Pacific Drive

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Uma adição empolgante ao género de sobrevivência que aproveita as micro-ações para criar um maior relacionamento entre espaço, jogador e veículo.

Como jogo de sobrevivência, Pacific Drive não é uma quebra radical às convenções do género de sobrevivência. Os elementos basilares estão presentes – gestão de inventário e bem-estar de uma personagem (cuja definição será contestada prontamente), luta contra os elementos, exploração uma zona desconhecida e hostil, entre outros –, mas à semelhança do que está a acontecer no mundo dos roguelikes, sinto que também personifica uma onda de mudança que procura desafiar o que associamos à experiência de sobrevivência. Uma busca por algo novo, mas sempre familiar que se alia a uma narrativa mais presente e a maiores opções de acessibilidade que ajudam a criar uma campanha tão intimidante, como recompensadora. Um foco cada vez mais presente no género e que eu espero que se torne a norma com a introdução de títulos como Pacific Drive.

Para conseguir este equilíbrio entre o novo e o tradicional, a Ironwood Studios apostou em três frentes importantes: a exploração, a gestão e a ambiência. A exploração é o elemento mais popular de qualquer título do género, dependente de um mundo bem construído e com sistemas que motivam à descoberta das suas várias zonas e recursos naturais. Quais são as capacidades emergentes que estes mundos – quase sempre procedurais, ainda que nem sempre a norma – apresentam no que toca às suas mecânicas? O que é possível fazer e descobrir ao longo de quilómetros virtuais? No caso de Pacific Drive, a resposta é uma longa zona selvagem coberta por florestas, vilas abandonadas, vestígios industriais e interpretações mitológicas sobre o que move o mundo ficcional da Zona de Exclusão. Com um mapa dividido por regiões, que temos de navegar ao longo de um território extenso – onde marcamos os caminhos que descobrimos à medida que viajamos a partir da nossa garagem –, basta escolher o nosso destino para termos acesso a um bioma recheado de pontos de interesse e outras curiosidades.

O mundo de Pacific Drive é inóspito, tão perigoso, como melancólico. Quase sempre coberto por um final de tarde, ou lusco-fusco, onde a visibilidade é dificultada pela falta de luz e a presença de uma neblina que injeta algum mistério às zonas que exploramos. Assim é a Zona de Exclusão, onde as respostas estão perdidas pelas casas abandonadas e pelos sinais de um passado perdido; onde a nossa curiosidade leva-nos a querer conhecer melhor a história do local, mas também a encontrar os recursos que necessitamos para sobreviver, mesmo que isso coloque a nossa vida em perigo. Não é o mundo repleto de vida e denso no que toca à oferta de momentos únicos, mas a sua capacidade em moldar-se ao longo da campanha e adicionar constantemente novos perigos tornam-no numa entidade à altura da jogabilidade.

Acredito que é (quase) impossível construir uma experiência de sobrevivência, dentro dos moldes atuais do género, sem criar uma ligação simbiótica entre exploração e gestão de recursos. Os dois elementos basilares têm de se justificar e conciliar em perfeita harmonia para que sejamos motivados a conhecer melhor o mundo à nossa volta enquanto somos recompensados pela nossa curiosidade. Em Pacific Drive, a gestão vai além da nossa personagem e é isso que a torna tão interessante. Ao contrário de outros títulos, não temos de manter a fome, stamina ou saúde mental do nosso protagonista sem rosto. Essa gestão de “recursos” é aplicada ao nosso carro (aqui está a mudança de personagem que indicava no início do texto), um veículo abandonado e a cair em peças, que é simultaneamente a nossa maior ferramenta, como a âncora emocional para a viagem que nos espera. Apesar das vozes que ouvimos pela rádio, e que nos guiam pela Zona de Exclusão, é o carro que se assume como o único amigo que temos ao longo da campanha. Uma relação de interdependência, onde não podemos sobreviver sem o carro, mas também sentimos vontade em cuidar o melhor possível do veículos de quatro rodas.

A personalização e manutenção do carro são dois fatores de peso para o sucesso de Pacific Drive. Não só existe uma sucessão de ações que nos aproximam ao veículo feio e ferrugento – temos de seguir todo o processo de condução, desde ligar a ignição até soltar o travão de mão –, como temos várias peças que podemos aplicar e melhorar à medida que exploramos o mapa extenso. Novas portas, para-choques, tampas, luzes e até novos acessórios e outras ferramentas que dão vida ao carro enquanto desbloqueamos opções de personalização que aumentam a sua resistência e desempenho.

Desta forma, o carro está organicamente interligado a quase todas as facetas da jogabilidade, desde a exploração até à nossa sobrevivência. Fora a sua óbvia utilização como meio de transporte, o carro é uma base ambulante com tudo o que precisamos para desbravar o mundo de Pacific Drive. Não só temos acesso constante a um mapa, que está localizado no lugar do passageiro, e a habilidades únicas, que são desbloqueadas à medida que criamos novas peças para o carro, como podemos guardar recursos na parte traseira para gerirmos melhor o nosso espaço de inventário. Quando voltamos à base, podemos descarregar todos os recursos que encontramos, mas, até lá, o carro é o nosso cofre e sem ele não é possível ter acesso a tudo o que o mundo apocalíptico tem para nos oferecer.

Na parte traseira também temos acesso a dois elementos igualmente importantes. O primeiro é um jerrican que podemos utilizar para guardar gasolina extra. Sem gasolina, não podemos viajar e é preciso saber gerir as nossas reservas para não ficarmos parados a meio da viagem. Neste caso, a gasolina funciona quase como a barra de fome ou stamina do jogo, apenas aplicado ao carro e não à nossa personagem. Depois temos a base para o sistema de crafting, onde podemos utilizar os recursos para criar novas ferramentas ou peças individuais para o carro. Um elemento imprescindível para a progressão e que está maravilhosamente instalado no nosso carro para demonstrar como os dois não podem existir um sem o outro. Desta forma, temos sempre a possibilidade de construir algo através do nosso carro, com as opções a aumentarem à medida que encontramos mais recursos e desbloqueamos novas funcionalidades para o carro.

A multiplicidade de opções e a relação próxima ao carro enquanto veículo de transporte e base de operações móveis é uma mais valia, mas também um aviso constante. Se não apostarmos na manutenção e funcionamento do carro não conseguiremos avançar. Não conseguimos chegar mais longe, ter acesso a maior espaço de inventário ou até ao mapa. O carro é uma extensão da nossa personagem e é preciso que compreendam isso rapidamente. Sempre que saírem do carro, tomem cuidado com o local onde o deixam, verifiquem se tem gasolina suficiente e se conseguem encontrar novas peças ou então material que vos permita arranjar o que está estragado.

Por fim, temos a ambiência, os perigos e a sensação de insegurança aliada à exploração. Como colocar barreiras constantes e desafios crescente na viagem do jogador? Para Pacific Drive, a resposta é transportar-nos para um mundo pseudo-futurista, onde nada é o que parece. As comparações à Zona, popularizada pelo romance Roadside Picnic (Boris Strugatsky e Arkady Strugatsky) ou pela adaptação livre em STALKER (realizada por Andrei Tarkovsky) – e consequentemente, a famosa série criada pela GSC Game World -, não são descabidas e é uma associação que vi várias vezes ao longo da receção de Pacific Drive. E faz todo o sentido. Aqui também estamos numa Zona de Exclusão, num ecossistema onde a realidade dá lugar a acontecimentos sobrenaturais; onde criaturas invulgares surgem a qualquer momento e tomam para si as rédeas da região. A insegurança é palpável porque nunca sabemos quando seremos obrigados a enfrentar algo novo e desconhecido, que tanto pode ser inofensivo, como ditar a nossa morte. Então existe uma aprendizagem constante e a necessidade de observar primeiro os cenários antes de avançar, sempre à procura de padrões que nos possam ajudar.

Pacific Drive é uma das entradas mais interessantes no género de sobrevivência através da readaptação de várias mecânicas a novos sistemas e funcionalidades. Se a gestão da personagem não é um dos seus focos, a manutenção do carro ganha destaque devido às opções que disponibiliza e à sua importância como o único meio de transporte. O mundo é extenso e estranho, tão familiar, como hostil, obrigando-nos a reconhecer os seus padrões para podermos avançar. Nunca estamos completamente seguros, os recursos escasseiam e a fauna peculiar pode atacar-nos se nos aproximarmos demasiado. Fora alguns problemas nas animações e a presença constante de bugs visuais – com o desempenho na Steam Deck a ser tudo menos consistente -, talvez a escolha de não podermos gravar a qualquer momento seja o elemento que mais me incomodou devido à obrigatoriedade de explorar sem interrupções. Uma escolha que compreendo, mas que requer demasiado investimento dos jogadores quando a campanha se divide por biomas mais restritos.

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Cópia para análise (versão PC) cedida pela Cosmocover.

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