Fiona Apple lançou um dos álbuns mais brilhantes dos últimos anos. Pronto, já disse.
Tinha de abrir com esta informação que considero urgente para todos os amantes de música que passaram ao lado disto.
Para além da obra de arte que é Fetch The Bolt Cutters (não, Fiona Apple não me está a pagar à comissão), abril contou com outros excelentes álbuns, tais como o fecho da trilogia de Manchester por parte de BC Camplight ou o regresso de Yves Tumor com um álbum mais focado. O resto do mundo também decidiu que, em abril, tinha algo a dizer, e Lido Pimienta (Colombia), Rina Sawayama (Japão) e Yaeji (Coreia do Sul) também decidiram dar um ar da sua graça com álbuns muito distintos e bastante únicos.
Ainda em tom de manchete: Os The Strokes estão de regresso sete anos depois!
Ashley McBryde – Never Will
Género: Country/New Traditionalist
Link para o Spotify
Com o álbum anterior (Girl Going Nowhere), Ashley McBryde deixou bem claro o rumo que queria dar à sua carreira, mais longe do country oco e genérico. Com Never Will manteve esse rumo, expondo-se mais na escrita, provando que tem a alma e carácter para chegar a grandes palcos com a sua música. A criatividade que emprega na composição de sonoridades que produz torna a promessa ainda mais excitante. Foco na faixa “Voodoo Doll”, magnífica!
Classificação do álbum: ★★★½
Músicas a ouvir:
- Hang In There Girl
- One Night Standards
- Voodoo Doll
- Sparrow
BC Camplight – Shortly After Takeoff
Género: Indie Rock/Alt-Rock
Link para o Spotify
Shortly After Takeoff é o álbum que completa a famosa Manchester Trilogy de Brian Christinzio, que facilmente poderia ser chamada da Tragedy Trilogy.
Não tem sido fácil a estadia do músico de Filadélfia em Manchester, ainda mais sabendo que o seu suposto auge enquanto músico está a ser constantemente perseguido por alguma tragédia que prejudica a promoção dos seus álbuns.
Pouco depois de lançar How To Die In The North (2015), foi deportado e banido do Reino Unido; Em 2018, dias depois após o lançamento do Deportation Blues, o seu pai faleceu; Com o novo álbum, o Reino Unido entrou numa fase mais agressiva da pandemia Covid-19. Caso para dizer: Brian não tem sorte nenhuma.
Em todo o caso, o que não falta ao músico é talento, pelo que não é coincidência que este último álbum da trilogia em Manchester seja o melhor da sua carreira e, certamente, um dos melhores do ano.
É, provavelmente, o álbum mais criativo e versátil (sem entrar em aleatoriedades) que ouvi desde o A Brief Inquiry into Online Relationships (2018) dos The 1975.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
- I Only Drink When I’m Drunk
- Back To Work
- Cemitery Lifestyle
- Shortly After Takeoff
- Born To Cruise
Empress Of – I’m Your Empress Of
Género: Electronic Pop/House
Link para o Spotify
Quando, em 2015, Lorely Rodriguez lançou Me (o seu álbum de estreia), tornou-se num dado adquirido que a persona Empress Of estava trilhada para conseguir oferecer algo fresco à indústria musical. Três anos depois produziu Us, um álbum mais dreamy e apaixonado, e foi com um single desse álbum (When I’m With Him) que consolidou o seu nome em plataformas mais mainstream.
Este ano, Lorely Rodriguez quebra a corrente do álbum anterior, dando a sensação que a motivação para produzir música nessa altura foi arrancada da sua vida. Segundo a artista, ter feito a sua tour em 2019 solteira e de coração partido foi uma experiência que a fez crescer bastante como pessoa. O processo resultante dessa fase menos positiva da sua vida foram dois meses fechada em estúdio, onde escreveu e produziu I’m Your Empress Of sozinha.
Nesse processo, Lorely trocou as sonoridades dream pop por sonoridades mais eletrónicas acompanhadas de batidas house fluidas, com letras bastante sóbrias, cruas e transparentes.
Este álbum não é, de todo, o trabalho perfeito, mas captou bem a essência das paixões modernas e passou o estado de espírito de Lorely para a música com distinção.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
- Love Is A Drug
- U Give It Up
- What’s The Point
- Hold Me Like Water
Enter Shikari – Nothing Is True & Everything Is Possible
Género: Alt-Rock/Electronic
Link para o Spotify
Em 2007, os Enter Shikari lançaram o seu álbum de estreia e foram automaticamente catapultados para a ribalta, mas só oito anos depois conseguiram um trabalho memorável com o Mindsweep. Aparte disso, pode-se dizer que foram conseguindo manter alguma consistência nos restantes álbuns que foram lançando ao longo dos anos.
Em 2020, a banda regressa com um trabalho bastante interessante (explorando abordagens do passado) onde, apesar do foco ter nuances de inúmeros géneros, a cola que liga as músicas funciona lindamente.
Com uma adjetivação simples e precisa, Nothing Is True & Everything Is Possible é um dos trabalhos mais divertidos e excitantes do ano.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
- THE GREAT UNKNOWN
- { The Dreamer’s Hotel }
- modern living….
- T.I.N.A.
- Satellites* *
Ezra Furman – Sex Education [Original Soundtrack]
Género: Indie Pop/Indie Rock
Link para o Spotify
Apesar do álbum ter ficado disponível em janeiro (download/stream), em paralelo com o lançamento da 2ª temporada de Sex Education, só em abril foi lançado em formato físico.
De forma a dar contexto, é importante ressalvar que Sex Education (Netflix) é uma das séries mais relevantes para o público jovem e com grande amplitude na cultura Pop, tendo-se apoderado do momentum que 13 Reasons Why criou.
Sex Education retrata a vida de um grupo de adolescentes pela descoberta sexual e conquista do íntimo, captando a essência das alegrias e dissabores da adolescência, desmistificando tabus e esclarecendo dúvidas genéricas de forma fresca, simples e divertida.
Ezra Furman foi quem ficou responsável por desenvolver a banda sonora que veio dar cor e vida à série (com alguns singles de trabalhos anteriores), levando-nos numa viagem à nostalgia de um passado presente que já fez parte da vida de todos nós.
Classificação do álbum: ★★★½
Músicas a ouvir:
- I’m Coming Clean
- Every Feeling
- I Can Change
- Devil or Angel
Fiona Apple – Fetch The Bolt Cutters
Género: Pop Rock/Indie Rock
Link para o Spotify
Já lá vai mais do que uma década desde que comecei a explorar a discografia de Fiona Apple e, quando Idler Wheel… foi lançado, pode-se dizer que fiquei rendido. Num mercado a 1000 à hora, a artista marca o seu próprio passo e, quando produz música, fá-lo com cabeça, tronco e membros.
Oito anos depois, Fiona regressa com um álbum onde, mais do que em controlo, prova que chegou a uma fase da sua vida em que a compreendeu, aceitou e absorveu como ela é. Nem tudo é linear e muito menos justo.
Fetch The Bolt Cutters é metafórico e literal ao mesmo tempo, surgindo como fruto de uma necessidade de desabafo. É o descarregar de oito anos de pensamentos soltos e divagação, expondo o que precisa de ser exposto (por muito incomodativo que possa ser) e deixar clara a posição da cantora em relação a várias temáticas sensíveis. Ler mais…
Classificação: ★★★★★
- I Want You To Love Me
- Fetch the Bolt Cutters
- Under The Table
- Relay
- Newspaper
- Ladies
- Heavy Ballon
- Cosmonauts
- Drumset
Laura Marling – Song for Our Daughter
Género: Folk/Folk Rock
Link para o Spotify
Com sete álbuns em 13 anos, temos visto a carreira de Laura Marling crescer a um ritmo lento, mas constante – tal como a sua maturidade como pessoa e profissional.
O problema é que esta pandemia é uma faca de dois gumes no que toca a lançamento de álbuns, porque o mundo está com mais tempo para ouvir com ouvidos de ouvir. Posto isto, é preciso uma artista estar realmente segura do teor do seu trabalho para optar pelo lançamento nesta altura, até porque, se não tiver nada que o faça sobressair, rapidamente cai em esquecimento.
Falo nisto porque o teor do trabalho de Laura não é algo arriscado de produzir e, caso lhe falte alma, não passa de um lançamento dedicado aos fãs.
As boas notícias é que Song For Our Daughter é o trabalho mais maduro da cantora até agora e a sua ternura e beleza é exatamente o que o mundo precisava neste momento. É o álbum perfeito de companhia e o facto de ser o seu disco mais acessível até à data pode ser uma oportunidade para aumentar a base de fãs.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
- Alexandra
- Held Down
- Only The Strong
- Hope We Meet Again
- For You
Lido Pimienta – Miss Colombia
Género: Latin/Electronic
Link para o Spotify
Lido Pimienta é uma artista colombiana (residente no Canadá) que, apesar de ter começado a sua carreira há 10 anos, só em 2017 começou a ganhar reconhecimento ao ganhar o Polaris Music Prize. Este prémio contempla os trabalhos de artistas com nacionalidade canadiana e, no ano em que Lido Pimienta ganhou, alguns dos álbuns opositores eram You Want It Darker de Leonard Cohen e Pleasure de Feist.
O mais incrível é que Lido ganhou esse prémio e canta em castelhano, algo que reforça a posição que tenho defendido este ano: a indústria musical está a mudar e a adaptar-se a línguas em vez de serem os artistas a adaptarem-se ao inglês para conseguir um nível sucesso transcendente.
O que torna a música da cantora de ascendência colombiana são influências musicais tradicionais/afro-colombianas que emprega no som e ritmo que produz, sendo o synth-pop e eletrónica a base do mesmo.
Lido Pimienta junta-se, assim, a Rosalía, Bad Bunny e J Balvin na missão de difundir a música cantada em castelhano pelo mundo.
Classificação do álbum: ★★★★½
Músicas a ouvir:
- Eso Que Tu Haces
- Nada
- Te Queria
- Coming Thru
- Resisto Y Ya
Mystery Jets – A Billion Heartbeats
Género: Alternative/Indie Rock
Link para o Spotify
Foram precisos esperar 14 anos para os Mystery Jets lançarem um álbum capaz de os tirar da garagem e conferir-lhes estofo para os catapultar para grandes palcos, mas o momento finalmente chegou.
O timing não é o melhor a nível de conjuntura, mas creio que é uma questão de tempo.
A nível temático, é um álbum consciente e atual que trata assuntos como o ativismo ambiental (contando inclusive com uma homenagem ao movimento criado por Greta Thunberg em “Wrong Side of the Tracks”), as alterações climáticas, o impacto político ou a austeridade.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
- Screwdriver
- History Has Its Eyes On You
- A Billion Heartbeats
- Endless City
- Wrong Side Of The Tracks
Rina Sawayama – Sawayama
Género: Pop/Nu-Metal/R&B
Link para o Spotify
Longe vão os tempos onde o nu-metal dominava os charts e roubava protagonismo ao também emergente pop/R&B. No entanto, a partir de 2010, o nu-metal começou a perder gás e agora só há vestígios de sucessos passados.
Rina Sawayama chega para contrariar isso, num álbum que é uma homenagem ao estado de sítio da música na viragem do milénio onde Korn, Britney Spears, Evanescence e Christina Aguilera eram algumas das maiores estrelas da música.
Um mix muito estranho, mas a cantora japonesa conseguiu a proeza de fazer um revival fantástico a esse mix num só álbum (de “STFU!” a “Love Me 4 Me”), proporcionando uma viagem nostálgica fantástica. Apesar de eu ter um carinho especial pelo nu-metal puro, fica o desejo de ver o que vai resultar desta nova mistura com o pop.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
- Dynasty
- XS
- STFU!
- Comme Des Garçons (Like The Boys)
- Love Me 4 Me
- Bad Friend
The Strokes – The New Abnormal
Género: Indie Rock/New Wave
Link para o Spotify
As saudades do indie rock e a forma como tomou o mundo de assalto entre 2005 e 2015 é enorme, logo este regresso dos The Strokes criou grandes expetativas (verdade seja dita: maiores do que a qualidade do produto final). The New Abnormal é um Angles mais despido, mas, ainda assim, não deixa de trazer sonoridades agradáveis com o clássico trabalho de sintetizadores no fundo.
“Not The Same Anymore“ em slow tempo é algo diferente do que estamos habituados, mas não falhou. Nota também para o falsete surpreendente de Casablancas em “Eternal Summer”.
O admirável é uma banda mais madura e crescida ainda ter a capacidade de produzir material dotado da vitalidade que lhes deu nome. E depois da deceção com Comedown Machine e o Future Present Past EP, Julian Casablancas e companhia estavam debaixo de um teste de fogo: passaram, mas deixam um pouco a desejar.
Numa altura em que deviam estar a fortalecer o seu legado depois de uma década dececionante, lançaram um Extended Play (meio experimental) disfarçado de álbum.
Classificação do álbum: ★★★½
Músicas a ouvir:
- The Adults Are Talking
- Selfless
- Not The Same Anymore
Thundercat – It Is What It Is
Género: Jazz Fussion/R&B
Link para o Spotify
Stephen Bruner aprimorou o seu som e, apesar de continuar a investir em álbuns com uma grande quantidade de faixas (à semelhança de Drunk em 2017), desta vez dá uso a essa quantidade extra para criar a cola que torna It Is What It Is no seu álbum mais coeso até à data, através de vários interludes.
Interludes esses que contribuem positivamente para esta viagem ao longo de um álbum perfeitamente equilibrado entre jazz fusion e R&B, que nos dá a conhecer melhor a mente de Bruner, criando a sensação que estamos a ouvir uma longa faixa para contemplação.
É o que é, mas é muito bom.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
- I Love You Louis Cole
- Black Qualls
- Funny Thing
- Dragonball Durag
- King Of The Hill
- I Love You Louis Cole
- Black Qualls
- Funny Thing
- Dragonball Durag
- King Of The Hill
Yaeji – What We Drew [Mixtape]
Género: Electronic/House
Link para o Spotify
O trabalho da cantora/produtora de ascendência sul-coreana não me é estranho, dado que, em 2017, deu-SE a conhecer ao mundo com Singles como “Raingurl”, “Drink I’m Sippin’ On” ou “One More” (Peggy Gou e BTS seguiram-lhe os passos na conquista do mercado internacional).
Em 2020, Yaeji regressa com uma mixtape cantada quase na íntegra em coreano que foge do floreado do pop e se foca nos detalhes, mantendo uma orientação artística focada nos aesthetics, mas sem nunca perder a fluidez. Com What We Drew, Yaeji aproveita para partilhar os seus sonhos, ansiedades, paixões e receios, acompanhados de uma sonoridade eletrónica ousada e inventiva.
Classificação do álbum: ★★★★
Músicas a ouvir:
- WHAT WE DREW 우리가 그려왔던
- WHEN I GROW UP
- SPELL 주문 (ft. YonYon, G.L.A.M.)
- WAKING UP DOWN
Yves Tumor – Heaven to a Tortured Mind
Género: Experimental Rock/Psychadelic Soul
Link para o Spotify
Sean Bowie devia ser caso de estudo. A sua loucura característica confere-lhe um dom de criar música bastante distinta. Tão distinta que o concerto que deu no NOS Primavera Sound 2019 foi um dos mais eletrizantes que vi, também muito graças à qualidade do álbum predecessor. Safe in the Hands of Love foi, sem dúvida, um dos grandes marcos da música em 2018, onde após cada faixa ouvida não sabíamos bem o que esperar da próxima.
Com Heaven to a Tortured Mind, Bowie parece ter encontrado um porto seguro onde pode abstrair-se de tudo o que o rodeia e concentrar-se em novos truques onde nenhuma emoção é de menos. Quanto às pessoas que o ouvem com gosto, têm neste novo trabalho mais um espectáculo para se deliciarem e no fim aplaudirem de pé.
O Rock’n’Roll está vivo e de boa saúde graças a Yves Tumor.
Classificação do álbum: ★★★★★
Músicas a ouvir:
- Gospel For A New Century
- Kerosene!
- Romanticist
- Super Stars
- Strawberry Privilege
Confesso que do mês de maio não ouvi mais do que uma dúzia de álbuns. Mas depois de ter essa análise pronta e recuperar o atraso, vai ser mais fácil para meter a “casa em ordem” e lançar as análises relativas a um determinado mês mal ele acabe.
É preciso ter em conta que foram quatro meses de música transcritos para artigos de análise num espaço de 36 dias… Se as horas de música ouvidas no Spotify funcionassem como os dados móveis, creio que, por esta altura, já estava a esgotar o tráfego anual. Enquanto isso podem dar uma espreitadela na seleção do mês anterior.
Sem mais demoras, deixo-vos aqui um single lançado em abril que promete deixar-vos com vontade de dançar pela noite dentro.