Crítica – Gran Turismo

- Publicidade -

Gran Turismo é uma das surpresas do ano!

Longe vão os tempos de passar os fins-de-semana a divertir-me com o volante e pedais dos videojogos de corridas de carros. Pessoalmente, a saga Need for Speed foi a que marcou a minha infância e adolescência, pelo que se cheguei a jogar Gran Turismo, tal experiência foi totalmente esquecida. Ironicamente, nunca fui fã do desporto respetivo e as suas variantes, para além de desconhecer por completo a história verdadeira em que a obra se baseia. Assim, devido parcialmente às expetativas nulas, esta acabou por se tornar numa das visualizações em sala mais surpreendentes e satisfatórias do ano!

Gran Turismo aborda a história real de Jann Mardenborough (Archie Madekwe), um adolescente apaixonado pelo desporto e respetivo videojogo que se tornou num piloto profissional do circuito GT através de um concurso organizado pela Nissan. A premissa é surpreendente por si só, pelo que o interesse em descobrir como algo tão inacreditável como isto aconteceu subiu a pique à entrada do cinema. O elenco é, no mínimo, intrigante, mas a combinação do realizador Neill Blomkamp (District 9) com os argumentistas Jason Hall (American Sniper) e Zach Baylin (King Richard) chamou mais à atenção.

E é mesmo a visão e execução de Blomkamp que transforma Gran Turismo num filme altamente entusiasmante e carregado de adrenalina. O trabalho de câmara (Jacques Jouffret) e montagem (Colby Parker Jr., Austyn Daines) nas sequências de corrida poderá tornar-se repetitivo para alguns espetadores, mas Blomkamp atira sempre um ou mais elementos diferentes em cada uma. Seja uma ultrapassagem distinta, um novo oponente, um objetivo especial ou um acidente aparatoso, existe sempre algum componente narrativo e/ou de ação que torna as corridas únicas.

A banda sonora energética de Lorne Balfe (Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One) e Andrew Kawczynski também contribui imenso para os níveis de entretenimento, não permitindo muitos momentos para respirar enquanto o protagonista se encontra dentro do carro. Os pormenores visuais que combinam o videojogo com a corrida real são visualmente fascinantes, colocando o espetador num ponto-de-vista único, o de assistir ao que se passa dentro da cabeça de Jann. Além disso, os efeitos visuais oferecem uma certa camada informativa ao transmitir detalhes como a posição do carro durante a corrida, a velocidade do mesmo ou até o caminho teoricamente ideal que os pilotos devem seguir.

Narrativamente, Gran Turismo não pretende reinventar a roda no que toca às típicas histórias desportivas de um underdog. Por um lado, aprecio a intenção consistente de nunca tentar fazer o filme ser mais daquilo que verdadeiramente é. Por outro lado, as prestações de alguns atores são tão fenomenais que é difícil ignorar a vontade de querer mais tempo de ecrã com os mesmos. Djimon Hounson (Shazam! Fury of the Gods) interpreta o pai de Jann e, apesar de não existir nada de novo na relação pai-filho complicada, o ator entrega uma performance tão emocionalmente convincente que o tempo despendido para o desenvolvimento dessa mesmo relação sabe a pouco.

Madekwe não consegue demonstrar o mesmo nível de emoção crua nos momentos importantes, mas oferece uma prestação decente para um protagonista que acaba por passar muito tempo com um capacete. Independentemente disso, David Harbour (Violent Night) é o destaque absoluto de Gran Turismo, sem margem para dúvidas. É impossível pedir-se mais a um ator cujo papel consiste em ser uma voz de respeito, exemplar e, acima de tudo, inspirador. Como antigo-piloto e “treinador” de Jann, Harbour incorpora na perfeição Jack Salter e as suas linhas de diálogo épicas – tanto que facilmente se faz uma compilação de frases motivacionais só com esta personagem. O humor caraterístico do ator também encaixa que nem uma luva na atmosfera do filme.

gran turismo echo boomer 2

Fico sempre especialmente contente por ver atores que marcaram a minha vida cinéfila de regresso ao grande ecrã com um blockbuster. Orlando Bloom (The Outpost) não teve sorte na personagem que recebeu, Danny Moore, mas representou o executivo de marketing da Nissan da melhor maneira possível. Pena que esteja ligado a um dos problemas principais com a obra, nomeadamente os diálogos excessivamente publicitários às empresas por detrás do filme e da história em si. Gran Turismo não tem assim tantas cenas de exposição, mas todas são de alguma forma, uma espécie de palmada nas costas da Sony, Playstation, Nissan e todos os outros representantes executivos da obra.

Ainda pior é a alteração temporal de um momento trágico da carreira de Jann para benefício das motivações do protagonista. Gran Turismo faz algumas modificações à história em que se baseia, tal como qualquer outro filme do mesmo género. Mover eventos para depois ou antes de outros é algo habitual nestes argumentos – por exemplo, Jann é o 3° vencedor da GT Academy, não o primeiro – mas é sempre necessário um cuidado extra com assuntos mais sensíveis. Usar a morte de um espetador como “combustível” para Jann no terceiro ato, mesmo que sem intenção maligna por parte dos argumentistas e cineasta, não cai nada bem.

Considero este tipo de obras um sucesso sempre que me convencem a pesquisar sobre os eventos verídicos mal o filme termine. Gran Turismo foi incrivelmente cativante durante todo o seu tempo de execução, mas uma pesquisa rápida sobre este momento trágico em particular permite concluir que a obra mudou a altura da mesma de propósito para encaixar no enredo formulaico da mesma. É uma daquelas experiências cinéfilas que origina uma reação eufórica à saída do cinema e outra mais ponderada à medida que se discute o filme.

VEREDITO

Gran Turismo é uma das surpresas do ano! O facto de desconhecer completamente a história verdadeira inspiradora em que a obra se baseia tornou a mesma ainda mais fascinante, envolvente e incrivelmente entusiasmante.

A banda sonora de Lorne Balfe e Andrew Kawczynski contém inúmeras tracks carregadas com níveis altíssimos de adrenalina que transformam as sequências de corrida em momentos de puro entretenimento. Prestação excecional de David Harbour que entrega-se de tal maneira ao seu papel que, se a temporada de prémios começasse agora e não existisse uma dependência clara de campanhas de marketing, o ator era dos principais candidatos.

Recomendo vivamente a não pesquisar nada sobre a história real *antes* da obra, até para evitar sofrer com a estrutura previsível e formulaica deste tipo de filmes.

- Publicidade -

Deixa uma resposta

Introduz o teu comentário!
Introduz o teu nome

Relacionados

Gran Turismo é uma das surpresas do ano! Longe vão os tempos de passar os fins-de-semana a divertir-me com o volante e pedais dos videojogos de corridas de carros. Pessoalmente, a saga Need for Speed foi a que marcou a minha infância e adolescência, pelo...Crítica - Gran Turismo