Um mês cheio de nomes grandes a mostrarem o que sabem fazer melhor e com aquele que vai ser um sério candidato a álbum do ano.
Avril Lavigne, Gorillaz, Paramore e Skrillex (em dose dupla), são alguns dos nomes que pautaram o mês de fevereiro, mas foi Caroline Polachek que mais brilhou, a par de Young Fathers e a banda de Hayley Williams. Houve também tempo para o surpreendente álbum de estreia de RAYE e mais uma mão cheia de trabalhos assinaláveis.
Avril Lavigne – Love Sux
Género: Pop-Punk/Alternative Rock
Ouvir no Spotify
Por vezes, recorro ao trunfo “contexto” para justificar o porquê de um álbum merecer o nosso tempo de antena. Love Sux, de Avril Lavigne, é um desses álbuns. Como tal, decidi incluí-lo na lista final dos essenciais, do mês em causa.
Aceito que, neste caso, seja alegado que o contexto é uma espada com dois gumes, se olharmos para o facto de que Avril Lavigne tem 37 anos e acabou de lançar um álbum com a mesma abordagem que tinha há duas décadas quando, no auge da sua adolescência, tomou todos os charts mundiais de assalto. No entanto, não aceito que se ignore o facto que Avril Lavigne conseguiu fazer o que muitos músicos que caem no esquecimento falham em fazer: gravar um álbum autêntico, com a mesma energia, sem ser enfadonho ou exasperante.
Banger seguido de banger, Love Sux é um hino aos anos de ouro do Pop Rock, protagonizado por uma artista que o moldou. É emocionante e inacreditável ao mesmo tempo, cair na real e constatar que Avril bebeu da fonte da juventude e gravou um álbum que parece ter sido concebido há 20 anos e congelado dentro de uma cápsula do tempo, só aberta em 2023. E o melhor? É que é um trabalho deveras convincente, com o qual Avril parece ter-se divertido à brava a produzi-lo.
A artista canadiana tem uma missão inglória com Love Sux, que se prende com ter de se defender de todo o ódio injustificado, direcionado à música que produz com a idade que tem (coisa que, ironicamente, não é problema com artistas masculinos). Dado que este é o seu melhor álbum até à data, diria que o problema não é de Avril, mas sim daqueles que cresceram e mudaram tanto que perderam contacto com a música que um dia foi parte das suas vidas.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Cannonball
> Bite Me
> Avalanche
> All I Wanted (ft. Mark Hoppus)
Black Belt Eagle Scout – The Land, the Water, the Sky
Género: Post-Rock
Ouvir no Spotify
Katherine Paul é a mulher por detrás do projeto Black Belt Eagle Scout, no qual é cantora e multi-instrumentalista. À sua habilidade musical, que já vem de tenra idade (tendo começado a atuar aos 15 anos), Paul vai buscar muita da sua inspiração à sua herança. Nativa dos Estados Unidos e pertencente à comunidade Swinomish (Washington State), bem como à comunidade LGBTQ+, muita da sua música vem de experiências pessoais e explora temas de identidade, pertença e conexão com a natureza – como se de uma carta de amor ao seu seio mais próximo se tratasse.
Ao segundo álbum, At the Party With My Brown Friends (2019), a artista ganhou o fôlego e a confiança necessária para se lançar em voos maiores, com o toque que lhe permite atingir uma maior audiência, graças a uma quantidade de músicas amplamente mais cativantes. Em 2023 confirma a promessa, com graciosidade da sua voz, quase cósmica, que desenvolve uma aura espiritual em torno de cada música e cria uma atmosfera difícil de igualar.
Diria que The Land, the Water, the Sky tem das faixas mais bonitas de Post-Rock que já ouvi. Apesar de não ser perfeito e ter os seus altos e baixos (mais altos do que baixos) é, sem dúvida, o álbum mais belo de Paul até à data. Recheado de momentos deslumbrantes e emotivos que, no seu núcleo, contêm uma chama que arde devagar, mas sem tremer, somos presenteados com texturas distorcidas de guitarras – desde o primeiro instante do álbum – que criam um ambiente terapêutico fácil de saborear.
Ao longo de 12 faixas, somos levados com Paul numa viagem sensorial do que foi crescer no seio da comunidade que cultivou nela tudo o que é hoje. Diria que é com “Spaces” que a artista abre a porta da sua alma a todos os fãs e que músicas como esta são tão raras como preciosas. Ainda acham difícil perceber como é que Black Belt Eagle Scout, em tão pouco tempo, se tornou tão acarinhada pelos fãs de Dream Pop? Eu não!
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> My Blood Runs Through This Land
> Sedna
> Salmon Stinta
> Nobody
> Understanding
> Spaces
Caroline Polachek – Desire, I Want to Turn Into You
Género: Art Pop/New-Age
Ouvir no Spotify
Depois de Pang (2019) ter sido um sucesso instantâneo que deu provas da inventividade e irreverência criativa de Caroline Polachek a solo e, inevitavelmente, a confirmou como o génio por detrás dos Chairlift, tendo “Ocean of Tears” figurado na minha lista final de 100 melhores músicas desse mesmo ano, Caroline Polachek foi dando pistas do que esperar deste, tão aguardado, novo álbum. Em 2021 lançou “Bunny Is A Rider” e, em 2022, “Billions” (4º e 36º nos meus tops 100 dos respetivos anos), “Sunset” e “Welcome to My Island”. Finalmente, em fevereiro de 2023, temos o álbum!
Escusado será dizer que Desire, I Want to Turn Into You era basicamente o meu motto aquando do lançamento deste álbum. Não fui o único com esse motto, dado que a artista entrou em tour europeia nessa mesma semana e estive em duas das cidades por onde passou nos dias em que ia atuar (Amsterdão e Antuérpia) e não consegui arranjar bilhete, nem no TicketSwap, tal era a loucura para a ver. Acabei por ver os Bring Me The Horizon em Amsterdão e não saí a perder, embora a vontade de a ver ao vivo este ano continue bem lá em cima – parece que em julho vai estar nos Super Bock Super Rock e, caso tudo corra como planeado, lá estarei.
Num mercado saturado de Pop formulaico, aparece um artista a cada cinco anos que consegue fugir à fórmula sem desvirtuar o género. Caroline Polachek, considerada por muitos um misto entre Kate Bush e Björk (o que por si só já diz muito sobre ela) não por ser a imagem de nenhuma delas, mas por ter o melhor de ambas – habilidade vocal e imaginação soberba. Sim, é essa artista.
Em relação ao álbum em si, é geracional e, diria até, histórico. É ousado porque quebra barreiras e excitante por levar-nos com ele em busca do desconhecido. Cada faixa tem a sua personalidade, tornando a sua audição deveras dinâmica e imprevisível, e tem variações melódicas assombrosas e hipnotizantes. A somar a isto tudo é uma obra emocional, abrangente e extremamente consistente. Podia guardar elogios, mas para quê, se ainda tenho mais uma dúzia deles em mente? A cada faixa que passa, temos uma demonstração ímpar de que ainda não ouvimos de tudo o que a música tem para oferecer. Nesta viagem, o Pop pode ser o núcleo, mas tem o apoio do Trip-Hop, New Wave, Trance e até Flamenco, mostrando-nos todo um mundo por descobrir, apreciar e chorar por mais.
Tenho muito poucas dúvidas que Desire, I Want to Turn Into You vai ser um daqueles álbuns revisitados nas décadas vindouras e estudado como uma obra que deu um enorme contributo para a história da música. Caroline Polachek virou-se para a carreira a solo já um pouco tarde, mas com dois álbuns em quatro anos, já passou toda a sua competição do passado, presente e futuro. A verdade é que a artista nunca se regeu pelo que é considerado convencional e, agora, é a referência para todos os que por ela foram suplantados.
Se tiver de apostar, diria que dificilmente 2023 vai ter um álbum mais fabuloso que Desire, I Want to Turn Into You. Com apenas 12 pinceladas, Carolina Polachek compôs uma obra de arte que transpira vibrações de “I’m her!“.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> Welcome To My Island
> Bunny Is a Rider
> I Believe
> Hopedrunk Everasking
> Smoke
> Billions
Gorillaz – Cracker Island
Género: Electropop/Synth Pop
Ouvir no Spotify
Já há mais de duas décadas que Damon Albarn é considerado por muitos um dos artistas mais completos e engenhosos, ao ponto de (a par com Jamie Hewlett) ter todo um universo cinematográfico a dar vida à música que “desenha” e, por vezes, até a transcende, desenvolvendo uma imagem de marca tão característica e única. No entanto, um problema que nasceu em 2017 e já não é filho único.
Após Plastic Beach e The Fall (nome curioso para o que simbolizou o álbum), Damon Albarn viu a sua hegemonia de trabalhos quase a tocar no sublime a perder algum brilho e desapareceu do mapa durante quase sete anos, que de certa forma até funcionaram a seu favor, pois Gorillaz (2001) e Demon Days (2005) foram tão amplamente marcantes que os álbuns seguintes passaram despercebidos e o “mito” por detrás de Gorillaz cresceu. Os fãs nunca deixaram de querer mais.
Num mercado onde as colaborações entre artistas são quase inevitáveis, vimos Damon Albarn a abrir as portas a um universo de possibilidades que, apesar de não terem funcionado bem com Plastic Beach (do qual a melhor música é de autoria exclusiva do artista), tinham espaço e tempo para inverter a tendência negativa. Assim sendo, tivemos em Humanz (2017) um regresso decente, mas pouco sucinto. Albarn disparou para todos os lados e alguns tiros acertaram no alvo, outros nunca o tiveram na mira, num álbum extremamente longo que não justificava toda a sua extensão.
Seguiu-se The Now Now (2018), quase a solo, que não superou The Fall por muito, e Song Machine, Season One: Strange Timez (2020), que foi muito semelhante a Humanz, com algumas individualidades interessantes das quais se destacaram “Aries” (em colaboração com Peter Hook e Georgia) ou “Momentary Bliss” (com slowthai e Slaves), mas que de história teve tão pouco como os dois anteriores e, inevitavelmente, começa a criar um padrão algo deprimente.
Gorillaz tem a imagem de marca, o legado e o potencial, mas vive de máquina oleada entre 2001 e 2005 e vai sobrevivendo de singles apimentados por colaborações que trazem algo novo e especial ao som de Albarn, aqui e ali. Cracker Island é mais um produto de colaborações, com uma série de artistas que vão mantendo a chama e legado de Albarn acesa. No entanto, no ponto de situação atual, diria que os álbuns de Gorillaz são mais de quem colabora com eles do que dos Gorillaz em si. Ao longo deste novo álbum vemos artistas como Bad Bunny, Stevie Nicks, De La Soul e Tame Impala a serem eles próprios, assumindo o leme da música em questão e Albarn a dar o seu contributo aqui e ali.
Não me interpretem mal, até porque considero Cracker Island um dos álbuns essenciais do mês de fevereiro. O que me atormenta é que é um álbum essencial porque tem individualidades fortes ao longo dele, mas de Gorillaz tem pouco (ou pelo menos pouco de novo) – acho que só “Baby Queen” traz vislumbres do que Albarn ainda tem para dar, num dia mais inspirado – e de história ou seguimento lógico, não tem quase nada.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Silent Running (ft. Adeleye Omotayo)
> New Gold (ft. Tame Impala & Bootie Brown)
> Baby Queen
> Tormenta (ft. Bad Bunny)
Paramore – This Is Why
Género: Post-Punk/Alternative Rock
Ouvir no Spotify
Fruto da mudança dos tempos, e após After Laughter (2017), que trouxe toda uma nova abordagem melódica e reinventou a imagem de marca da banda, This Is Why dá continuidade à navegação longe das marés por onde os Paramore outrora passaram, há mais de uma década. A verdade é que este regresso de Paramore é, na verdade, apenas um misto entre o último trabalho de 2017 e a “continuação” do que Hayley Williams fez a solo (e bem) em 2020, com Petals For Armor, e em 2021 com FLOWERS for VASES / descansos, que de certa forma já trazia suspeitas de um possível reatar dos Paramores enquanto banda.
Como previsto, aconteceu. A apreciação é francamente positiva, dado que a banda, agora com uma nova maturidade, consegue um leque de músicas mais refinadas melodicamente, dotadas de uma mensagem com mais conteúdo e profundidade.
Neste regresso dos Paramore há espaço para tudo, com conta, peso e medida. Há faixas como “The News”, “Running Out Of Time” que vão buscar influências aos trabalhos originais da banda, mais ligados ao Punk Rock. Há faixas com sonoridades mais joviais e ritmos em tom de troça como “This Is Why” e “C’est Comme Ça”, que pedem emprestado ao estado de espírito da banda em 2017. Há também espaço para Hayley Williams ser aquilo que a tem definido nos últimos anos com os seus álbuns a solo, como em “Big Man, Little Dignity” ou “Thick Skull” – que fecha o álbum bem lá em cima.
Depois, temos “Crave”, que, para mim, é talvez a música mais balanceada e deslumbrante, quer a nível instrumental, quer a nível lírico, de This Is Why. Uma música que resume bem o resultado de quase duas décadas de carreira dos Paramore. Somadas todas as partes, diria que, se este não é o melhor álbum da banda, fica pouco atrás de After Laughter.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> The News
> Running Out Of Time
> C’est Comme Ça
> Crave
> Thick Skull
RAYE – My 21st Century Blues
Género: Pop/Blues
Ouvir no Spotify
RAYE é uma artista em construção desde 2014, ano no qual lançou o seu primeiro EP, Welcome to the Winter, quando tinha apenas 17 anos. Apesar da idade, já calçava sapatos maiores do que os seus pés, não por não ter potencial para os encher, mas porque o seu talento tinha tudo para se “moldar” às expectativas criadas pela própria.
Foram precisos uns anos até ao álbum de afirmação, mas, nos entretantos, foram lançados singles que resultaram em nomeações (entre 2018 e 2022) para os Brit Awards de single do ano e “Best Dance Act”, um global award de melhor artista feminina, entre outros. De todas essas nomeações saiu uma vitória, em 2019, nos BMI Awards. Começou 2023, saiu novo álbum e, com ele, veio um Global Award para “Best Social Trended Song” relativo à música “Escapism”, que conta com a colaboração de 070 Shake – não há de ser o último.
My 21st Century Blues pode ser caracterizado pelo jeito como dá maleabilidade ao género Pop, encontrando fortes influências em Blues e Dancehall. Recheado de momentos épicos, um pouco por todo ele, sejam eles a nível melódico (maioritariamente) ou a nível da força que Raye consegue dar a cada faixa, este álbum é uma afirmação segura de tudo o que poderia ser esperado da artista britânica, que nos guia numa bela viagem: umas vezes tocante, umas vezes sedutora, umas vezes elucidativa e outras vezes só espetacular.
Aproveito para salientar a importância da música que produz, usando duas músicas como exemplo. “Ice Cream Man.”, onde a artista revisita um momento menos bom da sua vida e que é, sem dúvida, a música mais consciente e vulnerável do álbum, abordando o consentimento de uma forma poderosa, “Body Dysmorphia.”, que toca noutro tema sensível e atual – o da apreciação e aceitação do nosso corpo e as inseguranças que essa incapacidade traz.
Ainda que My 21st Century Blues seja um trabalho muito bom, a primeira metade é ligeiramente superior à segunda, como um todo. Não obstante, este é um daqueles álbuns que faz sentido ouvir do início ao fim, várias vezes, sem saltar músicas.
Sobre RAYE, é uma daquelas artistas que tem tudo para atingir o auge num curto espaço de tempo e deixar os fãs do Pop (e não só) rendidos, sem grande resistência.
Para terminar, fecho com a premissa com que abri esta abordagem ao seu álbum de estreia: os sapatos. Curiosamente, na capa deste álbum, a artista surge com uns sapatos alguns tamanhos acima do seu… Sei que sabem o que quero dizer com isso.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> Hard Out Here.
> Black Mascara.
> Escapism.
> Ice Cream Man.
> Body Dysmorphia.
> Worth It.
Skrillex – Quest for Fire
Género: Dance-Pop/Dubstep
Ouvir no Spotify
Se quiser ser sincero, tenho de revelar que fui fã de Skrillex durante o apogeu do Dubstep, que explodiu graças a ele. Contudo, tal como como a maioria dos géneros musicais de nichos que explodem do dia para a noite e se desvanecem com o amanhecer, o dubstep também teve o seu ciclo. Skrillex foi perspicaz ao perceber isso, fechando esse ciclo em beleza, ainda em 2014, com o seu álbum Recess. Apesar de ter claras influências e sonoridades do género-mãe, Skrillex hibridizou-o com melodias e batidas mais fáceis de interiorizar, tal como em “Ease My Mind” ou em “Recess”.
Um ano depois, o mundo viu chegar uma colaboração que dois anos antes seria impensável, entre Skrillex e um dos produtores e DJ’s mais tenazes da altura, que deixava a sua assinatura em tudo o que era hit. Falo, pois claro, de Diplo. Jack Ü foi um álbum 100% colaborativo onde a loucura de Skrillex encontrou um catalisador e a previsibilidade de Diplo encontrou uma visão redesenhada pela forma como a música electrónica pode ser explorada. Os artistas convidados desse álbum foram uma autêntica passarela musical da época em questão, onde “desfilaram” nomes como Kiesza, 2 Chainz, AlunaGeorge ou Justin Bieber.
Pouco depois disso, Sonny John Moore desapareceu das luzes da ribalta e, em determinada altura, entrando numa espiral descendente que se estendeu até 2022, ano em que reconheceu o problema e quis meter um travão na coisa, tendo-o revelado no início de 2023, numa série de tweets sinceros e algo corajosos.
Nem um mês depois, somos presenteados com o seu primeiro álbum em oito anos, e é um trabalho francamente bem concebido. Quem não esteve atento aos seus últimos dois álbuns antes do longo e inesperado hiatus pode ficar envolto numa confusão gerada pela ausência do dubstep puro e duro. No entanto, para os mais atentos, este passo seguinte faz todo o sentido. “Leave Me Like This” é a faixa de abertura e é uma autêntica celebração aos dois mundos do produtor.
Logo a seguir, as rotações continuam lá em cima com “RATATA”, que conta com a presença da lendária Missy Elliott, seguida por “Tears”, que ainda que mais sombria e industrial, tem emoção. Não precisamos de esperar muito para a mais célebre música do álbum, “Rumble”, que foi gravada em parceria com um dos produtores mais proeminentes da atualidade (sem rival). Falo, pois, de Fred Again.. (que vai estar presente na próxima edição do Primavera Sound, no Porto), artista com o qual Skrillex (e Four Tet) tem privado bastante e incendiado salas, estádios, pavilhões, recintos ao ar livre um pouco pelo mundo fora. Segue-se “Butterflies” com, lá está, Four Tet. Pessoalmente, sinto que esta relação entre o trio tenha ajudado em muito John Moore a encontrar a sua chama e paixão pela produção de música eletrónica.
A partir daqui, o álbum acalma e reorganiza-se, mas pouco depois temos, aquela que a meu ver é, a faixa mais sensacional e única do álbum. “XENA” é o nome da música à qual a palestiniana Nai Barghouti empresta a sua belíssima voz, complementada pelo icónico grito de guerra de Xena (a princesa guerreira) a dar ainda mais poder a uma interpretação feita em árabe, na íntegra. A batida, essa, diria que não é nada menos do que seria de esperar da magnificência de Skrillex.
Segue-se mais uma série de músicas de bom nível e chegamos à conclusão de um álbum algo disfuncional, e talvez uns 5-10 minutos mais longo do que deveria ser, mas que tem a assinatura de Skrillex cravada com distinção em todas as suas faixas. A sequência melódica nostálgica entre “Supersonic” e “Still Here” (introduzida por “Hazel Theme”) – que conta com a dimensão electrónica mais dreamy de Porter Robinson – fecham o álbum na perfeição, com uma música que repete aquela que acredito que é a frase que define o que John Moore sente: “still here with the ones that I came with.”
Quest For Fire não é um álbum perfeito, se tivermos como base a sequência lógica de um set de música eletrónica, mas é um álbum muito bom na medida em que vem recheado de faixas que transmitem as sensações certas quando o objetivo é dançar ao som de uma música eletrónica com o poder de gravar momentos bonitos numa memória intemporal. Mas mais importante que isso, deixa claro um facto: Skrillex está de volta.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> Leave Me Like This (ft. Bobby Raps)
> RATATA (ft. Missy Elliott & Mr. Oizo)
> Rumble (ft. Fred Again.. & Flowdan)
> Butterflies (ft. Four Tet & Starrah)
> XENA (ft. Nai Barghouti)
> Supersonic (my existence) [ft. Noisia, josh pan, Dylan Brady)
> Still Here (with the ones that I came with) (ft. Porter Robinson & Bibi Bourelly)
Skrillex – Don’t Get Too Close
Género: Dance-Pop/Urban Pop
Ouvir no Spotify
Se alguém estava algo desapontado com a longa ausência de Skrillex, o produtor fez questão de fazer emendas com os fãs e, um dia depois de lançar o seu novo álbum Quest For Fire, fez questão de lançar outro álbum, Don’t Get Too Close. Feitas as contas, são 27 músicas que prometem contar tudo o que ficou por dizer, ao longo de oito anos e saciar os desejos dos fãs mais ávidos do artista.
A música de abertura, “Don’t Leave Me Like This”, é um claro trocadilho com a música de abertura do álbum lançado 24 horas antes (“Leave Me Like This”), havendo semelhanças na sua composição, sendo que a ideia é vincar a ideia que ainda há mais para ouvir e redescobrir. É seguida imediatamente por “Way Back” que passa o micro a nada mais, nada menos, que PinkPantheress, que se estreou em 2021, cresceu em 2022 e tem tudo para explodir em 2023, num pedaço de céu que é extremamente fiel à música que a define.
Segue-se “Selecta”, uma das faixas mais explosivas do álbum, que re-usa o mesmo sample de “Rumble”, mas de uma forma completamente diferente. Seguem-se depois cinco faixas que, apesar de não serem surpreendentes, são algo aventureiras e deveras interessantes, se tivermos em consideração quem está por detrás da sua produção. Ao longo dessas músicas, podemos somar Young Lean, Kid Cudi e Chief Keef ao já rico repertório de colaborações bem sucedidas de Skrillex.
Falando em colaborações bem sucedidas, Justin Bieber, que viu a sua reputação e aceitação global escalar a uma audiência maior após a sua participação em “Where Are Ü Now” para o álbum Jack Ü (2015), voltou a estas andanças com “Don’t Go”. A ele junta-se Don Toliver e, desta vez, a sonoridade está mais aproximada daquilo que são os artistas convidados do que o oposto. Ainda que a música tenha sido lançada em agosto de 2021, só agora é que foi integrada num álbum.
Don’t Get Too Close não deve ser levado tão a sério como Quest For Fire, porque um deles é um álbum e o outro é mais como que um reaproveitamento de faixas que ficaram por lançar. Ainda assim, esta segunda parte das 24 horas mais loucas da carreira de Skrillex (pelo menos no que toca a lançamentos musicais), tem os seus momentos e é, como referi anteriormente, uma produção aventureira e bem sucedida. Não acho que seja muito boa, mas, dada a relação entre contexto e conteúdo, é um álbum bem conseguido e merece menção. Aproveito para dizer: Skrillex está de volta.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Way Back (ft. PinkPantheress & Trippie Redd)
> Selecta (ft. BEAM)
> 3am (ft. Prentiss & Anthony Green)
> Don’t Go (ft. Justin Bieber & Don Toliver)
Sunny War – Anarchist Gospel
Género: Country Blues/Gospel
Ouvir no Spotify
Eis um álbum que não é comum nos dias que correm, mas que merece toda a atenção que receber. Encabeçado por Sydney Lyndella Ward (mais conhecida por Sunny War), Anarchist Gospel é um álbum cujo nome reflete o sentimento por detrás da sua produção, o de conflito. Falo de um conflito entre os dois lados da artista, um deles auto-destrutivo e o outro que tenta trabalhar com o anterior, de forma a manter a balança equilibrada.
Esse conflito é um elemento central deste 4º álbum da artista de Nashville e esta documenta-o com sapiência, remontando a uma época em que o seu lado auto-destrutivo estava a levar a melhor, conduzindo a artista a uma reflexão que defende que ninguém é realmente bom ou realmente mau, mas antes apenas uma reflexão de um ser que está a dar o seu melhor na tentativa por encontrar balanço no meio dos dois. E a conclusão final é que não tem mal se falharmos porque, no fundo, somos todos monstros à nossa maneira.
Estes pensamentos transportaram a artista a emoções extremas, levando-a a produzir uma série de músicas que apresentam um conjunto de ideas e estilos, entre os quais se salientam o Gospel, Country Blues, Folk e Rock and Roll. Mas o diamante bem polido no meio disto tudo é a forma como a artista os une. Uma homologação de sobrevivência, mas sobretudo do conforto, que demonstra ao dar alma a cada uma das músicas que compõem este álbum.
Ao 4º álbum, se dúvidas existissem em relação ao lugar de Sunny War no universo musical do Roots, dissiparam-se sem grande resistência por parte da sua competição. Não porque ela é inexistente, mas porque o nível de Anarchist Gospel é deveras elevado. Mesmo na época onde o género teve o seu auge, este seria um álbum a ter em conta, e acho que com isto fica tudo dito. Quando há paixão pelo que se faz, tudo se desenrola de forma mais natural.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> No Reason
> Swear To Gawd (ft. David Rawlings & Chris Pierce)
> Earth (ft. Jim James)
> New Day
> Higher (ft. David Rawlings)
U.S. Girls – Bless This Mess
Género: Experimental Pop/Disco
Ouvir no Spotify
Olhando para o histórico de U.S. Girls, desilusão é algo que não faz parte do dicionário, e Bless This Mess não veio mudar nada a esse aspeto. Ao oitavo álbum, temos acesso a uma abordagem mais dançante de Meg Remy, que também demonstra o quão versátil a artista é.
Um pouco por todo o álbum, temos uma homenagem ao Disco-Funk, recheada de upbeats e com o coração em texturas mais retro, remetendo-nos para uma pista de dança de um passado já algo longínquo. Isto vem provar que, para além de cantora com provas dadas, Remy é realmente uma ótima produtora, cheia de ideias que funcionam, materializadas para música com assertividade.
Bless This Mess é um bom álbum, mas peca por ser um bocado desequilibrado. Bem no meio dele, surge uma sequência de três músicas fantásticas, alguns furos acima das restantes, mas o resto do álbum não consegue acompanhá-las, dando uma falsa sensação que não é um álbum de qualidade. Concordo que é um álbum recheado de boas ideias, mas, mesmo focando-se numa categoria musical, houve uma explosão que lançou músicas em todas as direções, cada uma com uma vertente e abordagem musical mais vincada, algo distinta do resto.
Diria que este álbum tem virtudes semelhantes a Heavy Light (2020), mas não está ao mesmo nível em consistência sonora. Acho que consegue capturar tão bem ou melhor os pensamentos de Remy, que passam pela maternidade, o romance, o universo e até a morte, fazendo desde o seu álbum complexo a nível de mensagem e acessível em sonoridade, mas simplesmente não é suficiente.
Bless This Mess é uma confusão boa, mas não passa disso. Há várias surpresas positivas, principalmente no que toca a constatar que Remy ainda tem truques surpreendentes para usar, mas, para já, ficou mais a sensação de mixtape do que álbum em si. Houve talento e inventividade, mas faltou visão e coerência, o que causa alguma intriga.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> So Typically Now
> Bless This Mess
> Tux (Your Body Fills Me, Boo)
You Me At Six – Truth Decay
Género: Alternative Rock/Pop Rock
Ouvir no Spotify
Não é a primeira vez que escrevo sobre os You Me At Six e também não é a primeira vez que a banda britânica (já com uns bons anos de carreira e perto de uma dezena de álbuns) volta a beber da fonte da juventude e saca um álbum com a força e vitalidade de uma banda que está a começar o seu percurso de auto-descoberta, no mundo da música.
Com Truth Decay, a banda formada por amigos na escola secundária continua a dar cartas na direção certa, ficando bem claro que a dedicação à causa e o sentimento de identidade continuam bem salientes na fundação da música que produzem. Há muitas influências de álbuns passados, re-trabalhadas e adaptadas à realidade atual do que é ser um jovem adulto nestes tempos mais conturbados.
E se há dúvidas em relação à vitalidade da banda, posso confirmar que não podiam ser mais infundadas. A 21 de fevereiro (11 dias depois do lançamento do álbum) deram concerto no Le Trabendo, em Paris (aberto por os The Hunna), e dado que estava pela zona, tive de comprar bilhete e marcar presença. Espaço pequeno para a energia da banda, que apresentou uma setlist brutal e onde a interação com o público foi fundamental para criar um elo de ligação de intimidade e confiança. Foi uma apoteose constante!
Ao longo deste novo álbum, temos muito do que a banda nos foi mostrando ao longo dos últimos anos, mas temos também sonoridades que nos transportam a trabalhos de outras bandas, como em “Deep Cuts”, que dá uso ao riff de “Can’t Stop” dos Red Hot Chili Peppers, ou “Who Needs Revenge When I’ve Got Ellen Rose” que captura o ritmo de “Thnks fr th Mmrs” de Fall Out Boy. Como tal, diria que este é um álbum para todos os gostos, o que também faz dele um pouco desfocado numa só abordagem musical.
Basicamente, a minha reserva com Truth Decay é essa, de que é um álbum recheado de inspiração e inventividade, mas que tenta agradar a toda a gente. E isso faz com que perca um bocado o brilho, quando em comparação com Suckapunch. É um álbum com charme, sem sombra de dúvida, e vem enriquecer ainda mais o catálogo dos You Me At Six, mas a verdade é que merecia e podia ser mais! O grande ponto positivo? A banda descobriu a fórmula para o sucesso e, enquanto houver vitalidade, creio que o nível não vai descer.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
> God Bless The 90s Kids
> No Future? Yeah Right
> HeartLESS
> Breakdown
Young Fathers – Heavy Heavy
Género: Art Pop/Avant-Pop
Ouvir no Spotify
Pesado Pesado, mas em alegria e energia. É assim que se pode definir o novo álbum da aclamada banda escocesa, que depois de dois EPs e três álbuns revolucionários em menos de seis anos e do sucesso extremo de Cocoa Sugar (2018), precisaram de quase cinco para voltar a lançar novo material. Mas já sabem o que penso: Mais vale um álbum com engenho de lés a lés do que muitos álbuns razoáveis de ano a ano ou de dois em dois.
Heavy Heavy não fica na cabeça imediatamente, mas, depois da primeira rodagem, diria que é um álbum mesmerizante, intoxicante e fácil de ouvir, ao alcance de qualquer um que tenha interesse em dar-lhe uma oportunidade. Para além do mais, a sua duração não excede em muito os 30 minutos, fazendo dele uma bomba de energia instantânea cujo efeito é intenso, mas não se prolonga em demasia.
Com este trabalho, tivemos mais uma amostra da paixão singular e alma única que definem (e resumem ao mesmo tempo) aquilo que é o legado desta jovem banda. Ao longo de 10 faixas bastante densas, os Young Fahters nunca falham em produzir pedaços de céu que dão todo um novo alcance ao que pode ser a música pop, pautada por um misto imprevisível entre a jovialidade e a seriedade.
Iguais a eles mesmos, mas mais maturos, os Young Fathers têm mais uma produção transcendente, cósmica e algo doce (mais doce do que o costume). Essa produção está recheada de melodias triunfantes e inventivas e abordagens vulneráveis e otimistas, que prometem captar a atenção de quem estiver investido nelas, simplesmente pelo quão intrigantes são. Ao fim de dois meses, 2023 já tem mais candidatos a álbum do ano do que estava à espera.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> Rise
> Drum
> Geronimo
> Sink Or Swim
> Holy Moly
Outros álbuns a ouvir:
> Acid Arab – Trois
> Algiers – Shook
> Kelela – Raven
> Quasi – Breaking The Balls of History
> Shame – Food for Worms
> Yo La Tengo – This Stupid World