Crítica – Enola Holmes

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Enola Holmes oferece uma agradável e refrescante visão de uma franchise que pode ter ganho um novo futuro.

Enola Holmes

2020 é, sem dúvida, um dos anos mais complicados que os cinemas já tiveram que enfrentar. A ainda viva pandemia global fechou tudo, incluindo aquele que é um dos meus lugares favoritos. Consequentemente, os serviços de streaming, que já estavam em crescimento, tiveram um boom tremendo, ganhando cada vez mais subscritores durante esta fase difícil das nossas vidas.

A Netflix tem estado extremamente ocupada, lançando novos filmes desde o início do ano, sendo The Devil All The Time, I’m Thinking of Ending Things e Project Power os mais recentes. Uns melhores que outros, mas ainda não encontrei um filme original de 2020 por parte da plataforma que não tenha mesmo gostado. Será Enola Holmes o primeiro?

Não, longe disso. Com um elenco tão talentoso e valores de produção bem altos, uma nova perspetiva sobre os mistérios clássicos de Sherlock Holmes é certamente bem-vinda, sendo este um dos meus dois elogios principais.

O realizador estreante Harry Bradbeer e Jack Thorne (His Dark Materials) oferecem um argumento refrescante das histórias do famoso detetive, não só por focar-se na sua irmã menos popular, mas também por apresentar um Sherlock diferente do que estamos acostumados a ver. A edição (Adam Bosman), cinematografia (Giles Nuttgens) e banda sonora (Daniel Pemberton) contribuem para imensas cenas peculiares, divertidas e cativantes que ajudam o espetador a acompanhar a análise de Enola em várias situações, incluindo o seu processo mental (interpretação de pistas, criação de planos), quebrando a conhecida “fourth wall” em muitas ocasiões.

Este último aspeto leva-me de encontro ao outro elogio principal, Millie Bobby Brown. Ela é a razão pela qual estas cenas funcionam tão bem. Desde o momento em que a vi pela primeira vez em Stranger Things, acreditei firmemente que se tornaria numa estrela. Nos últimos anos, sempre deixei registado que vai quebrar o recorde dos Óscares da atriz mais jovem de sempre a ganhar o prémio de Melhor Atriz. Millie ainda tem pouco mais de cinco anos para o conseguir e já lidera enormes blockbusters, como Godzilla: King of the Monsters. Com este filme da Netflix, Millie prova novamente a sua versatilidade (já retratou personagens completamente diferentes em géneros distintos), alcance emocional (consegue sem esforço qualquer tipo de cena) e atuação madura (raramente exagera ou não mostra o suficiente, está sempre no ponto).

Enola Holmes

A jovem atriz incorpora Enola de uma maneira tão única que tenho dificuldades em imaginar uma melhor escolha para interpretar a personagem, que também é um destaque em si. O arco de Enola é genuinamente empoderador. Não parece uma declaração política forçada nem uma decisão narrativamente ilógica ao desenvolver a personagem como Thorne a escreveu. Todos os enigmas que tenta decifrar, todos os planos que precisa de criar para salvar alguém ou algo e todas as escolhas que faz são merecidas e justificadas. Enola não se deixa restringir pelas regras da velha sociedade de como o mundo deve funcionar. Quer ser ela própria sem ter que responder perante ninguém. Pode ser uma mensagem genérica, mas é transmitida através de uma execução perfeita.

Em relação ao resto do elenco, Henry Cavill é uma grande surpresa como Sherlock e não ficarei chocado se a personagem gerar alguma polémica (atualização: gerou). É uma versão bem diferente do Sherlock distante, sem emoções e excessivamente analítico que Robert Downey Jr. e Benedict Cumberbatch interpretaram, algo que recebo de braços bem abertos. Não me importo com direitos ou origens. Uma personagem é o que o ator e argumentista(s) fizerem da mesma. Não pertence a ninguém e muito menos aos “fãs”. Cavill mostra um lado mais atrevido e subtilmente engraçado do que o que costuma apresentar, enquanto que Thorne ajustou alguns traços específicos da clássica personagem. Louis Partridge e Sam Claflin são ambos excelentes como Lord Viscount Tewksbury e Mycroft, respetivamente. Os restantes atores conseguem prestações decentes, mas os dois destaques são, sem dúvida, Millie e Cavill.

Quanto ao filme em si, estava pronto para escrever “é ok” meia hora antes de o terminar. Embora seja único em várias áreas, Enola Holmes não deixa de seguir uma história bastante genérica, com pontos de enredo formulaicos e o drama habitual entre personagens. Infelizmente, não traz nada de novo em termos de história. Não apresenta quaisquer surpresas, o que não é um bom atributo para um filme com um mistério central a guiar a narrativa.

No entanto, esta falta de entusiasmo leva-me a um problema significativo que não esperava encontrar na segunda metade do filme. O tal mistério não é realmente um e é posto de lado a meio do filme… uma decisão narrativa questionável. Não me lembro da última vez (se alguma vez) em que um filme descarta completamente o seu enredo principal (aquele que recebeu um primeiro ato inteiro de introdução), substituindo-o por um arco romântico entre jovens adultos (que até é convincente, mas não para ser a narrativa principal).

Enola Holmes

Sou um firme defensor da metodologia de não ver trailers. Expectativas podem moldar totalmente a opinião do espetador e, hoje em dia, os trailers mostram-se enganadores, mentirosos e mostram demasiado. Não vi nada relacionado com este filme, vendo-o 100% cego. Se tivesse assistido ao trailer oficial de Enola Holmes antes de ver o filme, estaria inclinado para o lado negativo da linha divisiva em que me encontro agora. O trailer concentra-se naquilo que a maioria das pessoas espera do filme: o mistério principal em torno do desaparecimento da mãe de Enola. Tendo em conta o desenvolvimento real do filme, é seguro escrever que o trailer é, no mínimo, um pouco enganador.

Sendo assim, Enola Holmes oferece uma agradável e refrescante visão de uma franchise que pode ter ganho um novo futuro. Focando-se na irmã de Sherlock Holmes, Harry Bradbeer e Jack Thorne apresentam uma história leve, divertida e entretida, repleta de ação, pistas para decifrar e um elenco brilhante.

Millie Bobby Brown continua a subir as escadas do sucesso, demonstrando versatilidade, alcance emocional e imensa maturidade enquanto jovem atriz. É uma questão de tempo até se tornar numa das atrizes mais cobiçadas de Hollywood. A química que partilha com Henry Cavill e Louis Partridge é fenomenal e as quebras da “fourth wall” são fascinantes. Tecnicamente, os pensamentos e sentimentos de Enola são perfeitamente transmitidos ao público através de uma excelente edição, cinematografia e banda sonora.

No entanto, relativamente à história, é tão genérica quanto poderia ser, contendo absolutamente nenhuma surpresa e um mistério central que não é bem um mistério. É um filme inofensivo para desfrutar num domingo à tarde com família e amigos, mas deixo o aviso: o trailer é um bocado enganador, logo mantenham as mentes abertas e as expectativas moderadas.

Enola Holmes fica disponível esta quarta-feira, dia 23 de setembro, na Netflix.

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