como a sequência no metro, onde os seus números são tão elevados que se perde qualquer sentido de estratégia e posicionamento em campo. A ausência de melhores checkpoints durante os últimos níveis também foi uma surpresa, já que estão tão bem equilibrados ao longo da campanha, e revelam os problemas funcionais do combate em Pepper Grinder. No último nível, temos uma longa sequência de metro, seguida por uma viagem de elevador, um corredor com vários inimigos e ainda uma sala final com uma horda intensa de criaturas: e apenas um checkpoint.

Os bosses pecam ao não oferecerem maiores e melhores oportunidades de combate, e se o primeiro boss requer alguma coordenação para atingirmos um ponto fraco específico, os restantes restringem a ação a saltos e a ataques diretos que podem ser realizados a qualquer momento. Mint, por exemplo, é inicialmente intimidante, mas quando compreendemos o seu padrão podemos até nunca utilizar a perfuradora para navegar pela terra, bastando apontá-la enquanto arma entre ataques do boss. Por sua vez, o boss final é uma enorme dor de cabeça dividida em duas fases, onde a mobilidade é o foco, mas através de espaços demasiado restritos e com hitboxes nem sempre justas, prejudicadas pela implementação de frames de invencibilidade limitados.

Pepper Grinder é uma experiência tão feita à medida que receio a possibilidade de uma sequela. Existem elementos que devem e podem ser melhorados, como o combate e alguns picos de dificuldade menos conseguidos, mas expandir uma jogabilidade tão limada e específica a este pequeno, mas delicioso jogo de plataformas é algo que temo. É tão fácil melhorar e expandir a dimensão dos níveis, inserir novos desafios e até mecânicas que expandem a lista de movimentos e habilidades da nossa protagonista, mas é também é tão fácil cair no erro de encher a sequela hipotética com artificialidades que pouco servem a jogabilidade ou o level design. É preferível sentir saudade do que ficar cansado no final de uma campanha. Mas quem sabe o que me espera. Se Pepper Grinder surpreendeu-me ao proporcionar-me uma das melhores experiências que tive este ano, quem sabe o que uma sequela poderá levar a fórmula. Por agora, é um jogo de plataformas que merece a vossa atenção e que não deve, e nem pode, ficar esquecido por entre tantos outros lançamentos.

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Cópia para análise (versão PC) cedida pela Cosmocover.

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