Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One entrega precisamente aquilo que prometeu: ação em locais reais, impressionante, frenética e implacável com níveis de energia carregados de adrenalina.
Todos nós temos as nossas sagas favoritas, e Mission: Impossible costuma ser uma escolha bastante comum de praticamente todos os amantes da sétima arte. Hoje em dia, a dependência de efeitos visuais encontra-se cada vez mais acentuada, pelo que ainda existirem franquias desta dimensão a preocuparem-se com o realismo e imersão do cinema ao filmar em locais reais com o mínimo de CGI possível é um grande alívio para qualquer cinéfilo. No entanto, tudo tem o seu fim, e Dead Reckoning Part One é a primeira metade da conclusão de uma das sagas mais populares de sempre. Pessoalmente, as expetativas não podiam ser mais altas.
Fallout foi a última e melhor parcela da franquia, logo Tom Cruise e companhia tinham uma tarefa muito difícil, para não dizer impossível, pela frente. Apesar de não chegar ao nível deste seu antecessor, Dead Reckoning Part One é mais uma entrada excecional num conjunto de filmes praticamente perfeito. Com uma premissa curiosamente adequada a um dos assuntos mais debatidos dos últimos meses – a utilização e potencial sem limites de AI – e, consequentemente, um inimigo constantemente inúmeros passos à frente da IMF, o cineasta Christopher McQuarrie volta a comandar as tropas – argumento co-escrito com Erik Jendrensen (Ithaca) – através de um enredo em crescendo sem muitas pausas para recuperar o fôlego.
São 163 minutos que passam a voar devido ao ritmo frenético e ao foco nas sequências de ação para levar a história adiante. Dead Reckoning Part One é extremamente agitado e, para alguns espetadores, a montagem rápida de Eddie Hamilton (Top Gun: Maverick) e o trabalho de câmara dinâmico de Fraser Taggart (Robot Overlords) poderá ser demasiado avassalador, mas encaixa nos níveis de adrenalina e energia insanos que o elenco e a ação emanam. Para além disso, a saga é conhecida pelas suas acrobacias impressionantes e não tanto por coreografia de luta – esta caraterística igualmente fenomenal pertence claramente a John Wick.
Dito isto, Dead Reckoning Part One continua a tendência dos últimos filmes em tentar criar sequências ainda mais incríveis que as anteriores. Por um lado, não creio que a equipa técnica tenha conseguido atingir o mesmo nível de estupefação e “wow factor“, apesar da dedicação e risco de vida da equipa de duplos ser sempre de valorizar. Por outro lado, não deixam de ser sequências altamente entusiasmantes e com uma banda sonora fantástica de Lorne Balfe (Tetris) a elevar literalmente todos estes momentos.
O elenco e as respetivas personagens são as razões principais por detrás da desfrutação destas obras. Os membros do costume estão de volta, ao passo que regressos inesperados do passado e novas adições enriquecem ainda mais um dos elencos com mais química de qualquer saga. Pode parecer estranho o destaque de um Mission: Impossible não ser Tom Cruise, mas a verdade é que Dead Reckoning Part One é, de muitas maneiras, o filme de Hayley Atwell (Doctor Strange in the Multiverse of Madness). A atriz britânica interpreta Grace, uma ladra incrivelmente eficaz que segue um arco nunca antes visto de forma explícita na franquia.
Atwell é soberba e partilha os holofotes com Cruise, incluindo nas dezenas de sequências de ação onde a própria também participa várias vezes. Todos os atores que tiveram o prazer de trabalhar nesta saga confirmaram que sentem a necessidade de dedicarem-se mais devido ao quanto Cruise arrisca de si próprio para oferecer o melhor entretenimento possível aos espetadores, e Atwell demonstra isso na perfeição. Sempre que toma controlo das rédeas, é como se uma bomba de carisma explodisse mesmo na frente do ecrã. Com humor q.b. à mistura, Grace rapidamente torna-se uma personagem intrigante e essencial para o enredo, tendo que enfrentar vários dilemas morais que afetam o desenrolar da história.
Não é, de todo, a única personagem feminina em destaque. Rebecca Ferguson (Dune) regressa como Ilsa Faust com uma prestação mais emocional devido ao arco mais íntimo e pessoal que a personagem recebe. Dead Reckoning Part One coloca todos no centro do perigo e as consequências podem ser fatais para qualquer agente, pelo que acompanhar a minha personagem secundária favorita da saga ao longo deste filme contribuiu imenso para o ambiente de suspense brilhantemente gerado por McQuarrie. Vanessa Kirby (The Son) aproveita bem os poucos minutos que possui como Alanna Mitsopolis/White Widow.
Ving Rhames (The Locksmith) e Simon Pegg (Terminal) continuam a comprovar o porquê de serem um dos duos mais icónicos dentro do género, voltando a vestir as peles de Luther e Benji como os companheiros importantes de Ethan Hunt. O pequeno diálogo mantém-se vivo e criativo, mas em Dead Reckoning Part One, ambos possuem o seu próprio momento de ação durante uma sequência extremamente tensa num aeroporto. Pom Klementieff (Guardians of the Galaxy Vol. 3) é uma delícia! Com praticamente nenhuma fala, a atriz incorpora Paris – uma assassina francesa com uma expressividade tal que há de causar pesadelos a muitos espetadores -, o seu sorriso maquiavélico faz-me desejar um papel principal para a mesma no próximo grande filme de horror.
Finalmente, Esai Morales (Master Gardener) interpreta o novo antagonista da saga, Gabriel. O personagem misterioso possui um passado com Hunt que impactou a vida do último drasticamente e serve de representante da Entity, o sistema AI que acaba por ser o verdadeiro “vilão” desta conclusão a duas partes. É mais neste aspeto que Dead Reckoning Part One levanta alguns potenciais problemas, alguns dos quais apenas poderão realmente ser analisados com mais detalhe daqui a um ano, quando a continuação e eventual conclusão da saga for lançada. “Problemas” de assistir a metade da história, se bem que a grande questão prende-se com a possível falta de razões para dividir o último enredo da saga em dois filmes.
Entretanto, existem várias linhas de enredo deixadas em aberto e algumas questões relacionadas com pormenores da narrativa sobre os quais não me posso debruçar sem recorrer a spoilers. Cenas de exposição são uma caraterística clássica de Mission: Impossible, mas quando estas continuam a acontecer para lá do primeiro ato, de forma desnecessária e pouco natural, dá a sensação de que o filme está a parar de propósito por causa de razões externas ao mesmo. As mensagens e diálogo em volta do tema de AI e os perigos que esta tecnologia pode trazer são demasiado genéricos, deixando Dead Reckoning Part One sem nenhum momento de conversa mais instigante sobre o assunto.
Pessoalmente, a situação que mais me desiludiu em nada está relacionada com o filme em si. O facto de Dead Reckoning Part One ter publicitado em demasia a sua stunt principal – desde conteúdo de bastidores até inúmeros clipes da sequência em si completa, nunca um filme da saga mostrou tanto antes do seu lançamento – reduz significativamente a excitação e antecipação para este mesmo momento na obra. Existe todo um crescendo para algo que todos os espetadores não só sabem quando, como e onde vai acontecer, mas a “magia do cinema” quase que desaparece a partir do momento em que não existe qualquer fator de espanto ou surpresa. Tenho pena que, hoje em dia, seja verdadeiramente uma missão impossível entrar numa sala de cinema sem saber o que vamos assistir, tal é a quantidade incessante de conteúdo de marketing espalhado pelos estúdios.
Felizmente, são pormenores de menor relevo quando comparados com a multitude de aspetos positivos que englobam este filme. Gostaria de terminar com um agradecimento ao homem que continua a desafiar as leis da física e a lutar pela experiência única do grande ecrã. Tom Cruise é e será para sempre uma lenda. Um apaixonado pela arte de fazer filmes e de construir o ambiente mais imersivo possível para espetadores pelo mundo fora. Obrigado por toda a dedicação e esforço incomparáveis. Muito obrigado!
VEREDITO
Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One entrega precisamente aquilo que prometeu: ação em locais reais impressionantes, frenética e implacável com níveis de energia carregados de adrenalina. Uma obra de 163 minutos raramente passa tão rápida como esta, contribuindo para isso o elenco sublime – Hayley Atwell é maravilhosa – e a banda sonora verdadeiramente memorável que eleva todas as sequências insanas.
Tem o “problema” de ser a primeira de duas partes, com alguns momentos de exposição pouco naturais e repetitivos, para além de uma narrativa algo genérica e ambígua à volta de AI. Não deixa de ser um blockbuster de verão no seu estado mais puro, como seria de esperar do ícone Tom Cruise, a quem devíamos prestar total vassalagem!