Dragon’s Dogma 2

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Para um jogo que exige tanto do jogador e que oferece mecânicas que convidam a uma abordagem mais experimental, Dragon’s Dogma 2 tropeça no equilíbrio de funcionalidades que não deveriam ser um problema num RPG de ação.

Dragon’s Dogma 2 constrói-se sobre conflito. Se Dragon’s Dogma 2 é um dos RPG de ação mais emergentes e experimentais dos últimos anos, é também um videojogo que se recusa a fazer concessões no seu design. A jogabilidade emergente está predisposta a oferecer o maior número de abordagens para que o jogador possa usufruir dos sistemas e funcionalidades sem limites. Se o jogador quiser contornar barreiras físicas, então basta conhecer as mecânicas e colocá-las à prova. Não é um sistema tão abrangente como Breath of the Wild, mas a jogabilidade pede para o jogador pensar além da experiência tradicional de um RPG de ação. Se o jogador quiser atirar um Pawn e utilizar esta mecânica para que o mesmo Pawn alcance uma alavanca ou escada anteriormente inacessíveis, não só é possível realizar esta sucessão de ações como o jogo espera que o façam.

A liberdade mecânica é um dos focos de Dragon’s Dogma 2 e não poderia ser de outra forma quando temos um mundo aberto tão denso em mistérios e oportunidades de ação. A cada viagem que realizamos, encontramos caminhos escondidos nas rochas, grutas que nos transportam para zonas que pensávamos inacessíveis, castelos abandonados e tantas outras surpresas. O que diferencia Dragon’s Dogma 2 é a aleatoriedade dos seus acontecimentos e os caminhos alternativos que nascem organicamente através das escolhas dos jogadores. Enquanto tentamos alcançar o castelo já mencionado, podemos deparar-nos com um monstro gigantesco que nos obriga a mudar a nossa estratégia ou então conseguimos desbravar um novo caminho inesperado que nos leva diretamente ao tesouro escondido; ou então podemos nunca encontrar estas duas opções e criar uma terceira abordagem ao mesmo problema. Dragon’s Dogma 2 é tão convidativo à experimentação que uma caminhada pode ganhar contornos idênticos ao que seria uma missão principal noutro título do género: e aqui é apenas um desvio que fizeram.

A conciliação entre exploração e o combate agressivo é exponenciado pela presença de Pawns que nos acompanham ao longo da campanha. Os Pawns são o equivalente às personagens que criamos nos RPG, mas com uma diferença muito importante: são criações dos outros jogadores. Enquanto Arisen, podemos invocar novos aliados que nos auxiliam ao longo da campanha, cujo comportamento e eficácia em combate são determinados por quatro classes basilares – fighters, mages, archers ou thiefs -, mas não só. Os Pawns procuram ser o mais próximo de NPC vivos, capazes de aprender com o jogador e absorver o mundo à sua volta para melhorar as suas táticas e a forma como se relacionam com criaturas, recursos e outros NPC. Existem limitações, até porque não estamos perante um novo tipo de AI imaculado e absolutamente imprevisível, mas é importante salientar que a Capcom espera que utilizem Pawns de outros jogadores para existir uma troca de conhecimento entre a comunidade. A aprendizagem e maleabilidade dos Pawns são essenciais à aventura, e podemos ver estes sistemas em ação quando um dos nossos Pawns regista a localização de um baú para poder informar outro jogador quando ambos passarem pela mesma zona.

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Dragon’s Dogma 2 (Capcom)

Mais do que combate e exploração, talvez possamos concluir que Dragon’s Dogma 2 é um jogo sobre aprendizagem e resiliência. A aprendizagem nasce do reconhecimento do mapa extenso de Vermund, onde temos de dominar as particularidades do terreno e compreender o que é possível e que ações poderão ser letais para o jogador – o jogo é imperdoável no que toca a dano em quedas -, mas também as mecânicas apresentadas e os sistemas mais emergentes que nos obrigam a testar tudo o que pensamos saber sobre Dragon’s Dogma 2. É um jogo onde estamos constantemente a descobrir algo novo sobre a jogabilidade, portas abrem-se com uma facilidade que raramente vemos no género e é fácil querer arriscar e desafiar os limites mecânicos sempre que despertamos uma nova habilidade ou encontramos uma abordagem diferente aos combates; algo tão simples como “atirar uma pedra” pode ser uma viragem estratégica num confronto anteriormente perdido.

A resiliência surge pela forma como Dragon’s Dogma 2 não é acessível – talvez até pouco compreensivo – no que toca aos riscos da jogabilidade emergente. Dragon’s Dogma 2 quer que vocês dominem a sua jogabilidade e respeitem os seus sistemas, e para tal, não se importa sobre os desafios que vos coloca no caminho – e se estão devidamente equilibrados ou se são justos – e as inconveniências que vos obriga a gerir ao longo da campanha. É um jogo que respeito pela sua determinação em ser tudo menos tradicional na sua abordagem ao género, e se uma mecânica como o Fast Travel é utilidade até à exaustão noutros jogos para justificar mapas repetitivos e de conteúdos fartos – e nem sempre com qualidade, antes pelo contrário -, ou até como auxílio para jogadores que querem evitar um desafio e fugir, em Dragon’s Dogma 2, é uma mecânica secundária. Não só requer o sacrifício monetário do jogador, ao obrigar à aquisição de itens específicos para realizar a viagem, como os pontos de Fast Travel são longínquos e nem sempre convenientes. O que Dragon’s Dogma 2 quer é que o jogador viaja pelas mesmas estradas, montes, planícies, masmorras e sinta o peso dessa viagem de uma forma quase física. É uma decisão que não nasce de um desequilíbrio entre world design e a jogabilidade – não oferecer algo novo entre viagens deverá ser uma das maiores queixas dos jogadores, certamente -, mas sim de uma decisão premeditada de design. Nada é fácil em Dragon’s Dogma 2, a qualquer momento algo diferente pode acontecer, então porque deveria o Fast Travel ser tão acessível?

Isto significa que Dragon’s Dogma 2 não é um jogo pensado para ser acessível, mas sim para vos desafiar. Se vocês concordam com as suas decisões de design, isso fica ao vosso critério, mas a Capcom desenhou um dos RPG de ação mais seguros de si e mais implacáveis dos últimos anos, que também está repleto de recompensas e momentos únicos para aqueles que tentarem dominar os seus sistemas. É uma dedicação enorme à luta (quase sempre) saudável com o jogador e é por esse motivo que não compreendo como a Capcom conseguiu denegrir a experiência de Dragon’s Dogma 2 ao ir demasiado fundo nesta sua luta pela resiliência. Um jogo como Dragon’s Dogma 2 merecia um melhor sistema de gravação. Talvez seja melhor especificar: não se trata de um problema com menores pontos de gravação ou do foco na gravação em inns, mas antes a gestão dos saves automáticos e completamente desgovernados.

O que vos vou contar agora é verídico, aconteceu-me há umas horas e ainda se encontra fresco na minha memória. Não escondo a irritação que sinto e muito menos desprezo o desapontamento que me move a escrever a conclusão para esta não-análise, ainda mais quando estava a adorar Dragon’s Dogma 2 com uma admiração sincera. Eu escrevo horas depois de ter perdido o meu progresso. Não sei precisar quantas horas perdi, mas arrisco-me a dizer que foram entre quatro a seis horas. Num momento estava com nível 10, já equipado com novas armaduras e a brandir uma nova espada, e no outro, estava de regresso ao inn de Borderwatch Outpost, de volta ao nível 2 e de volta ao início da aventura. Uma perda que é, em parte, culpa minha, mas também de Dragon’s Dogma 2. E é aqui que deixo de saber comunicar com o jogo, quando a relação é quebrada por uma má decisão e não por mecânicas concebidas para uma determinada experiência. Não se trata de dificuldade, trata-se de má otimização.

A caminho da capital, deparei-me com um desvio na estrada. Podia ter seguido diretamente para a cidade, mas decidi explorar a estrada até ao meu destino e encontrar possíveis surpresas entre as falésias de Vermund. O desvio foi dar a uma gruta e a minha curiosidade venceu. A minha equipa estava cansada, os pontos de vida pelas horas da morte e o risco amontoava-se a cada passo que dava, mas fui incapaz de ignorar o chamamento pela aventura e entrei na gruta. Depois de matar vários morcegos, encontrei duas possíveis saídas da gruta. Quis ver mais. Numa das saídas, regressei ao exterior, desta vez do outro lado do pequeno monte que separava a falésia da estrada principal onde era suposto estar. Ao fundo, um ciclope adormecido na praia – talvez morto, quem sabe – e vários lagartos humanoides. Procurei por um caminho que levasse à praia, completamente inebriado pela possibilidade de enfrentar um desafio acima das minhas possibilidades e testar a dificuldade de Dragon’s Dogma 2; mas o combate veio até mim. Escondido entre as rochas estava um homem-lagarto à minha espera e a luta começou. No meio da confusão, eu caí, mas não fui parar ao mar, o que seria morte certa, e dei por mim num pedaço de terra que se sobressaia da formação rochosa. Enquanto estava preso, longe da ação e sem possibilidade de intervir, a minha equipa conseguiu eliminar o homem-lagarto. Uma vitória agridoce porque não demorei a perceber que estava preso. Decidi perder parte do progresso e atirar-me ao mar, ciente que teria de repetir o confronto. Não foi isso que aconteceu. O jogo gravou assim que o combate terminou e agora estava preso àquele pedaço de terra horrível que me havia salvado. O meu save dissipou-se, sem saída e sem alternativas de fast travel. A minha aventura parou.

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Dragon’s Dogma 2 (Capcom)

Este bloqueio artificial aconteceu porque Dragon’s Dogma 2 não sabe como organizar os save automáticos. É difícil determinar quando é suposto existir um save automático e é comum ver comentários de outros jogadores que se queixam exatamente do oposto, das poucas vezes que o jogo decide gravar a campanha. Comigo foi o oposto, gravou a mais. Em parte, a culpa é minha. Eu devia ter parado e descansado, repousado num acampamento, mas nunca imaginei que o meu problema fosse este. Uma gravação a mais, no sítio errado e ali fiquei perdido na falésia. Para um jogo que se foca tanto na resiliência e no desafio constante do jogador, ao ponto de introduzir sistemas que injetam alguma aleatoriedade à campanha, é difícil compreender a decisão de não incluir, de alguma forma ou feitio, um save manual e diferente do save automático. Em Dragon’s Dogma 2, são ambos o mesmo e mesmo que gravem manualmente, o próximo save automático irá substituir esse save e tornar-se no save principal. Dark Souls e os jogos da From Software também utilizam apenas um save e nem sequer existe a possibilidade de gravarmos a campanha manualmente, mas o respawn é automático e o progresso nunca se perde; no máximo, retrocedemos um pouco e temos a oportunidade de tentar novamente. Eu perdi quatro a seis horas de jogo.

Infelizmente, este não é o final da história que vos quero contar, existe outro passo, um ainda mais ingénuo e que nasceu de uma distração motivada por desespero e pela minha falta de compreensão sobre o sistema de gravação de Dragon’s Dogma 2. Preso na falésia e com um save estragado, decidi experimentar e ver onde tinha sido a minha última passagem pelo inn. Sem surpresas, tinha sido em Borderwatch Outpost. Esta não era a solução e então decidi voltar atrás, até ao save na falésia, à procura de uma resposta que me pudesse ter escapado. Quando volto ao menu principal e dou continuidade à minha campanha, apercebo-me que o jogo voltou a gravar automaticamente, desta vez no inn em Borderwatch Outpost. Perdi tudo. O que me leva a pensar: seria assim tão contra-natura, tão errado se Dragon’s Dogma 2 oferecesse não a possibilidade de gravarmos mais do que um slot, mas antes termos acesso a um historial com os saves automáticos? Seria assim tão herético permitir que tal funcionalidade estivesse implementada no jogo? Nunca saberei.

Isto não é uma análise. Não posso analisar um jogo que joguei durante seis horas e que fui obrigado a abandonar porque todo o progresso me foi roubado. Dragon’s Dogma 2 não é um jogo com morte permanente, onde basta um deslize para todo o progresso ser apagado, mas Dragon’s Dogma 2 é um jogo difícil, sem receios de nos retirar da zona de confronto e colocar-nos em situações que não dominamos totalmente. Não lhe retiro o mérito e vejo todo o potencial, aliás, eu queria ver mais – e quem sabe se um dia não estarei a escrever a minha verdadeira análise. Tudo o que eu disse no início deste texto é sincero e eu admiro Dragon’s Dogma 2 por querer ser algo tão único e sem rédeas como é. O que eu não compreendo é o arcaísmo e quase amadorismo do seu sistema de gravação, como se a Capcom não soubesse o que fazer com ele; será reflexo do seu por medo em facilitar demasiado a experiência ou o oposto?

O meu exemplo não é único e mesmo que tenha nascido de um erro da minha parte, a punição é demasiado elevada quando se trata de uma limitação tremenda no momento sagrado de gravar o nosso progresso. Dragon’s Dogma 2 determina que save manual e save automático são uma e a mesma coisa. Eu digo que isso é um paradoxo. Se Dragon’s Dogma 2 é, como defendi anteriormente, um jogo sobre aprendizagem, então espero que a Capcom aprenda com este erro e faça alterações ao sistema de gravação para que este ainda seja um final feliz para ambos.

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Dragon’s Dogma 2 (Capcom)

Cópia para cobertura (versão PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.

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