Reportagem – Super Bock Super Rock 2023 (Dia 2)

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Depois de um primeiro dia caótico, o segundo dia correu como o concerto da Caroline Polachek, com harmonia e graciosidade.

Texto de: Diogo dos Santos e Maria João Cavadas

Impressionante a quantidade de melhorias que podem ser feitas num espaço de menos de 24 horas. Na sexta-feira chegámos a um festival diferente, mais organizado, mais pensado e mais preparado para receber milhares de festivaleiros, principalmente na zona do parque junto ao recinto, que via serem introduzidos dezenas de focos de iluminação e aparentemente um maior controlo por parte de staff designado. E isso notou-se na hora de sair, sem o congestionamento do primeiro dia.

Para o segundo dia, o alinhamento afastava-se um pouco do rock e aproximava-se do hip-hop e pop, com a presença dos clássicos Wu-Tang Clan (que atuaram pela primeiro vez em solo lusitano), a estrela em ascensão Sampa The Great, o lendário Niles Rodgers & Chic, o rei do hip-hop tuga Sam The Kid, acompanhado por uma Orquestra e os Orelha Negra, e do emergente Holly Hood. Do lado do Pop tivemos os The 1975, que causaram o delírio de inúmeros fãs, e Caroline Polachek, que este ano se afirmou como uma das artistas mais seguras de si mesmo e com muita razão, dado que em tudo o que toca vira ouro. Mais para o fim da noite fomos presenteados por aquela que é uma das artistas do momento no panorama techno, a belga Charlotte De Witte.

Mais um dia de trabalho a somar ao trânsito de Lisboa, a uma linha de metro cortada e alguns comboios para Coina cortados, fosse por onde viéssemos, era garantido que a viagem para o Meco dificilmente iria ser menos de duas horas, o que se verificou. Ao chegar ao recinto já só apanhámos Niles Rodgers, que gabava uma série de músicas sobre as quais teve influência direta, tais como “Like a Virgin”, “Get Lucky” ou “Cuff It”, envolto num cenário perfeito para o estilo musical que apresentou, com o contributo precioso dos Chic, a banda que por norma o acompanha. A meio do seu concerto já se fazia notar a influência positiva que estavam a surtir na audiência – depois de terminar era claro que a boa disposição reinava.

Holly Hood seguia-se e geria o último “estágio” de preparação para os cabeças de cartaz desse dia, Wu-Tang Clan, que finalmente vieram a Portugal, mais de três décadas depois da sua formação, para alegria de milhares de fãs que envergavam camisolas e t-shirt alusivas à banda. O grupo entrou literalmente a matar, com um cover a “Bang Bang (My Baby Shot Me Down)” de Nancy Sinatra, e daí para a frente foi sempre a subir, num ambiente de apoteose que só poderia ser proporcionado por verdadeiros fãs. Como agradecimento, a banda trouxe uma série de músicas de gabarito como foi o caso de “C.R.E.A.M.”, “Protect Ya Neck”, “Wu-Tang Clan Ain’t Nuthing To F’ Wit”, “Shimmy Shimmy Ya” ou “Triumph”, com as quais encheram o palco e os já muitos elementos da banda, pareciam ainda mais, tal era a dimensão da entrega.

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Wu-Tan Clan no Super Bock Super Rock 2023 – Foto: Carlos Mendes

Mal os Wu-Tang Clan saíram do palco, já Sampa The Great dava tudo de si para manter o momentum e receber os amantes de Hip-Hop que, saciados ou não, ainda tinham espaço para mais. Acompanhada de uma banda de compatriotas zambianos na íntegra, a artista deixava toda a revolta e realização contida nas letras das suas músicas sair e tomava partido dela para entregar um espetáculo extremamente honesto e convincente.

Com As Above, So Bellow, álbum pivotal na sua carreira, lançado em 2022, havia muito de novo para contar aos portugueses, numa abordagem musical que a deixa mais próxima do mainstream, mas com as suas raízes bem patentes ao longo de todo ele. Do novo álbum foram apresentados temas como “Never Forget”, “Tilibobo” ou “Let Me Be Great”, mas foi com “Final Form”, de The Return (2019), que fechou a atuação. Ficou a sensação que não era uma artista conhecida por muito, mas depois do que apresentou e como se apresentou no palco secundário, não tenho dúvidas que, numa próxima passagem por Portugal, o palco será outro.

Terminado o concerto de Sampa, pusemos de lado o nosso fato de fãs do hip hop e recalibrámos os nossos ouvidos para o tão antecipado regresso dos britânicos The 1975 a Portugal. Foi com o seu pop rock tão característico, romântico, cru e até com um quê de polémico que a banda liderada por Matty Healy nos fez soltar a voz com toda a alma. Com temas mais dançáveis, outros mais calmos, aproximando-se mais ou menos do rock, são as letras das suas canções, dotadas de mensagens, atrevemo-nos a dizer, tão pessoais, que fazem com que nos sintamos em casa, durante um concerto da banda britânica. Em boa verdade, sentimos que estamos a ver o concerto de amigos nossos, cujas músicas já ouvimos dezenas de vezes.

A sua fanbase ali esteve para ser o seu coro. Não que precisem de procurar, a banda abriu com “Looking for Somebody (To Love)”, tirada do seu último álbum, Being Funny In A Foreign Language (2022). Ainda num registo energético e animado, continuaram com “Happiness”, do mesmo álbum, mas com “Oh Caroline” levaram-nos para um lugar mais lamentoso. E essa é uma das magias que Matty Heally e companhia conseguem fazer: temas que podiam ser da autoria de uma panóplia de bandas distintas, mas que, mesmo assim, não deixam de ter uma base central que nos faz saber sem espaço para dúvidas de quem é autoria do que estamos a ouvir. Logo de seguida, de volta a um mundo mais alegre e sem perder vista o mesmo álbum, “I’m In Love With You”, um tema de nos deixar com um sorriso na cara, apaixonados, ou não.

À medida que o concerto avançava, assistíamos a uma curta-metragem da história dos The 1975. Do álbum Notes On a Conditional Form (2020), que em ano de pandemia foi o ponto mais baixo da carreira da banda, saía um dos poucos singles que fazem o álbum valer a pena: “If You’re Too Shy (Let Me Know)” mandava-nos dançar.

Em contrapartida, de A Brief Inquiry Into Online Relationships (2018), que foi o álbum mais invetivo da banda e os catapultou para o estrelato, saíram músicas como “Give Yourself a Try” que serviu de ponte neutra para “It’s Not Living (If It’s Not With You)”, que contou com a letra bem sabida dos fãs e foi um dos momentos altos do espetáculo. Houve ainda pequenas passagens pelos álbuns de 2016 (I Like It When You Sleep…) e 2013 (homónimo), que alimentaram um alinhamento que nos mantinha no limbo entre o positivismo e o pessimismo.

Com vontade de ter um lugar privilegiado no concerto que se seguiria, ouvimos os últimos temas já ao longe, como “Love It If We Made It”. Com um início de concerto claramente marcado por temas do mais recente álbum, fomos viajando no tempo através de sucessos um pouco mais antigos e temos a certeza de que ninguém se sentiu aborrecido durante aquela hora, com a interação do vocalista com o público a ser o mais natural e descontraída possível. Esperamos que regressem em breve.

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The 1975 no Super Bock Super Rock 2023 – Foto: Carlos Mendes

Vamos tirar o elefante da sala e dizer que a estrela da noite foi Caroline Polachek, na sua primeira passagem pela capital, sendo que a estreia absoluta foi na edição de 2022 do Primavera Sound Porto, na Invicta. A artista americana, que deu os primeiros grandes passos no mundo na música enquanto parte dos Chairlift, projeto que abandonou para arriscar numa carreira a solo, na qual começou por lançar dois álbuns sob os nomes Ramona Lisa e CEP, mas nunca conseguiu materializar esses projetos em sucesso. Às vezes acertamos, às vezes aprendemos e, em 2019, Caroline Polachek decidiu usar o seu próprio nome para lançar Pang. O resto é história.

Com o sucesso imediato do seu primeiro álbum sem heterónimos ou bandas, vimos ser lançados singles como “Bunny Is A Rider” (2021) e “Billions“, “Sunset” e “Welcome to My Island” (2022), que prometiam algo imenso. Em fevereiro deste ano vimos Desire, I Want To Turn Into You ser lançado, que tem sido foco da The Spiraling Tour, caracterizado com contagem decrescente de 1 minuto até ao início do espetáculo, aumentando a antecipação e o entusiasmo do público, que estava notoriamente investido. Felizmente, e sem grande admiração, ouvem-se, bem alto, as notas iniciais de “Welcome To My Island”, o primeiro tema do novo álbum. Com Caroline e a sua banda em palco e um público que parecia ter ganho um novo fôlego após horas e horas de festival, estava montado o cenário para a o momento mais mágico do segundo dia.

A alegria era visível no rosto de todos. Dançávamos sozinhos, uns com os outros, até com o vizinho do lado e nada nos incomodava, porque o ambiente de felicidade e liberdade era contagiante. Seguindo a ordem do álbum, continuávamos com “Pretty In Possible” e “Bunny Is A Rider”, um tema claramente na ponta da língua do público, que continuava na sua dança e Caroline continuava connosco. Além da sua voz, de qualidade irrepreensível (diríamos, até, digna de estudo, pela forma clareza, pureza e afinação da sua tessitura tão rara), a artista marca os seus espetáculos pelos seus movimentos de dança graciosos e algo sedutores, que se adaptam aos seus temas na perfeição. Do mesmo álbum, interpretou “Sunset”, uma canção com um toque de flamenco, que se afasta dos anteriores.

Assim continuamos, encantados pelo seu poder vocal, a ouvir “I Believe”, “Fly To You” (a versão da música com Grimes e Dido), e “Blood and Butter”, todas do seu último álbum. Ouvindo apenas umas notas, o público imediatamente reconhece o tema que se seguiria: várias pessoas exclamavam “é a “Billions”!” – e não é que era mesmo? Continuávamos emergidos num ambiente de alegria, sorrisos e uma rouquidão a ameaçar. E claro que não ficávamos por ali. Surpresa? Nenhuma.

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Caroline Polachek no Super Bock Super Rock 2023 – Foto: Carlos Mendes

Um pouco por todo o alinhamento houve algumas passagem pelo seu primeiro álbum enquanto “Caroline Polachek”, falo de Pang (2019). Para além de “Pang”, ouvimos “Ocean of Tears”, que ninguém ali tinha esquecido. As notas agudas com que Caroline nos presenteia em quase todas as suas canções, e nesta em particular, pelo posicionamento climático pós-refrão, deu-nos arrepios na pele. “So Hot You’re Hurting My Feelings”, o tema mais conhecido da artista, que chegou a fazer furor no TikTok, graças a uma dança que se tornou viral e que a própria chegou a recriar e publicar na rede social, chegava.

A rouquidão e algum cansaço de tanto dançar e pular já se fazia sentir, mas não na nossa Caroline. E um tema cheio de energia para terminar? Também não. O concerto fechou com “Door”, uma canção de amor, também ela do primeiro álbum. E nem todos podem dar-se ao luxo de manter o mesmo público do início ao fim, mesmo que já se tenha ouvido o tema que todos conhecem. Caroline Polachek é a prova de como a música pop não tem de ser básica nem simples e de que é possível ser-se consistente sem se ser repetitivo.

Terminava Polachek e a belga Charlotte De Witte canalizava a energia dos resistentes para o processo que consistia em incendiar o palco principal com o melhor que o techno atual tem para oferecer, da sua autoria claro. Apesar de ser sabido que era DJ Set, não foi por isso que se acanhou e quem ficou para a ver estava investido na rave que crescia a olhos vistos, contagiando a audiência como se uma nova vaga de pandemia se tratasse.

Gostámos muito do primeiro dia, mas este segundo não lhe deve absolutamente nada. Apesar de gostarmos de inúmeros artistas que vão tocar hoje no Meco, temos perfeita consciência que o que aconteceu nos últimos dois dias não vai ser pêra doce de superar.

Foto de: Carlos Mendes

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