The Callisto Protocol

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A promessa de The Callisto Protocol ficou por cumprir num dos jogos de terror mais insatisfatórios do ano.

O conceito de sequela espiritual é cada vez mais dúbio na indústria dos videojogos. Não porque é inerentemente negativo, mas porque desafia cada vez mais a linha ténue entre a cópia e a homenagem. Podemos, no entanto, determinar que existem (quase sempre) boas intenções por detrás destas tentativas em ressuscitar séries perdidas no tempo ou abandonadas pelas suas distribuidoras. A ideia é nobre e passa por dar aos fãs aquilo que querem: um videojogo capaz de captar a essência de títulos clássicos – como Mega Man, Castlevania ou até Suikoden – e modernizá-los com uma nova verve criativa. Uma dessas séries aclamadas sempre foi Dead Space, o título de terror e sobrevivência da defunta Visceral Games, para sempre atirada para as catacumbas da EA após uma segunda sequela que ficou aquém a nível crítico, mas também em vendas. Para Glen A. Schofield e a sua equipa, estava na hora de dar aos fãs o que eles tanto procuravam.

Agora na Striking Distance Studios, Schofield não é apenas um produtor a tentar reavivar a experiência e alma de uma série desaparecida: ele é o seu criador. Foi Schofield e a sua equipa, cuja maioria encontra-se agora na Striking Distance Studios, que nos trouxeram a história de Isaac Clarke, da nave USS Ishimura, dos Necromorphs e dos Markers em 2008. Para todos os efeitos, uma sequela espiritual não podia estar em melhores mãos, à semelhança do trabalho de Koji Igarashi e do seu Bloodstained, mas restava saber se The Callisto Protocol conseguiria captar a magia de Dead Space e, no melhor cenário possível, evoluir a fórmula e modernizá-la. Infelizmente, Callisto Protocol encontra-se numa encruzilhada peculiar, entre a cópia descarada e a homenagem descabida, ao ponto de não ter grandes ideias suas, quase como se fizesse questão de pisar nas pegadas do passado.

Para Schofield, o calendário parece ter parado em 2008 e por lá ficou. Alguém se esqueceu de virar as páginas nos escritórios da Striking Distance Studios e sonhou-se coletivamente em recriar uma experiência tão próxima de Dead Space, tão familiar e previsível, que esta aproximação ao passado parece ser quase um tira-teimas. Isaac Clarke foi substituído por Jacob Lee, um transportador de mercadoria que está, como seria de esperar, no local errado à hora errado. Com a sua nave despenhada em Callisto, uma das luas de Jupiter, Jacob vê-se prisioneiro em Black Iron Prison, uma prisão de alta segurança. Antes que pensem que The Callisto Protocol tem um pingo de criatividade, não se preocupem, a prisão é rapidamente infetada por um estranho vírus que transforma os reclusos em aberrações mutantes. Com a ajuda de Elias, Jacob tem de escapar da prisão e encontrar uma explicação para o que se está a passar à sua volta.

As semelhanças entre The Callisto Protocol e Dead Space são incontornáveis – mutações alienígenas, ambiente de ficção científica, horror cósmico, conspirações espaciais –, mas não esperava que a sua estrutura fosse também idêntica. Como Isaac, Jacob é um protagonista passivo, cuja agência é limitada ao combate e à sua sobrevivência, com as decisões a ficarem a cargo do elenco secundário que o acompanha. Jacob é um menino de recados, tal como Isaac no primeiro Dead Space, obrigado a efetuar tarefas constantemente para conseguir desbloquear uma porta, encontrar um caminho ou ligar um dos inúmeros interruptores que abrem uma das infindáveis portas de Black Iron.

Para um jogo tão curto, The Callisto Protocol é cansativo e previsível, ao ponto de entrarmos em piloto automático. A direção de arte, ainda que auxiliada por um motor de jogo impressionante – cuja iluminação poderia ter sido utilizada para melhores momentos de tensão, como a presença de cenários mergulhados em névoa que o jogo não consegue aproveitar –, é prejudicial à ambiência desta suposta aventura de ficção científica, ao ponto de tornar ainda mais banal o que já pouco memorável. As salas repetem-se, os sustos são sempre fáceis e existem poucos momentos que conseguem aproveitar o level design na sua integridade. A campanha melhora na sua segunda metade, graças a uma maior variedade de cenários e zonas, mas a Striking Distance Studios não soube construir uma campanha que não dependesse tanto da repetição das tarefas de Jacob e da revisitação de algumas zonas centrais da campanha – sempre as mesmas salas, as mesmas condutas de ar e os mesmos corredores. The Callisto Protocol é como um borrão de tinta metálica, onde pouco ficará na memória, ainda menos se tivermos em conta que o remake de Dead Space chegará já em janeiro.

Mas como podemos censurar Schofield em tentar recuperar as mecânicas e conceitos que ele e a sua equipa criaram para Dead Space? Afinal de contas, foram eles que criaram a icónica série da Electronic Arts e se estão a roubar, estão a fazê-lo aos seus próprios currículos. Não descarto por completo este argumento, mas é necessário relembrar, mais uma vez, que não estamos em 2008. Pelas minhas contas, há 14 anos que não estamos em 2008 e isso é muito tempo. Não recriminaria a Striking Distance Studios se existisse a apropriação de algumas mecânicas-chave, mas não consigo conceber qual foi o plano de imitar praticamente todos os elementos de Dead Space e colocar-lhes uma tinta nova, mas de marca branca. The Callisto Protocol tem máquinas de vendas, onde podemos construir novas armas e vender recursos; disponibiliza melhorias para cada uma das armas, que é possível através do sistema monetário (ou Callisto Credits) – e, em sua defesa, devo indicar que as melhorias são significativas em combate – caixotes que podemos destruir ao pisá-los, uma barra de energia diegética, desta vez no pescoço do protagonista e não na espinha, e até a mudança de armadura num ponto específico da campanha – que melhora a saúde de Jacob e o seu espaço irritantemente limitado de inventário. Eu podia trocar o título do jogo por Dead Space e vocês não conseguiriam perceber as diferenças.

Existe, no entanto, um fator que distingue The Callisto Protocol do seu meio-irmão: o sistema de combate. Presumo que Schofield percebeu rapidamente que não podia copiar o sistema de desmembramento que popularizou Dead Space em 2008: isso seria demasiado. Para The Callisto Protocol, a ideia foi a mesma, criar um combate robusto, mas capaz de ser suficientemente único para se destacar no género e a resposta foi um sistema corpo a corpo. Apesar do número saudável de armas, The Callisto Protocol é, em especial nas suas primeiras horas, um jogo de ação aproximada. Jacob tem à sua disposição um bastão de atordoamento que utiliza para atacar e desmembrar as criaturas à solta por Black Iron. Os golpes são pesados, nojentos e pegajosos, com o metal do bastão a bater sobre a carne transformada enquanto rasga tecido muscular e o que resta da pele destas vítimas sem rosto. O sistema de combate é também muito fácil de utilizar no que toca à acessibilidade dos seus controlos, com Jacob a ter acesso a uma combinação leve de golpes, uma opção de defesa e a possibilidade de aumentar o seu número de habilidades para uma maior variedade em combate – como ataques pesados, uma defesa mais resistente e ainda a possibilidade de arrancar os braços dos inimigos que defendam os seus golpes.

Como se trata de um combate de proximidade, Schofield parece ter-se deparado com dois desafios enquanto desenhada as mecânicas de The Callisto Protocol. A primeira, e a mais fácil de resolver, foi o controlo dos ataques inimigos, com o jogo a dar-nos a possibilidade de defendermo-nos. No entanto, Jacob sofre sempre algum dano quando se defende, o que quer dizer que não é a opção perfeita, mas sim uma escolha para os momentos mais drástico. Para complementar esta mecânica, The Callisto Protocol apresenta um sistema de desvio, onde basta pressionarmos o analógico para a esquerda ou direita para Jacob evitar os golpes inimigos. Esta mecânica injeta uma maior rapidez ao sistema de combate, mantém o jogador em ação e em constante contra-ataque, reduzindo a necessidade de termos de recuar antes de ripostar. Schofield apostou tanto nesta mecânica que até temos acesso a um desvio perfeito se acertarmos no timing certo. Infelizmente, o desvio é pouco intuitivo durante as primeiras horas e é difícil compreender os tempos de resposta que o jogo exige de nós, que se agravados pela alta agressividade dos inimigos – cujos ataques nem sempre conseguimos interromper em contra-ataque. É normal dependermos na defesa até dominarmos o desvio, mas assim que conseguirmos, o jogo torna-se trivial. O sistema de desvio torna-se tão intuitivo ao longo da campanha, seja qual for o tipo de criatura que enfrentemos, que os combates perdem a sua dificuldade e tensão – até mesmo com os mini-bosses.

O segundo problema foi mais matreiro e nasceu como consequência do sistema de combate. Se os confrontos apresentam um foco no combate físico e com foco no desvio e contra-ataque, o que acontece quando The Callisto Protocol coloca-nos em situações onde temos de enfrentar mais do que um inimigo? Caos absoluto. Apesar dos seus maiores esforços, Schofield e a Striking Distance Studios não conseguiram encontrar uma solução suficientemente viável para este problema, que só se agravou ao longo da campanha. Basta estarmos em combate para percebermos que The Callisto Protocol foi primeiro pensado para confrontos 1v1 e só depois para batalhas contra grupos, e podem olhar, por exemplo, para as animações de Jacob. Encontrei situações onde estava a atacar dois inimigos, lado a lado, mas apenas a disferir dano a um deles, como se o jogo não registasse o segundo inimigo. Como os golpes são pesados, não são os viáveis para enfrentarmos um grupo de monstros, até mesmo com o domínio do desvio, até porque as criaturas nem sempre têm estados atordoamento – o que significa que podemos estar a atacar um inimigo enquanto outro continua a atacar-nos como se nada fosse. Os confrontos contra grupos são dolorosos, não porque são desafiantes – apenas terminei a campanha em normal -, mas porque são injustos e absolutamente irritantes.

Existe, no entanto, uma pequena solução para a maioria dos problemas de The Callisto Protocol, uma mecânica que é capaz de equilibrar – e até quebrar – um sistema de combate com potencial, mas que é mal aproveitado. Infelizmente para Schofield e a sua equipa, é outra mecânica que popularizaram em 2008: a telecinesia. Que azar! E logo agora que estávamos a entrar no campo das novidades, lá vem o passado a bater novamente à porta. No entanto, vale a pena dar valor a esta habilidade em combate, aqui denominada de GRP (Gravity Restraint Projector), pois injeta alguma variedade aos confrontos e surge como uma ótima terceira opção para Jacob – combate físico, combate à distância e telecinesia -, existindo até a possibilidade de combinarmos o GRP com um ataque rápido para maior dano. Também podemos pegar em objetos espalhados pelos cenários e atirá-los contra as criaturas ou utilizar armadilhas mortais, caso achassem que The Callisto Protocol não tivesse novamente a copiar.

Num mundo sem Dead Space, onde a EA se recusava a dar vida a uma das séries mais populares da sétima geração de consolas, The Callisto Protocol podia ser uma aposta interessante e até minimamente refrescante, mas essa não é a nossa realidade. 2023 marca o regresso de Dead Space, ainda que sobre a forma de um remake fiel ao original, mas também de vários outros jogos de terror que exploram a solidão e o horror no espaço. The Callisto Protocol não é apenas pouco original nas suas mecânicas, mas também na sua história e contexto, com uma das narrativas mais descartáveis que poderão encontrar no género – vocês já jogaram isto antes e não só em Dead Space.

Existem boas ideias em Callisto Protocol e sinto que Schofield nutre um carinho real por esta aventura em Black Iron Prison, mas é preciso encontrar a sua identidade e não apenas imitar o passado. The Callisto Protocol é daqueles casos que precisa urgentemente de uma sequela que ajude a impulsionar a série para um novo patamar, longe das suas origens e capaz de enaltecer as suas virtudes – como o sistema de combate -, mas não pode ser outra homenagem/cópia ao passado. É difícil não considerá-lo como um jogo perdido no tempo quando encontramos animações de morte repetitivas, que cansam mais do que fascinam; inimigos capazes de nos matar com um só ataque; uma mira de disparo, com acesso a uma combinação rápida após um ataque física, que não é bem implementada; um sistema de gravação manual que não serve para nada, já que nos coloca no mesmo local onde aconteceu a gravação automática e um inventário que não é capaz de empilhar a maioria dos seus itens. A Striking Distance Studios está, no entanto, a resolver alguns destes problemas, ainda que tenha escrito esta análise com base na versão que acompanhou o lançamento.

Acho que podemos todos concluir que 2008 foi há muito tempo e que Schofield precisa urgentemente de atualizar o seu calendário. The Callisto Protocol não tinha de cheirar tanto a mofo – mas cheira e muito. Não descarto uma sequela, antes pelo contrário, espero que aconteça, nem que seja para compreender o que a Striking Distance Studios é capaz de fazer se estiver sozinha na mesa enquanto faz o seu teste, sem a possibilidade de copiar o seu colega.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.

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