Crítica – The Platform

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Um dia, Goreng (Iván Massagué) acorda com o seu futuro colega Trimagasi (Zorion Eguileor) no 33º nível de um lugar parecido com uma prisão vertical, atravessada por um buraco onde uma plataforma desce com restos de refeição deixados pelos prisioneiros de níveis superiores. Trimagasi conhece as regras que regem este lugar misterioso: duas pessoas por nível e um número desconhecido dos mesmos. Se subir, sobrevive… mas pense em demasia e descerá novamente. Se está no fundo onde a comida mal lá chega, não pode confiar em ninguém, exceto em si próprio.

A Netflix tem apoiado filmes pequenos e independentes desde há algum tempo. Em 2018, Roma (re)abriu um caminho para filmes estrangeiros em nomeações na categoria de Melhor Filme. No ano passado, o épico de Martin Scorsese, The Irishman, só conseguiu ganhar vida via streaming, visto que nenhum grande estúdio queria uma duração de três horas e meia num lançamento para cinema. Entre estes dois, dezenas de outros filmes indie têm tido o apoio da Netflix (assim como outros canais de streaming). 2020 traz um horror-thriller espanhol de um realizador estreante (Galder Gaztelu-Urrutia): The Plataform (ou El Hoyo).

Desde a sua apresentação no festival TIFF, The Plataform tem vindo a receber feedback extremamente positivo, daí tê-lo adicionado à minha lista. Assisti há alguns dias atrás, mas queria ter tempo para pensar sobre o mesmo, pois não há dúvidas de que se vai tornar num filme divisivo, especialmente entre o público em geral. The Platform carrega uma narrativa extremamente abstrata, repleta de simbolismo, metáforas, analogias e alegorias à nossa situação político-social-económica. Não é um thriller simples, nem de perto.

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É um conceito tremendamente intrigante, desenvolvido através de um método cativante de contar a história e um tom bastante negro. É uma prisão que representa a nossa sociedade de hoje em dia. Cheio de hipocrisia e egoísmo. Num mês é o rei do mundo, num nível onde a comida chega em excesso, mas mesmo assim quer tudo para si mesmo, ignorando pedidos desesperados de quem se encontra abaixo. Mas no dia seguinte é um ser humano miserável, lutando por restos com o seu “companheiro de cela” e exatamente na mesma posição em que aquelas pessoas desesperadas estavam antes… E agora quer a ajuda delas?!

Esta última analogia narrativa ao mundo real é, sem dúvida, a minha favorita. Nunca fui fã de política (quem é?), por isso, analogias e simbolismos sobre essa componente da nossa vida não me causam impacto. No entanto, os argumentistas esforçaram-se muito para criar uma história tão significativa. Se a ambiguidade for removida do argumento, ainda há muito para aproveitar. O arco de Goreng vai de apenas tentar obter um diploma a realmente tentar salvar as pessoas dos níveis mais baixos. A sua história leva o espetador por imensa violência, sangue e sequências genuinamente repugnantes.

Portanto, existe muito entretenimento para as pessoas que querem a famosa “ação pipoca” em vez de uma perspetiva mais filosófica que os cineastas pretendem. The Platform também é outra prova de que não é necessário um orçamento gigante para construir uma atmosfera imersiva. A cenografia e a produção artística são tão simples quanto poderiam ser, mas é especialmente devido a esta simplicidade que a prisão claustrofóbica funciona tão bem. Para uma estreia na realização, Galder Gaztelu-Urrutia faz um excelente trabalho ao controlar o ritmo e ao aplicar os planos certos em cada situação.

Infelizmente, o meu problema principal com The Platform é o mesmo que a maioria das pessoas: o final. Vou-me conter de quaisquer spoilers menores, logo vou apenas escrever que não funciona a todos os níveis, pelo menos não para mim. Como esperado, é tão ambíguo quanto o resto do filme. Mal terminou, senti-me frustrado com tantas perguntas (lógicas) sem resposta e, depois de alguns dias a matutar, as mesmas perguntas continuam a existir.

Nunca vão encontrar uma resposta para tudo, mas esse nunca foi o objetivo principal. Tem que haver um equilíbrio entre realidade e fição. Entre o que é real e o que é apenas um símbolo metafórico. Ninguém pode justificar tudo com “oh, é apenas uma representação de alguma coisa”.

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Na minha opinião, existem duas maneiras de interpretar o final: ou se leva tudo literalmente, o que levanta imensas perguntas sem resposta, ou pode-se tentar olhar para a história apenas através da perspetiva de Goreng. Acredito que a última abordagem é a melhor, mesmo que ainda possua outras questões relativas às personagens secundárias. Não responde a tudo, mas é a perspetiva que acredito fazer mais sentido com o filme. Torna o argumento mais coeso e coerente.

No entanto, o problema que não consigo evitar é a quebra abrupta no tom. Para uma demonstração tão brutal, crua e sangrenta do comportamento humano numa situação de sobrevivência (a forma como as cores são usadas é muito inteligente), o clímax parece deslocado de tudo o que vem antes. Os temas subjacentes estão lá desde o início, mas estes são precisamente isso: mensagens secundárias por detrás de uma história muito real. Passar de homicídios horríveis, sacrifícios e muito mais para um final filosófico e com muito coração da maneira que o filme tenta… está longe de ser uma transição perfeita.

Basicamente, se esperarem respostas definitivas sobre o que quer que seja esta prisão, quem a controla e como ela realmente funciona, provavelmente vão sair desapontados e frustrados com The Platform. É um daqueles filmes que “coloca as fichas todas” na maneira como as pessoas interpretam o seu final e quanto impacto o mesmo causa numa opinião geral. Olhar para a conclusão apenas pela perspetiva de Goreng funciona melhor na minha opinião, mesmo que algumas perguntas (lógicas) sem resposta continuem a existir.

A quebra abrupta de tom na transição para o clímax do filme é o meu problema principal, mas The Platform tem muitos pontos positivos. Uma premissa deveras intrigante é desenvolvida através de uma narrativa muito cativante e um elenco excecional eleva o argumento bem escrito.

O realizador estreante Galder Gaztelu-Urrutia e a sua equipa fazem um excelente trabalho. A cenografia e a produção artística provam como um orçamento reduzido ainda consegue criar uma atmosfera imersiva e claustrofóbica. Mesmo que o final funcione apenas parcialmente, o simbolismo e as alegorias à política e à situação socioeconómica do nosso mundo são uma peça brilhante e que deixará muitas pessoas a pensar. Gosto mais do filme quanto mais penso no mesmo.

The Platform já está disponível na Netflix.

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