Stranger of Paradise: Final Fantasy Origins – Os amigos que fazemos pelo caminho

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A Team Ninja reaproveita a fórmula de sucesso de Nioh para nos dar um dos spin-offs mais peculiares, mas mecanicamente empolgantes da série Final Fantasy.

De certeza que já ouviram esta história, mas é importante relembrar. Hironobu Sakaguchi era um desconhecido em 1987. Apesar da sua experiência na indústria dos videojogos, onde já havia trabalhado em títulos como Rad Racer e King’s Knight, Sakaguchi era apenas um entre muitos, longe de ser um nome sonante como Shigeru Miyamoto ou Yūji Horii. Reza a lenda, que já foi contada por tantos e de tantas formas, que Sakaguchi e a Square estavam destinados ao esquecimento em 1987. Para sobreviver, a produtora apostou as suas esperanças num RPG para a NES, um género em crescimento gradual no Japão. Se o projeto falhasse, a Square teria de fechar as suas portas. Seria o fim para todos, um adeus à indústria dos videojogos. Sem saber o que o esperava, Sakaguchi decidiu dar a este projeto um título inspirador, mas também simbólico: Final Fantasy. Em 1987, o primeiro capítulo desta longa série chegou às lojas japonesas e foi um sucesso. A última esperança transformou-se no futuro da Square – que viria a adotar Soft e Enix no seu título – e deste jovem Sakaguchi, ainda sem saber o que o aguardava no futuro. Esta história é falsa.

Uma história é tantas vezes contada que se torna verdadeira e parte da cultura geral. Se perguntarem a qualquer fã de Final Fantasy quais são as origens do seu título, uma grande percentagem irá contar a lengalenga que apresentei em cima e eu percebo porquê: é uma história clássica de artistas contra todas as adversidades. É uma narrativa que queremos acreditar como real porque, tal como a Square, queremos acreditar que tudo é possível neste mundo tão injusto. É a fórmula mágica de Hollywood e dos contos de fada. Querem saber porque a Square escolheu Final Fantasy entre tantos títulos? Marketing. Segundo Sakaguchi, a produtora queria um título que pudesse ser abreviado para FF, algo que, segundo o criador da série, funcionaria muito bem no Japão, mas também no ocidente. Final Fantasy não foi sequer o primeiro título desta série, mas sim Fighting Fantasy. E sabem porque decidiram mudar? Porque já existiam livros de RPG com o mesmo nome. Mas quem quer saber da realidade quando existe uma ideia pré-definida e bonitinha sobre a série que tanto emocionou os seus fãs ao longo de 35 anos?

Tal como a lenda que deturpou as origens da série, Stranger of Paradise: Final Fantasy Origins surge-nos como mais um produto que procura conquistar um lugar na indústria ao imitar o que é mais popular. Num primeiro contacto, este recontar da clássica demanda em busca dos cristais não é mais do que uma cópia dos mais recentes RPG de ação, onde é impossível não fazer as cansativas comparações às séries da From Software, mas sob a pele de 35 anos de história de uma série que nunca teve medo de se moldar às tendências. O seu estilo irreverente, que readapta o design visual de Tetsuya Nomura e expande-o para todas as vertentes artísticas deste spin-off, parece ser mais uma tentativa de tornar algo intragável em consumível, como se tivesse sido criado num laboratório para captar a imaginação dos fãs de Final Fantasy ao dar-lhes algo novo, mas igualmente fácil de odiar. A lenda de Stranger of Paradise: Final Fantasy Origins começou assim que a Square-Enix e a Team Ninja lançaram o primeiro trailer. Ninguém ficou indiferente. Lembro-me de criticar e brincar com acidez com o que parecia ser um Dark Souls dos 300; feio, desinteressante e um produto sem imaginação ou valores próprios. Meses depois, é um dos jogos mais falados de 2022, recebendo críticas muito positivas e surpreendendo tudo e todos. É um meme – tal como as origens de Final Fantasy ainda o são.

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O que surge como um verdadeiro tijolo sobre uma casa de vidros é o tom de Stranger of Paradise.

Stranger of Paradise: Final Fantasy Origins é um RPG de ação. Claro que é. O marketing assim o ditou. Não é, no entanto, a primeira vez que a Square-Enix permite que a sua série seja readapta a géneros diferentes e as mecânicas de ação em tempo real são claramente um dos seus objetivos para o futuro da série. Se Dirge of Cerberus foi uma experiência falhada, já Final Fantasy XV e Final Fantasy VII Remake criaram os moldes perfeitos para o que poderá vir a ser Final Fantasy XVI, que contará com um sistema de combate ainda mais vocacionado para a ação frenética – não tivesse a Square-Enix requisitado os talentos de Ryota Suzuki, um dos membros da equipa de Devil May Cry.

Stranger of Paradise surge nesta mudança de paradigma, parte imitação, parte tentativa honesta de injetar nova vida e energia a uma série que sempre quis ser mais do que realmente é. No entanto, a Team Ninja não procurou reinventar a franquia desde os seus alicerces e a história de Jack é muito mais familiar do que aparentava ser. Não falo apenas da história dos Cavaleiros da Luz, dos cristais que têm de ser colecionados e do malvado Chaos – que todos nós queremos matar, ainda mais em 2022 –, mas sim da própria estrutura do jogo. Apesar de se dividir por capítulos e níveis independentes, muito semelhante ao vimos em Nioh e na sua sequela, Stranger of Paradise mantém viva a alma clássica da série ao levar-nos numa aventura muito próxima ao que vimos em Final Fantasy, Final Fantasy II e até Final Fantasy IV. Exploramos cavernas em busca de piratas, descobrimos castelos para enfrentarmos Elfos e desbravamos florestas para descobrirmos cristais e monstros familiares para todos os que conhecem a série como a palma das suas mãos. Isto é Final Fantasy.

O que surge como um verdadeiro tijolo sobre uma casa de vidros é o tom de Stranger of Paradise. A série sempre lidou com temas mais emocionais e com protagonistas marcados pelo seu passado e dilemas psicológicos, onde podemos apontar novamente para Dirge of Cerberus e para o retrato de Vincent ao longo da campanha para percebemos como tudo poderia ser pior neste novo spin-off. No entanto, Stranger of Paradise apresenta-se através de Jack, o seu protagonista, uma das personagens mais consistentes que já encontrei na série. Jack é unidimensional, o pior tipo de personagem que podemos criar, onde as suas motivações resumem-se a eliminar Chaos a todo o custo, não querendo saber do bem estar dos outros que estão à sua volta. Noutro jogo, teria detestado Jack, mas como posso ficar chateado com uma personagem que se apresenta a ouvir Frank Sinatra enquanto caminha por um campo de flores e que interrompe todos os monólogos aborrecidos e desnecessariamente longos dos vilões? É impossível. Apesar da sua falta de personalidade, tenho de admitir que existe um charme peculiar na sua falta de paciência, como se a Team Ninja estivesse a falar diretamente para mim e para o meu relacionamento problemático com os RPG atuais.

Esta ausência de complexidade nas personagens e na história de Stranger of Paradise vai chatear e irritar os fãs da série, que procuram a tradicional demanda de heróis contra as maiores adversidades. Este não é o vosso jogo: fica o aviso. Apesar de se mover com a pele de Final Fantasy, reconstruindo momentos da campanha do primeiro título da série, a Team Ninja procurou destilar os seus elementos principais ao básico e colmatar este vazio com a jogabilidade e os inúmeros sistemas que dão vida às suas mecânicas. A profundidade mecânica de Stranger of Paradise é surpreendente, algo que já havia ficado claro nas demonstrações lançadas pela Square-Enix, mas que aqui ganham todo um novo contexto.

Por onde começar? Talvez pela adaptação de um dos sistemas mais populares da série Final Fantasy: os Jobs. Tal como em Final Fantasy III, Stranger of Paradise apresenta várias classes que procuram transformar a experiência de combate ao dar às personagens novas habilidades e a possibilidade de utilizarem armas e equipamentos específicos. À medida que utilizam estas classes, têm acesso a novos atributos passivos, mas também a habilidades especiais e a combinações que intensificam as vossas opções em combate. Podem evoluir cada classe até ao nível 30, mas também melhorar a sua ressonância e desbloquear ainda mais atributos adicionais para as personagens, que se torna essencial à medida que avançam na campanha – ainda mais do que simplesmente apostar nos equipamentos com melhores atributos. Como só têm acesso a novos Jobs ao utilizarem outros específicos, o jogo motiva-vos a mudar de classe regularmente para terem acesso a versões melhoradas das iniciais, como Knight, Samurai e Warrior, que surgem como evoluções de Swordfighter, Ronin Marauder.

“Muito mais profundo do que um jogo intitulado Stranger of Paradise alguma vez mereceria.”

A evolução das personagens está ligada às classes e Stranger of Paradise não necessita do convencional sistema de níveis para ser interessante. A melhoria dos atributos das personagens surge pela combinação de peças de equipamento – desde os capacetes até às botas – à medida que melhoramos o sincronismo das classes com armas e equipamentos únicos. Tal como noutros títulos da série, pode ser intimidante abandonar a vossa classe favorita, mas é absolutamente necessário. Não só têm acesso a novas habilidades, como alguns destes ataques especiais podem ser acedidos por outras classes, existindo sempre uma evolução gratificante e não um retrocesso na progressão das personagens e da campanha. Basta olharmos para a evolução das classes para percebermos que a Koei Tecmo e a Team Ninja quiseram respeitar a série, mas também adaptar algumas das mecânicas mais importantes de Nioh, como a possibilidade de construirmos combinações com ataques que desbloqueamos entre classes. Também é importante referir que as classes comportam-se de forma diferente e que existe uma atenção ao tipo de ataques e habilidades que podemos utilizar em combate. Não é perfeito, especialmente porque encontramos algum desequilíbrio entre classes e inimigos, mas é um sistema de evolução muito mais profundo do que um jogo intitulado Stranger of Paradise alguma vez mereceria.

Esta profundidade mantém-se em combate. Como um RPG de ação, Stranger of Paradise é capaz de aproveitar a variedade de classes, armas e inimigos para construir um sistema de combate desafiante, mas também recompensador. Jack tem acesso a ataques rápidos, mas também a combinações que lhe permitem controlar as hordas de inimigos ao prescindir de MP (ou Magic Points) para disferir ataques poderosos e com propriedades de atordoamento. Tal como Sekiro: Shadows Die Twice, Stranger of Paradise foca-se muito nesta dicotomia entre eliminar inimigos, mas também derrubá-los, permitindo a Jack eliminá-los num só ataque. Para tal, é necessário atingir os seus pontos fracos – com a Team Ninja a adaptar, mais uma vez, este sistema clássico da série Final Fantasy a este ambiente mais vocacionado para a ação – e disferir golpes mais poderosos para quebrar as suas defesas. Estes ataques finais, ou execuções, interligam-se com o sistema de MP, pois permitem que aumentemos esta barra à medida que eliminamos inimigos. Fica, no entanto, um aviso: se perderem, o MP é reduzido até chegar ao seu ponto inicial.

O sistema de magia é possivelmente um dos elementos que influenciará o vosso divertimento com Stranger of Paradise. Como mencionei anteriormente, este elemento fulcral da série é transformado num híbrido entre pontos de magia e de stamina, influenciando não só as magias, mas também os ataques mais destrutivos de Jack. O MP está limitado, no início de cada missão, a dois quadrados, mas pode ser aumentado à medida que executam inimigos pelas masmorras. Isto significa que não podem apenas depender das habilidades especiais de Jack e muito menos limitarem-se à defesa, relegando os vossos companheiros de viagem ao ataque. Se querem mais opções de combate têm de se manter ativos nas batalhas, até porque só assim poderão aprender habilidades temporárias únicas de certos inimigos.

Jack também tem uma barra de atordoamento, tal como os inimigos, que limita o número de ataques que consegue bloquear, mas também quando pode contra-atacar. O que me fascina em Stranger of Paradise é que os seus sistemas são muitas vezes versáteis e aproveitados em vários formatos diferentes, como o Soul Shield, que tanto serve como parry, como permite que copiemos as habilidades do inimigos. Como disse, existe profundidade nesta aberração de tonalidades. Olhemos também para o sistema de combinações, que nos permite mudar os ataques especiais no final de cada sucessão de golpes. Não estamos presos a combinações fechadas e sem personalização. Antes pelo contrário, Stranger of Paradise quer que moldemos a experiência à nossa vontade, movendo-se entre esta sucessão de mecânicas, mas sem nunca deixar de ser intuitivo. Pode ser intimidante num primeiro contacto, tal como Nioh, mas é muito mais acessível e fácil de operar do que podemos pensar. Explorem à vossa vontade.

Stranger of Paradise perde a sua verve quando saímos de Jack e da sua arrogância narrativa e mecânica. A gestão da equipa é muito mais limitada do que pensava, permitindo que mudemos os equipamentos dos nossos companheiros, mas pouco mais do que isso. O desbloqueio das classes está relegado à campanha, com as personagens a relembrarem-se de outros Jobs, que, infelizmente, nunca fogem muito ao inicial. Isto significa que Ash terá sempre um foco nos ataques físicos, tal como Jed mantém-se como um lutador focado na velocidade e Neon numa variante entre cavaleiros e magias. O foco está em Jack e não podemos controlar estes Guerreiros da Luz fora a possibilidade de os comandarmos a atacar mais ferozmente em combate.

As comparações constantes a Nioh não são descabidas e Stranger of Paradise bebe muito da mesma fonte que alimentou a série da Team Ninja.

As comparações constantes a Nioh não são descabidas e Stranger of Paradise bebe muito da mesma fonte que alimentou a série da Team Ninja. Basta olharmos para o mapa-mundo, também ele relegado a menus muito desinteressantes, para vermos as semelhanças entre ambos os jogos, tal como a aposta em missões secundárias que se limitam quase sempre à eliminação de um grupo de inimigos ou à luta contra uma criatura mais megalómana. Estas missões são essenciais para melhorarem os atributos das personagens, tal como ter acesso a resmas impressionantes de armas e equipamentos – outra semelhança que Stranger of Paradise partilha com Nioh -, mas são muito limitadas e repetem os cenários das missões principais, invertendo apenas a sua ordem e não muito mais. Seria preferível termos menos missões secundárias, mas com alguma curadoria do que este meio-termo nem sempre satisfatório. Como as masmorras principais já não são muito interessantes numa primeira passagem, compostas por corredores repetitivos e alguns elementos diferenciadores – como canhões que temos de utilizar para revelar passagens escondidas ou torres que precisamos de tombar -, podem imaginar que ainda é mais insuportável repetir estes cenários cansativos.

A cidade de Cornelia surge como uma espécie de ponto de partida para a aventura de Jack e mantém-se como um dos locais onde podemos conviver com outras personagens e até melhorar o nosso equipamento. Porém, esta interação é limitada a diálogos estáticos sobre menus insípidos, adicionando muito pouco à cidade e ao mundo de Stranger of Paradise. Já o ferreiro funciona como em qualquer outro videojogo deste género, permitindo que melhoremos atributos dos equipamentos, mas também o desmantelamento das peças que não quisermos. O mundo é, desta forma, muito mais pequeno e limitado do que poderia ser, relegado a menus e a masmorras. Infelizmente, esta pode ter sido a melhor decisão da Koei Tecmo e da Team Ninja porque assim são capazes de esconder ainda mais os gráficos pouco surpreendentes de Stranger of Paradise, que parecem estar presos à geração anterior. Apesar das opções gráficas, onde temos os tradicionais “performance” e “qualidade”, e da possibilidade de utilizarem HDR, Stranger of Paradise não é apelativo dentro e fora da sua direção de arte, surgindo quase como desfocado entre as cores berrantes dos cenários exteriores e as sombras pouco proeminentes das cavernas e masmorras que exploramos ao longo da campanha.

Assim é Stranger of Paradise: Final Fantasy Origins, um jogo inconsistente, repleto de decisões estranhas de design, mas cheio de alma e muito mais profundo mecanicamente do que poderíamos esperar. A sua popularidade poderá ser uma espada de dois gumes, mas só o tempo dirá se os fãs estarão dispostos a embarcar nesta aventura com Jack, naquela que é a reinterpretação mais estranha, desnecessária, louca, mas igualmente interessante e refrescante da lenda de Final Fantasy. Afinal, o que é Final Fantasy neste momento? Será Stranger of Paradise assim tão peculiar para merecer o ódio e descontentamento dos fãs durante a sua revelação ou apenas mais uma jogada de marketing para chegar a um público mais extenso e predisposto a mergulhar na sua estranheza? As origens podem ser recontadas, mas nunca alteradas e é isso que une a série Final Fantasy no final do dia: vender, vender e vender.

Ainda assim, Stranger of Paradise conquistou-me. Temos de ver o copo meio cheio.

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Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.

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