Com um dos melhores atos de abertura dos últimos anos, a história emocionalmente chocante de Pieces of a Woman é elevada pelas melhores prestações das carreiras de Vanessa Kirby e Shia LaBeouf.
Sinopse: “Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) são um casal de Boston prestes a ser pais cujas vidas mudam irrevogavelmente quando um parto domiciliar termina numa tragédia inimaginável. Assim começa uma odisseia anual para Martha, que deve navegar a sua dor enquanto trabalha relações descontroladas com Sean e com a sua mãe dominadora (Ellen Burstyn), juntamente com a parteira publicamente vilipendiada (Molly Parker), que tem de enfrentar em tribunal.”
Nunca vi um filme de Kornél Mundruczó, mas Pieces of a Woman começou a receber o burburinho habitual que surge nesta altura do ano. A partir do momento em que a Netflix garantiu os direitos de distribuição, tornou-se uma questão de tempo até ter a oportunidade de assistir a mais um Oscar-bait.
Realmente não pensei sobre o mesmo nem criei qualquer tipo de expetativa, para além de esperar que fosse bom. Vanessa Kirby (Mission: Impossible – Fallout, Hobbs & Shaw) e Shia LaBeouf (Honey Boy) são os protagonistas de uma história que chegará a milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente casais que passaram pela mesma situação. Posso já adiantar: é, sem dúvida, um dos melhores filmes que vi nos últimos 12 meses.
Como fica em comparação com outros filmes maravilhosos de 2020? Terei de pensar sobre esse tópico ao organizar o meu Top 10, mas Pieces of a Woman possui o melhor ato de abertura dos últimos tempos. Durante 30 minutos completos (antes do título sequer aparecer no ecrã), uma cena inteira de um parto é apresentada através de takes longos, excruciantes e ininterruptos, que ultimamente fazem toda a sequência parecer um “oner” fenomenal. Tecnicamente, o filme é brilhantemente realizado por Mundruczó, que aproveita a cinematografia soberba de Benjamin Loeb e a banda sonora bonita de Howard Shore para oferecer aos espetadores uma experiência emocionalmente poderosa.
Por mais fantásticos que os atributos técnicos sejam, o argumento excecionalmente bem escrito e detalhado de Kata Wéber é verdadeiramente elevado pelo elenco incrível, notavelmente pelos protagonistas. Sem sombra de dúvida, Vanessa Kirby entrega a melhor prestação da sua carreira, demonstrando um alcance emocional que não acreditava que tinha. O arco de Martha acaba por ser um pouco previsível e formulaico, tal como outros arcos de personagens e partes da narrativa, mas nunca me senti menos investido na história devido a este pormenor. Aliás, não me recordo do último filme que me levou lágrimas aos olhos antes do fim do primeiro ato, o que serve de prova ao realismo e autenticidade do filme.
Shia LaBeouf também é bem capaz de ter oferecido a sua melhor interpretação de sempre, se bem que adoro algumas das suas exibições passadas. Mais uma vez, o ator mostra-se a 100%, demonstrando o seu inegável talento que faz dele um dos atores mais subvalorizados a trabalhar nos dias de hoje. Um aspeto particular do arco de Sean deixa-me um pouco duvidoso da sua necessidade e/ou importância para a narrativa, mas, tal como a personagem de Kirby, mantive sempre o interesse pelos seus percursos. Molly Parker também é excelente como a parteira envolvida na tragédia, enquanto Ellen Burstyn interpreta a mãe de Martha, Elizabeth, deixando-me profundamente surpreendido com o seu desempenho perfeito. 88 anos… Magnífico.
Apesar dos desenvolvimentos altamente expetáveis e das respetivas conclusões, o final partilha uma revelação emocionante relacionada com um comportamento específico da personagem de Kirby que me atingiu mesmo em cheio no coração.
No entanto, o melhor aspeto de todo o filme tem um efeito secundário negativo. Depois de um primeiro ato tão hipnotizante, poderoso e chocante, o resto do filme nunca atinge o mesmo nível de investimento e imersão que os 30 minutos iniciais possuem. Não se deixem enganar pela escrita: é uma narrativa cativante, cheia de mensagens significativas de perdão, aceitação, justiça e mais uma perspetiva sobre o tema “seguir em frente”.
Será extremamente difícil de assistir para muitas pessoas, mas é exatamente o ambiente realista que me deixou sem palavras e surpreendentemente emocional desde o início. Pode não ser um filme que irei rever inúmeras vezes ou mesmo recomendar a literalmente todos os leitores. Contudo, Pieces of a Woman carrega uma história inegavelmente impactante com a qual muitos espectadores partilharão uma profunda conexão que todos os cineastas se esforçam para alcançar. Em última análise, em relação ao meu Top 10, resume-se ao quanto valorizo a sua imensa qualidade contra o baixo valor de repetição.
Sendo assim, Pieces of a Woman torna-se um candidato digno de vários prémios, possuindo um dos melhores atos de abertura dos últimos anos. Com uma realização impressionante de Kornél Mundruczó, os primeiros 30 minutos encontram-se repletos com níveis extremos de ansiedade e stress devido à sequência de parto emocionalmente chocante, que é filmada através de takes excruciantemente longos.
Vanessa Kirby e Shia LaBeouf entregam as melhores prestações das respetivas carreiras, lidando com monólogos extensos sem esforço, mas é Kirby que me deixa boquiaberto com um alcance emocional que provoca lágrimas nos olhos mesmo antes de aparecer o título do filme. O argumento excecional de Kata Wéber ganha vida de uma maneira incrivelmente autêntica e imersiva, criando um investimento incrível nas personagens, apesar dos arcos formulaicos e previsíveis.
Ficam também enormes elogios à banda sonora maravilhosa de Howard Shore e ao ótimo trabalho de câmara de Benjamin Loeb, assim como às performances excelentes de Molly Parker e Ellen Burstyn. Recomendo imenso a leitores que gostem de assistir a uma história emocionalmente cativante com um elenco fenomenal, mas deixo o aviso para os mais sensíveis: chega a ser extremamente difícil de assistir em determinadas alturas.
Pieces of a Woman está disponível na Netflix.