Ash não faz nada de novo aos géneros que mistura, nem aprofunda os seus temas de forma especialmente marcante, mas ainda assim entrega uma experiência intrigante, impulsionada por uma atmosfera imersiva e uma protagonista absolutamente cativante.
O número de atrizes subvalorizadas na indústria atual é tão vasto que qualquer cinéfilo consegue trazer um nome diferente para a mesa de debate e apresentar argumentos sólidos. Pessoalmente, um dos nomes no topo da minha lista é precisamente a protagonista de Ash, Eiza González. Desde Baby Driver até The Ministry of Ungentlemanly Warfare, passando por Hobbs & Shaw, Godzilla vs. Kong ou Ambulance, a atriz mexicana saltou de papel secundário em papel secundário, mas desta vez assume, sem reservas, o controlo da mais recente obra do rapper-tornado-cineasta Flying Lotus (V/H/S/99).
O argumento de Jonni Remmler (Das Quartett) mistura horror e sci-fi, situando a narrativa num planeta distante onde uma astronauta acorda e descobre a tripulação da sua nave brutalmente assassinada. Riya (González) não tem qualquer memória de quem é ou do que aconteceu, e a chegada de Brion (Aaron Paul), um homem que supostamente a conhece e veio resgatá-la, apenas acrescenta mais uma camada de desconfiança à sua crescente paranoia.
Ash é precisamente o tipo de filme que mais me cativa. Desde o mistério que envolve a história à localização isolada e imersiva, passando pelo terror inerente a um planeta desconhecido, Lotus tinha à sua disposição a premissa ideal para uma experiência com elevado potencial de entretenimento. No entanto, as convenções do género tornam-se evidentes logo cedo, o que significa que o sucesso da obra dependeria sempre da execução de cada elemento técnico e narrativo.
Essa execução revela-se inconsistente: quase todos os componentes de Ash têm os seus pontos positivos e negativos. A escassa ação é frequentemente captada através de shaky cam, criando alguma confusão visual desnecessária, especialmente considerando que o filme já é mais escuro do que o habitual devido à ausência de luz natural. No entanto, quando o cinematógrafo Richard Bluck recorre à perspetiva de primeira pessoa, as sequências ganham uma fisicalidade e violência muito mais envolventes.
Tal como já referido, a nave espacial encontra-se mergulhada na escuridão, justificado pelo contexto narrativo. Ainda assim, Bluck consegue tirar partido dessa limitação ao criar um jogo de luzes colorido que enriquece visualmente a obra. Ash também recorre a inúmeras inserções de memórias de Riya à medida que a personagem se vai recordando do que aconteceu, uma decisão criativa arriscada que facilmente poderia tornar a experiência cansativa e repetitiva. Felizmente, Lotus controla de forma razoável a dependência destas imagens psicadélicas para transmitir informações ao público, além de oferecer uma banda sonora que complementa bem a atmosfera sombria do filme.
No entanto, nem tudo funciona dentro do espetro técnico, nomeadamente os efeitos especiais e o uso frequente de falas gravadas em estúdio. Os efeitos especiais que representam o exterior da nave e do planeta deixam a desejar, enquanto as falas adicionadas durante a pós-produção soam demasiado artificial e forçado em vários momentos. Tematicamente, Ash não aprofunda os tópicos que apresenta, limitando-se a explorar superficialmente conceitos como a persistência humana perante a adversidade e o colonialismo. A narrativa segue muitas fórmulas e clichés do género, mas são as revelações finais, apesar de promissoras no início, que acabam por ser mais previsíveis do que o primeiro ato deixava antever.
Apesar dos seus problemas e de uma progressão inicial algo lenta, Ash beneficia enormemente da performance magnética de González, que – perdoem-me o cliché – carrega o filme às costas. Seja nos close-ups que capturam o terror absoluto da sua personagem, nas cenas de ação que a própria atriz realiza na sua maioria, ou nos momentos em que Riya se vê emocionalmente devastada, González prova ser capaz de liderar uma produção com uma prestação completa e cativante. Paul (Breaking Bad) tem um tempo de ecrã significativo, mas apesar da sua interpretação competente, os grandes momentos pertencem inteiramente à atriz.
Nota final para os leitores: evitem o trailer principal a todo o custo. Se a curiosidade for demasiado forte, optem pelo teaser curto, que mantém o mistério e as questões intrigantes, ao contrário do trailer oficial, que não só revela demasiado, como mostra demasiado.
VEREDITO
Ash não traz nada de novo aos géneros que mistura, nem se aprofunda nos seus temas de forma especialmente marcante, mas ainda assim entrega uma experiência intrigante, impulsionada por uma atmosfera imersiva e uma protagonista absolutamente cativante. A presença magnética de Eiza González “vale o bilhete” por si só e existem detalhes técnicos a merecer elogios que ajudam a criar uma experiência envolvente. Uma obra de extremos, onde os melhores momentos brilham tanto quanto os seus deslizes, mas que, no cômputo geral, justifica uma recomendação.