Crítica – Lovecraft Country (Temporada 1)

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Ao elenco de qualidade juntou-se também uma equipa técnica de sonho, mas, apesar de um episódio de arranque magnífico e alguns pelo meio, Lovecraft Country não conseguiu manter a consistência.

Lovecraft Country

Lovecraft Country é a nova série da HBO, baseada no livro do mesmo nome de Matt Ruff, que, por sua vez, tem como base a obra literária do célebre escritor H.P. Lovecraft. De forma a dar um contexto mais concreto, Lovecraft foi o escritor responsável pela revolução do terror enquanto género, fugindo aos clichés que envolviam maioritariamente vampiros, lobisomens e bruxas. A sua mente criativa e perturbada criou monstros que, na altura, ninguém conseguia trazer à vida. O ponto interessante na sua obra é que, ao contrário dos outros escritores do género, colocou sempre o ser humano no fundo, como um ser vulnerável e sem poder face a todo o mal e monstruosidades que o rodeiam.

Para conhecer melhor as bases desta obra, comprei o livro Os Contos Mais Arrepiantes de Howard Phillips Lovecraft, que inclui 15 contos independentes do autor e uma introdução bastante elucidativa ao mesmo que esmiuça as bases da sua vida, cheia de tragédia. Apesar da postura racista que teve de ter até finais da sua juventude devido ao contexto em que cresceu (presente inclusive em alguns dos seus primeiros contos), com o tempo foi-se metamorfizando.

O grande problema de Lovecraft, é que apesar de se ter começado a formar desde muito cedo (auto-didata), já sabendo falar aos dois anos e ler e escrever aos quatro anos, nunca teve uma educação considerada correta, nem formação superior. Graças a isso grande parte da sua vida, teve uma postura que o levava a repelir tudo o que não lhe fosse familiar.

Quem privava com ele revelou que o seu racismo acabou por se provar ser mais cultural do que biológico. E foi-se atenuando ao longo dos anos, chegando inclusive a casar com uma mulher Judaica. Tempos diferentes, mentalidades diferentes, perpetuadas por um sistema de educação repugnante. Isto porque ninguém nasce racista.

Apesar disso, o seu racismo nunca afetou muito a sua obra cósmica. Isto fez dele uma lenda da escrita, em qual centenas de autores, escritores, produtores e realizadores se basearam para criar as suas obras ao longo dos últimos 100 anos – uma das quais devem conhecer muito bem: Stranger Things. No entanto, tudo isto acaba por tornar algo poético o facto de Lovecraft Country ser uma história híbrida, entre elementos da obra de H.P. Lovecraft e o racismo nos Estados Unidos durante os anos 50/60.

Voltando à série, é fundamental ressalvar a equipa técnica em toda a sua glória. Misha Green no comando (que chegou a estar envolvida na escrita de Sons of Anarchy, Spartacus e Helix) tem aqui a sua primeira grande produção enquanto criadora e realizadora, estando acompanhada de grandes nomes: Jordan Peele, que no seu portfólio tem trabalhos como o perturbador Get Out (que lhe rendeu um Óscar para melhor screenplay), o polémico BlacKkKlansman (no qual esteve envolvido na produção) e Us, filme recheado de originalidade (onde foi produtor e escritor); J.J. Abrams, que também tem um percurso recheado de êxitos de onde se destacam Lost, dois filmes da saga Star Wars, Star Trek, Super 8, Missão Impossível, Westworld; entre muitos outros. Temos ainda nomes como Bill Carraro, Dana Robin, David Knoller, Sarah Khan, Ben Stephenson, entre outros. Posto isto, difícil é não criar expectativas.

Pessoalmente, sou um fã ávido de tudo o que envolve ficção, ficção científica, fantasia, thriller e terror. No caso de Lovecraft Country, acaba por inserir-se em todos esses géneros. Isto faria com que, por muita fraca que esta série fosse, acabaria por apreciá-la na mesma, mas, e apesar de ter gostado, não posso deixar de ficar desapontado com esta como um todo.

O ritmo da série não é tão alucinante como o do trailer, sendo que acaba por ser mais psicológica do que explosiva. E esse é, na minha opinião, um grande ponto forte, pois é com a exploração do psicológico das personagens que o terror se compõe e ganha forma. No entanto, esse ritmo lento, que pode desagradar aos consumistas de ação e pirotecnia, apesar de ter conseguido evidenciar pormenores fascinantes (frutos da imaginação dos produtores), acabou por falhar em alguns pontos chave e a narrativa não ganhou a densidade que precisava.

Lovecraft Country

Quem mais contribuiu para esta densidade foi o magnífico elenco escolhido. De todas as estrelas, Jurnee Smollett-Bell foi, sem dúvida, quem brilhou com mais intensidade no papel de Letitia, com uma prestação digna de premiação para Globo de Ouro/Emmy, onde a emoção e convicção com que se entrega à personagem é irrepreensível. Jonathan Majors, no papel de Atticus Freeman, também merece parte dos créditos que lhe são devidos, pois conferiu à personagem o grau de ingenuidade necessário face a tudo com que é confrontado, o que ajudou em muito a trazer credibilidade ao enredo.

Também fantásticos nos seus papéis estiveram Jamie Chang (Ji-Ah), que é responsável por um dos melhores episódios da temporada, e Jada Harris (Diana Freeman), responsável por outro. Para além destas, grande destaque para o ator “da casa” em grandes produções da HBO, Michael K. Williams (no papel Montrose Freeman), que tem o meu apreço e respeito já desde os tempos de The Wire e Boardwalk Empire (séries nas quais onde foi uma das maiores estrelas). Em Lovecraft Country, Williams protagoniza uma das cenas mais magníficas de toda a temporada, ao som de “Lonely” de Moses Sumney, e a partir daí, é sempre a subir.

Esmiuçando um pouco mais Lovecraft Country, rapidamente cheguei à conclusão que esta é uma série extremamente gráfica e sem filtros (se não é R-Rated, deveria ser). Isto não só lhe acrescenta valor cinematográfico, como a torna fiel à “realidade” apresentada, ao longo destes episódios iniciais. Para além disso, os visuais e efeitos especiais que emprega são brutais e absolutamente eye-candy, ao ponto de me deixar boquiaberto em várias situações.

Em relação à temática ter como pilar o racismo, é só o placement de tema perfeito para a condição social atual. Acredito que ajude Lovecraft Country a ganhar ainda mais visibilidade e protagonismo no mundo da televisão, coisa que merece. No entanto, há, por vezes, tanta divagação a querer passar mensagens importantes, que a narrativa sofre com isso criando alguns momentos anti-climax.

Olhando para a série como um todo, os momentos anti-climax são o que a fazem ser tão inconstante, pois ora chega a pontos muito altos, com uma execução fantástica (Sundown, Meet Me in Daegu, Jig-a-Bobo, Rewind 1921), como bate no fundo sofrendo de escrita preguiçosa, básica e extremamente repetitiva (Whitey’s on the Moon, A History of Violence, Strange Case, Full Circle). Outra grande falha foi o facto de ser tudo tão explicado que acabou por roubar mistério e surpresa à série (coisa que não faltou nos episódios que referi como melhores).

Esta série, que tem imensos elementos e inspiração da obra de H.P. Lovecraft, vem provar que não precisamos de cancelar a cultura, vandalizar monumentos e instaurar a inquisição anti-obras de autores – que no seu tempo foram preconceituosos – para com outras raças que não a sua. Isto porque o brilhantismo da arte de cada um não é uma reflexão do seu carácter.

Ficou também a sensação que de os monstros de Lovecraft foram muito mal aproveitados. Os Shoggoths ainda tiveram algum tempo de antena e influência direta na narrativa, mas foram mais um acessório do que propriamente um bem. Cthulhu foi só um desperdício incrível. As gémeas do episódio Jig-A-Bobo, por outro lado, foram introduzidas de forma subtil, serviram um propósito maior e tiveram um impacto real na série com efeitos a longo prazo.

Chego ao fim e, embora tenha apreciado grande parte da série que tem momentos incríveis, não consigo não ficar desapontado. Com uma equipa técnica tão fantástica, houve demasiadas falha na escrita e algumas inconsistências no enredo. Chega a ser inacreditável o facto de, mesmo com tanta sobre-explicação, a história continuar a ser confusa.

Olhando para os pontos positivos, é uma série boa com uma mensagem muito vincada, um elenco de qualidade e efeitos visuais e especiais sublimes.

Concluindo: tinha tudo para ser muito boa e ficou aquém devido a uma clara falta de planeamento e organização.

Lovecraft Country já está disponível na integra na HBO Portugal.

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