Little Witch Nobeta

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Apesar de trazer algumas ideias interessantes para a fórmula, este soulsborne precisava de mais tempo de desenvolvimento.

Não existe um fundamento científico para aquilo que eu vou dizer a seguir e é apenas o culminar de dois anos de análises a dois géneros muito peculiares na indústria dos videojogos, mas sinto que os soulsborne caminham nos mesmos moldes dos roguelikes, onde há uma procura crescente pelo destaque. Em 2022, tive o prazer de analisar alguns dos roguelikes mais interessantes que já joguei, como Loot River e Rogue Legacy 2, e quase todos demonstravam uma vontade em inovar dentro do género, ainda que sem a ambição de quebrar por completo com o tradicionalismo. Os soulsbornes são mais tímidos, ainda numa fase embrionária, onde a inovação não é um ponto de destaque porque a experiência “viagem por um mundo inóspito com mínima narrativa e foco num combate por stamina” ainda não teve o tempo necessário para se tornar totalmente previsível.

No entanto, já é possível identificar alguns casos onde há uma procura por transformar o género em algo mais abrangente ou variado e não precisamos de olhar para muito longe. A própria FromSoftware está no processo de desafiar as próprias raízes que ajudou a cimentar através do lançamento de Bloodborne, Sekiro: Shadows Die Twice e Elden Ring ao apostar em sistema de combates mais focados no desvio ou em mundos abertos. Por sua vez, os estúdios independentes tentaram também a sua sorte nesta busca por identidade e nos últimos três anos recebemos títulos como Mortal Shell, que apostava na possessão e rotatividade de avatares, e Shattered: Tale of the Forgotten King, que já ambicionava expandir a fórmula para mapas mais extensos e abertos. Little Witch Nobeta, da Pupuya Games, integra-se neste grupo ao expandir o combate à distância de Remnant: From the Ashes para um mundo mágico e mais linear.

A aposta num sistema de magia, ao ponto dos ataques físicos serem quase descartáveis – fora a sua utilização na forma como recuperamos MP -, foi o que me trouxe até Little Witch Nobeta, muito por tentar desafiar os moldes do género, que continua mais centrado nos combates por proximidade. Nobeta é a nossa heroína, uma feiticeira em busca da sua identidade, que se vê num castelo enorme, dividido por níveis, onde descobre várias novas magias e habilidades. O combate, como já compreenderam, foca-se na utilização de quatro tipo de magias, com Nobeta a manter quase sempre a distância dos seus inimigos enquanto combina os seus poderes em ataques mais destrutivos. As magias funcionam quase como armas tradicionais, se as reduzirmos ao seu elemento mais básico, com a magia arcane a ser, por exemplo, a pistola, que tem mais poder e é mais lenta; o gelo a funcionar como uma arma automática, cujo poder de ataque é mais reduzido; ou a magia de fogo, que é, na sua essência, uma espingarda que serve para ataques de proximidade.

As magias podem ser selecionadas através de um menu radial e evoluídas ao longo da campanha – num sistema de evolução que não apreciei porque requer que encontremos livros de feitiços, o que significa que podemos perder estas melhorias ao longo da campanha –, mas todas funcionam através de um equilíbrio entre movimentação livre e distanciamento, onde temos de fazer uso das capacidades de atordoamento das mesmas, especialmente se focarmos os ataques nas cabeças dos nossos inimigos. O combate é muito acessível e as magias são inicialmente divertidas de utilizar, até porque apresentam algumas habilidades especiais. Para além do ataque normal, cada magia pode ser carregada ao máximo para um ataque mais destrutivo ou então para invocarmos um ataque de área, levantar um escudo ou aumentar o poder dos nossos golpes físicos. Little Witch Nobeta mantém-se bastante simples até quando insere novas funcionalidades à jogabilidade, ainda que nem sempre as saiba explicar devidamente.

A jogabilidade nunca é, no entanto, limada e flexível. Little Witch Nobeta está, quase sempre, preso entre duas almas distintas: o jogo que quer ser um soulsborne e um jogo de ação mais tradicional. Começamos a sentir esta divisão quando os combates começam a ficar mais intensos e somos presenteados com um sistema de MP que não é satisfatório. A magia consome-se demasiado rapidamente para conseguirmos controlar algumas das hordas que encontramos em campo e existe uma necessidade constante de pararmos para recuperarmos o MP perdido. O jogo quer que utilizemos o ataque físico para aumentarmos o MP, claro, mas os golpes são tão ineficazes – até quando os evoluímos, com Little Witch Nobeta a apresentar um sistema de evolução semelhante aos outros soulsborne, fora a melhoria individual das magias – que é difícil não sentir que estamos apenas à espera que uma barra encha para continuarmos o combate. Isto torna-se ainda mais frustrante nas batalhas contra bosses, onde o recarregamento das magias depende de ataques dos nossos inimigos.

Os problemas na jogabilidade estendem-se até à câmara muito sensível, à mira automática que se centra no corpo dos inimigos – e que dificulta, por exemplo, a pontaria noutros pontos do corpo, como a cabeça – e aos movimentos pouco satisfatórios de Nobeta em combate. A feiticeira tem o hábito de tropeçar nos cenários quando corre por um determinado tempo e quando efetuamos vários desvios consecutivos. Presumo que esta escolha seja para demonstrar a inexperiência de Nobeta em combate e que existe, de facto, um crescimento pessoal ao longo da campanha, mas é frustrante sentir que a nossa personagem caiu porque o jogo assim o definiu e não muito mais. Não é algo que ocorra apenas porque esgotámos a barra de stamina – que aqui não afeta a utilização de magias, apenas as ações físicas como o ataque, a corrida e o desvio – ou por erro nosso, mas sim um limite estranho que não adiciona sequer tensão às situações de combate. Antes pelo contrário, só prejudica a nossa progressão. Encontrei situações onde Nobeta tropeçou e foi apanhada por um ataque de área de um boss que a empurrou para a lava. Isto é completamente enervante.

Penso que a agravante é o level design do castelo e das suas várias zonas. Não estava à espera de um mundo expansivo, repleto de caminhos alternativos e atalhos, e muito menos afeta-me o facto de Little Witch Nobeta ser mais linear, mas a claustrofobia não funciona a seu favor. Os confrontos acontecem em áreas muito restritas, como corredores e arenas fechadas, onde os destroços causam alguma dificuldade no deslocamento ou então existem abismos ou lava que nos matam automaticamente. Como o sistema de combate foca-se na distância, é estranho sentir que o jogo está sempre a limitar essa mesma distância como se isso fosse o suficiente para aumentar a sua dificuldade. O design dos níveis é, como podem antever, muito repetitivo e pouco imaginativo, até quando procura inserir atalhos e alguns colecionáveis secretos porque estamos constantemente a ver os mesmos halls e corredores de pedra sem grande variedade estética.

O ritmo do jogo é destruído por completo também pela IA dos inimigos, que é demasiado agressiva e simplista, no sentido em que está mais preocupada em atacar ferozmente do que a preservar-se. Não há estratégia da parte do jogo porque não é necessária, com os inimigos a utilizarem ataques de área cuja hitbox é difícil de compreender. Existem momentos em que pensamos ter escapado a um ataque para vermos metade da barra a desaparecer – onde posso identificar um certo problema de profundidade de campo devido à câmara –, como existem formas de quebrar o jogo ao garantirmos apenas que a hitbox não é atingida. Por exemplo, no terceiro boss, somos rodeados pelos seus braços, supostamente sem escape. Se rebolarmos no momento certo, o golpe não é registado, apesar do modelo da nossa personagem estar a fazer clipping nos braços do nosso inimigo.

Little Witch Nobeta é uma tentativa interessante que não consegue equilibrar as suas mecânicas para criar uma experiência memorável. A aposta num sistema de combate por magia, com foco em ataques à distância, é funcional e até refrescante, mas o consumo de MP é demasiado exigente e a IA dos inimigos pouco justa, tal como a linearidade dos seus níveis é desvirtuada por cenários claustrofóbicos e pouco criativos no que toca à descoberta de novas oportunidades de combate. É um jogo que está sempre a dar dois passos atrás depois de conseguir dar um em frente, terminado em ser uma experiência mais irritante do que completa.

Cópia para análise (versão PlayStation) cedida pela Idea Factory International

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