Crítica – Talk to Me

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Talk to Me merece o hype tremendo que tem recebido de festivais e primeiras reações no resto do mundo.

Tal como nos últimos anos, iniciei 2023 por cobrir o Sundance Film Festival. É sempre uma experiência única, especialmente quando comparada com outros festivais, pois a maioria das obras nem sequer possui contratos com distribuidoras, quanto mais qualquer tipo de campanha de marketing ou hype online. É uma oportunidade para descobrir novos realizadores, argumentistas, atores e praticamente todas as pessoas envolvidas em filmes originais de baixo orçamento. Senti que esta edição recente do festival não foi propriamente arrebatadora como em 2021 ou 2022… talvez por ter perdido o melhor filme de horror do ano até à data, Talk to Me.

A primeira longa-metragem dos irmãos Danny e Michael Philippou (dupla de criadores de conteúdo no YouTube RackaRacka, tornados realizadores) encontrava-se na minha lista inicial de visualizações, mas, por alguma razão, foi eventualmente removida. A premissa de Talk to Me não é altamente apelativa ou criativa, sendo que a história desenrola-se à volta de um conceito narrativo formulaico como a possessão humana por espíritos. O único ponto positivo desta situação é que, assim, tive a felicidade de assistir a uma das obras mais assustadoras dos últimos tempos no grande ecrã.

De hoje em diante, Talk to Me será a minha primeira prova para sustentar a ideia de que o género de horror é, de longe, o que mais beneficia de elementos reais e efeitos práticos. Não é, de todo, descabido considerar o trabalho de maquilhagem como merecedor de prémios. Inúmeros momentos de violência – cabeças a baterem em paredes/móveis, ossos a partirem-se, mordidelas – provocam aquela sensação de nojo grotesco devido precisamente ao realismo de todos os componentes técnicos. Tirando a transformação arrepiantemente negra dos olhos, os efeitos especiais são raros ou inexistentes.

talk to me echo boomer 2

Todos os espetadores já assistiram a dezenas ou até centenas de personagens a serem possuídas, pelo que Talk to Me dificilmente conseguiria inovar relativamente a este aspeto. Mesmo assim, a execução destes momentos de possessão cola o público ao ecrã de maneira tão viva, próxima e pessoal que muitos tentarão desviar o olhar sem sucesso. Os irmãos Philippou focam-se nas prestações soberbas do elenco ao invés de jumpscares baratos e repetitivos, lição que os maiores filmes do género teimam em aprender. Sophie Wilde (Bird) destaca-se com uma performance inesquecível e bastante completa – a componente física acaba por ser muito importante – mas todos os atores entregam-se de corpo e alma às suas personagens.

Dito isto, ninguém sairá da sala de cinema a olhar para a vida de forma diferente devido ao argumento de Danny Philippou e Bill Hinzman. Talk to Me é mais um filme de experienciar no cinema pela atmosfera irrequieta gerada pelos cineastas e pelas tais prestações memoráveis. É uma obra incrivelmente cativante do primeiro ao último segundo que passa a correr e que, inevitavelmente, irá agradar mais a cinéfilos que tenham um prazer particular por assistir a um filme de horror em que todos os departamentos de filmmaking contribuem tremendamente para o sucesso do mesmo.

É necessário enfatizar que Talk to Me não é uma sessão fácil para espetadores mais sensíveis. A violência é extremamente explícita e imprevisível, fator crucial para situações de puro choque visual. A maioria destas sequências são longas com vários momentos impactantes ao invés de um único clímax. A partir da primeira cena de possessão, a obra mantém um ritmo frenético sem grandes pausas para respirar, o que me leva ao único problema relevante com a obra, para além de uns minutos finais algo apressados.

Temas como suicídio, luto, depressão e solidão são introduzidos pela narrativa, mas nunca realmente explorados, sendo que opiniões sobre como Talk to Me tira partido do sofrimento humano como dispositivo de choque apenas e só por valor de entretenimento serão naturalmente partilhadas. Pessoalmente, não considero que tenha sido esta a intenção dos cineastas, mas a verdade é que as personagens não sofrem nenhuma evolução significante, terminando o filme praticamente da mesma maneira que começaram relativamente a estes assuntos – poucos diálogos em volta dos mesmos.

Felizmente, a conclusão de Talk to Me não deixará ninguém indiferente e o final escolhido para a protagonista é nada menos que brilhante. Oferece mesmo a sensação de ter sido pensado e redigido antes do resto da obra de tal forma que encaixa na perfeição com a premissa da mesma. É, sem dúvidas, uma história deprimente que deixará um impacto profundo numa boa porção da audiência e espero genuinamente que consiga oferecer aos irmãos cineastas mais oportunidades de criarem o que bem entenderem, pois da minha parte, ganharam um fã.

Nota: uma prequela já se encontra completa e uma sequela está planeada. Venham elas!

VEREDITO

Talk to Me merece o hype tremendo que tem recebido de festivais e primeiras reações no resto do mundo. Sem dúvida alguma um dos filmes de horror mais assustadores dos últimos anos! Inúmeros efeitos práticos impressionantes, trabalho de maquilhagem soberbo, prestações hipnotizantes – Sophie Wilde destaca-se claramente – e uma execução irrepreensível de momentos de violência verdadeiramente chocantes, sangrentos e imprevisíveis.

Não possui o enredo mais criativo dentro do subgénero de “personagens possuídas por espíritos” e deixa alguns temas importantes por explorar, mas não deixa de ser uma das visualizações obrigatórias deste ano. Danny e Michael Philippou: lembrem-se destes nomes!

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