Thank Goodness You’re Here pode ser jogado numa única tarde, mas traz gargalhadas e cenários absurdos suficientes para o recomendarmos durante o resto do ano.
Em 2021, a portuguesa Nerd Monkeys lançou na Nintendo Switch e no PC um pacote de experiências, chamado Short Games Collection, uma mão cheia de mini-jogos independentes, bastante distintos e, até, provocantes, resultados de Game Jams, com potencial de se poderem tornar algo mais.
Uma dessas experiências chamava-se The Good Time Garden, desenvolvida por James Carbutt e Will Todd, que na altura descrevi como um autêntico fever-dream. Um jogo estranho e paradoxalmente desconfortante e relaxante, onde controlávamos uma figura despida num mundo em tons pastel onde quase tudo era composto por pele, membros e caras que olhavam para o interior da nossa alma, enquanto se dirigiam a nós com vozes quase sensuais. Na sua bizarria havia também humor, um tipo de humor muito peculiar à base desse desconforto. E tudo isso foram ingredientes que o tornaram na minha experiência favorita. Agora, alguns anos depois, a dupla James Carbutt e Will Todd, que assinam enquanto Coal Supper, estão de volta com um novo projeto completamente original, mas que provavelmente não existiria sem The Good Time Garden.
Thank Goodness You’re Here é o nome do jogo. Uma aventura de exploração, também ela de longevidade reduzida, que se passa em cerca de 3 horas e que, de alguma forma, se encontra ali no limiar de um videojogo, com um filme de animação para jovens-adultos de comédia absurda, numa caricatura às comunidades pós-industriais do norte de Inglaterra, que se joga basicamente como The Good Time Garden e de onde bebe muito do seu registo e humor visual.
Em Thank Goodness You’re Here controlamos um vendedor viajante na estranha cidade de Barnsworth que, enquanto espera pela hora de falar com o presidente, poderá explorar as suas ruas e interagir com os seus habitantes, à medida que os vai conhecendo, assim como as suas relações interpessoais e os dramas que a assombram.
É uma viagem hilariante e, de alguma forma, quase on-rails apesar da ilusão da exploração, com uma pitada de point and click e com mecânicas simples de salto e de murro que serve para interagirmos com as personagens obrigando-as a falar connosco – dado que o nosso personagem amarelo é mudo -, como por exemplo dar hilariantes chapadas nas nádegas de alguns NPCs.
Thank Goodness You’re Here não é claro nos seus objetivos, mas rapidamente percebemos a sua intenção e como se reflete no nome. Os habitantes da cidade de Barnsworth necessitam de ajuda e acontece que somos nós a ter que resolver as parvas quezílias e maleitas de cada um. É um jogo desenhado com base nas mal-amadas fetch-quests de jogos de centenas de horas, onde um NPC nos diz “vai ali buscar esta ferramenta” ou “vai falar com este fulano”, mas aqui apresentadas num fio condutor invisível, onde cada novo objetivo é claramente apresentado e transforma por completo os ambientes vivos que começam a mostrar diferenças, novas personagens, novas passagens e novos eventos. Em momento algum senti que tinha mais do que um único objetivo. Sabia o que tinha que fazer ou para onde ir, um simples “andar sempre em frente”, que se complicava apenas com a exploração e curiosidade de visitar todos os cantos na esperança de ver uma nova personagem ou uma nova situação.
Ouvir o que cada personagem tinha a dizer era sempre enriquecedor, mas acima de tudo hilariante, com o seu sotaque característico da região e com um humor absurdo que parece saído de um Monty Python. Para além disso, também somos apresentados a alguns puzzles ambientais, que requerem observação dos níveis e, até, pequenas vinhetas animadas contextuais das nossas ações, que são uma absoluta delícia de assistir.
Visualmente, Thank Goodness You’re Here é um dos jogos mais consistentes que testemunhei recentemente. A sua arte desenhada à mão, baseada no folclore de Yorkshire, é afinada e vibrante, com uma identidade quase punk, que representa na perfeição a atmosfera da pequena cidade fictícia de Barnsworth, com as ruas sujas, mas vivas, cheias de detalhes que acrescentam uma riqueza fantástica ao seu world-building, ou as suas personagens de mil e uma formas que são caricaturas da vida rural daquela região. Mas nem tudo é baseado na realidade, pois há um toque de surrealismo bizarro como The Good Time Garden que eleva esta jornada a um novo patamar. Seja pelas dimensões do nosso personagem que alteram consoante a situação, por vezes reduzindo-se ao tamanho de um pigmeu, quer seja por sequências que distorcem a realidade e levam-nos a sítios bem estranhos, mas fascinantes.
Digno de menção é também o trabalho áudio do jogo, com a sua banda sonora deliciosa, mas sobretudo pelos trabalhos de vozes deliciosos, suportados por um elenco fantástico, onde se destaca Matt Berry, pelos sotaques e dialetos tão bem conseguidos e, claro, pelo fantástico texto que tão bem dança com as gags visuais que nos vão sendo atiradas ao ecrã.
Thank Goodness You’re Here é fantástico e, espero eu, que seja uma experiência memorável. Pequeno, com apenas 3 horas de jogo, é um jogo ideal para passar durante uma tarde, de preferência com amigos para partilhar umas belas gargalhadas.
Podem jogar Thank Goodness You’re Here no PC, Nintendo Switch, PlayStation 4 e PlayStation 5.
Cópia para análise (versão PC) cedida pela popagenda.