The Marvels é um filme que demonstra muitas das conhecidas forças e fragilidades do Universo Cinemático da Marvel.
Como alguém que apreciou Captain Marvel mais ao re-assistir do que na estreia respetiva, abordei The Marvels com um misto de antecipação e curiosidade. Como todos sabem, o Universo Cinemático da Marvel (MCU) expandiu-se para incluir não apenas filmes, mas também séries de televisão, algumas das quais são cruciais para compreender plenamente as personagens principais. WandaVision permanece a minha favorita devido à sua narrativa extraordinária, e Ms. Marvel foi uma deliciosa experiência devido à sua mistura de riqueza cultural com um estilo visual único. Como tal, fiquei intrigado por ver como Nia DaCosta (Candyman) iria fundir de forma harmoniosa três personagens diferentes – Carol Danvers / Captain Marvel (Brie Larson), Monica Rambeau / Photon (Teyonah Parris) e Kamala Khan / Ms. Marvel (Iman Vellani) – numa única obra.
Desde o sucesso monumental de Avengers: Endgame, o MCU encontra-se numa posição especial em que tanto o entusiasmo intenso, como a crítica rigorosa, se tornaram a norma. Os fãs, ansiosos pela próxima grande novidade, muitas vezes esperam que cada lançamento supere os anteriores, o que é um padrão inatingível. Por outro lado, alguns espetadores estão cansados da supremacia da franquia e são rápidos a escrutinar cada nova parcela, citando argumentos formulaicos ou fadiga de super-heróis. A imensa popularidade do MCU tornou-o um alvo principal destas análises, com até pequenas falhas ou desvios das expetativas a receberem atenção desproporcional. Na realidade, as várias ofertas do MCU têm algo para todos e a chave encontra-se em saber apreciar a diversidade dentro da saga. Embora nem todos os filmes ou séries possam agradar a todos os espetadores, tanto o entusiasmo como o ódio exagerados devem ser encarados de pé atrás.
Dito isto, a premissa de The Marvels gira em torno das três super-heroínas mencionadas anteriormente. Danvers é uma cara familiar, enquanto Rambeau e Khan vêm do mundo da televisão. WandaVision introduziu a primeira, uma agente da S.W.O.R.D. que investiga os eventos misteriosos em Westview. Rambeau é desenvolvida à medida que lida com a sua própria perda pessoal e cresce na sua identidade super-poderosa. Khan é apresentada na sua própria série, como uma jovem fã de super-heróis extremamente relacionável, descobrindo as suas habilidades de metamorfose corporal e iniciando a sua jornada para se tornar uma heroína por mérito próprio.
E o primeiro aspeto marcante de The Marvels é precisamente a química entre o elenco. O trio de atrizes partilha uma dinâmica encantadora no grande ecrã. Vellani brilha como uma personagem que se mantém fiel ao seu caráter divertido e descontraído ao longo do filme – Vellani parece genuinamente estar a viver o melhor momento da sua vida. Parris e Larson, por outro lado, acrescentam uma dimensão emocional e complexa às suas personagens, mesmo que a duração curta limite a exploração da sua relação intrincada, que ficou em suspenso após a prolongada ausência de Larson da Terra.
Outra das forças do filme reside nas suas cenas de ação imaginativas e ecléticas. The Marvels consegue combinar acrobacias reais e coreografia impecável com as habilidades de tele-transporte que o trio partilha de forma forçada, proporcionando variedade criativa às batalhas, que são também filmadas lindamente por Sean Bobbitt (Judas and the Black Messiah), algumas até com takes bem longos. A forma como as super-heroínas trocam de lugar umas com as outras sempre que usam simultaneamente os seus poderes acrescenta um elemento imprevisível às lutas, tornando-as visualmente cativantes e emocionantes.
Numa nota surpreendente, The Marvels também ostenta alguns dos melhores efeitos visuais vistos no MCU em muito tempo. A qualidade e especialmente a consistência dos VFX são impressionantes, acrescentando uma camada de grandiosidade ao espetáculo de super-poderes, nomeadamente durante uma sequência deslumbrante numa cidade fictícia junto ao oceano. Isto é o que acontece quando o estúdio dá tempo suficiente aos artistas para apresentarem o seu melhor trabalho. O guarda-roupa e os cenários construídos de menor escala contribuem para o seu apelo visual, criando mundos vibrantes e cativantes para as personagens habitarem.
Mais um aspeto elogiável e eficaz de The Marvels pode ser encontrado no seu humor. O filme integra com sucesso piadas, trocadilhos e momentos divertidos sem cair na armadilha comum da Marvel de usar excessivamente esta leveza geral, mantendo assim o peso temático. Grande parte do humor provém da personagem de Vellani, que, e não posso sublinhar o suficiente, é a estrela de todo o filme. A maioria destas cenas cómicas surge com timing preciso e encaixa-se de forma harmoniosa na narrativa, sem prejudicar o peso emocional da história… o que seria mais difícil de evitar se existisse, de facto, uma camada emotiva palpável ao longo da obra.
The Marvels está longe de ser perfeito, uma vez que enfrenta alguns problemas de argumento e montagem. DaCosta, que também co-escreve o guião com Megan McDonnell (WandaVision) e Elissa Karasik (Loki), tenta equilibrar demasiadas linhas narrativas diferentes, às vezes fazendo com que o filme pareça inchado e carente da profundidade necessária para cada uma das narrativas apresentadas. Frequentemente, parece que são vários filmes condensados num só, resultando numa história apressada e ocasionalmente desarticulada que definitivamente necessitava de mais tempo para abordar todos os temas complexos que tenta retratar.
A montagem de Catrin Hedström (Little Woods) e Evan Schiff (Nobody) merecia maior cuidado. É eficiente durante as cenas de ação, acompanhando os movimentos e a coreografia de forma fluída e compreensível. No entanto, fora destas sequências, a inconsistência toma conta do filme, que possui claras dificuldades com as transições entre diferentes locais e linhas narrativas. Desde detalhes fáceis de passarem despercebidos ao espetador comum imediatamente após os cortes, como personagens que não estão no mesmo local, expressões faciais diferentes ou mudanças drásticas de guarda-roupa e maquilhagem, até as mudanças mais impactantes na narrativa, a coesão global do filme é certamente afetada. Algumas revisões adicionais poderiam ter elevado The Marvels a um padrão mais elevado no MCU.
Por fim, após tantos vilões cativantes nos últimos anos, The Marvels dececiona nesse sentido. Zawe Ashton (Nocturnal Animals) faz o melhor que pode como Dar-Benn, uma guerreira Kree que procura vingança contra Danvers, mas acaba por parecer uma “má da fita” esquecível da Phase One. Embora as motivações estejam presentes, a personagem permanece unidimensional e formulaica, tornando difícil para os espetadores realmente se preocuparem com os seus objetivos. Apesar de uma batalha bastante entusiasmante no terceiro ato, as emoções do conflito estão em grande parte ausentes devido à falta de tempo de ecrã concedido à vilã e à sua ligação com Danvers.
No final, é difícil perceber verdadeiramente o que correu mal com The Marvels. Não deixa de ser um bom serão no cinema, mas os problemas de produção afetaram claramente a versão final da obra, pelo que só é possível imaginar o seu verdadeiro potencial. Sinto pena por Larson, que considero uma atriz incrível e, infelizmente, alvo incessante de uma minoria vocal que não sabe interpretar afirmações dentro de contextos específicos. Larson é maravilhosa como Danvers e adoraria vê-la novamente como uma das heroínas mais fortes do elenco atual do MCU.
Existe apenas uma cena pós-créditos muito empolgante. Vai deixar os fãs mais fervorosos absolutamente estupefactos…
VEREDITO
The Marvels é um filme que demonstra muitas das conhecidas forças e fragilidades do MCU. Sofre com problemas de argumento e montagem que prejudicam a coesão narrativa e a profundidade das personagens, além de uma duração desnecessariamente curta que não ajuda a vilã. Felizmente, destaca-se mais pelo seu elenco e respetiva química, sequências de ação criativas, efeitos visuais impressionantemente consistentes, guarda-roupa deslumbrante e humor preciso, sendo que tudo junto permite a obra atracar em porto seguro. Nia DaCosta oferece um blockbuster de super-heróis leve e repleto de entretenimento que pode não atingir a grandeza de outrora, mas deixa espaço para melhorias nas futuras parcelas da franquia.