Crítica – Fetch the Bolt Cutters (Fiona Apple)

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Fetch The Bolt Cutters é, até ver, o melhor álbum do ano. Roubar-lhe o lugar não vai ser fácil!

Fetch the Bolt Cutters - Fiona Apple

Já lá vai mais do que uma década desde que comecei a explorar a discografia de Fiona Apple. Quando Idler Wheel… foi lançado, pode-se dizer que fiquei rendido. Num mercado a 1000 à hora, a artista marca o seu próprio passo e, quando produz música, fá-lo com cabeça, tronco e membros.

Oito anos depois, Fiona regressa com um álbum onde, mais do que em controlo, prova que chegou a uma fase da sua vida em que a compreendeu, aceitou e absorveu como ela é. Nem tudo é linear e, muito menos, justo.

Fetch The Bolt Cutters é metafórico e literal ao mesmo tempo, surgindo fruto de uma necessidade de desabafo. É o descarregar de oito anos de pensamentos soltos e divagação, expondo o que precisa de ser exposto (por muito incomodativo que possa ser) e deixa clara a posição da cantora em relação a várias temáticas sensíveis.

O álbum abre com um estrondo. Fiona revelou que o simbolismo de “I Want You To Love Me” já mudou inúmeras vezes: já foi sobre uma relação qualquer, já foi sobre a sua relação com Jonathan Ames… Com o término da relação afetiva com Ames, colocou outro tipo de carga emocional na canção, a de aceitação. No presente, Fiona revelou que fez pazes com o rumo que a sua vida tomou, tanto os momentos positivos e negativos. A verdade é que foi a soma destas duas partes que a tornaram no ser consciente e equilibrado que é hoje.

“Fetch The Bolt Cutters” é a música mais poderosa do álbum, surgindo como um ajuste de contas para com a forma como foi tratada e rotulada em 1997 pelo discurso de aceitação sincero e sem filtros dos VMA, quando os media, a crítica e os fãs esperavam uma postura de menina bonita do Pop. Com a ascensão do Pop como género musical e da Cultura Pop como estilo de vida, nasceu o consumismo estético express, moldando a vida dos jovens para se adaptarem constantemente ao novo “cool“.

Fiona Apple lutou contra o facto de terem tentado moldá-la e rotulá-la de Pop Star, tendo sido quase “excomungada” de tudo o que é cobertura jornalística e de consideração para prémios. Ao fim destes anos todos, enquanto as Pop Stars da turma dos anos 90 ou desapareceram com o tempo ou continuam a moldar-se ao mainstream sem brio e brilho (sobrevivendo de sucessos do passado), Fiona Apple mantém-se fiel a si própria e lança mais um álbum memorável. Se refletirmos bem, acaba por ser irónico a forma como, 23 anos depois, Fiona Apple vem abanar a estrutura Pop, provando que era ela quem estava correta.

“Under The Table” é uma música sobre um momento em particular da vida da cantora, mas que retrata um largo leque de situações com as quais já nos deparámos (ou vamos deparar) muitas vezes ao longo da vida: Quando é suposto sermos politicamente corretos para agradar a alguém (muitas vezes por vontade de terceiros) e decidimos manter a integridade ao invés de cair nas boas graças dessas pessoas que, na realidade, não nos dizem nada. O mais certo é sofrer negligência, mas as pessoas autênticas como Fiona não se deixam afetar.

A meio do álbum surge uma sequência intensa e forte de músicas (“Relay”, “Newspaper” e “Ladies”) que alerta para a necessidade do feminismo como factor de união e respeito entre as mulheres.

A nomeação de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos e toda a confusão com acusações relativas ao passado do mesmo causou revolta em Fiona. Desta forma, esta decidiu usar “Relay” para expor a agressão sexual que sofreu quando tinha 12 anos e ironizar o facto de, grande parte das vezes, ser considerado que a vítima também tem culpa, só porque o agressor vem de “boas” famílias, como é o caso de Brett: “I resent you for being raised right / I resent you for being tall / I resent you for never getting any opposition at all / I resent you for having each other / I resent you for being so sure / I resent you presenting your life like a fucking propaganda brochure“.

“Newspaper” aborda aquele tipo de relação abusiva onde o homem começa uma relação extra-conjugal e ilude ambas as mulheres até ser descoberto. Nesse momento, a mentira é tão grande que cria atrito entre as duas sem se conhecerem: “I wonder what lies he’s telling you about me / To make sure that we’ll never be friends / And it’s a shame because you and I did not get a witness / We’re the only ones who know“. Para Fiona, é urgente que a união entre as mulheres seja maior, de modo a evitar situações onde ficam uma contra a outra, despenalizando o verdadeiro culpado pela situação.

“Ladies” aproveita o fio condutor de “Newspaper”. A intro com a palavra “Ladies” repetida de forma condescendente (que se repete ao longo da música) vem reforçar a ideia da tentativa do homem em distorcer a traição. Fiona descreve estar confortável com a situação, tendo feito paz com o facto de existirem homens assim, partilhando o tom de condescendência característico da intro: “There’s a dress in the closet / Don’t get rid of it, you’d look good in it / I didn’t fit in it, it was never mine / It belonged to the ex-wife of another ex of mine“.

Já “Heavy Baloon” é uma metáfora que retrata as pessoas que lutam contra a depressão e tentam disfarçar, mostrando que estão felizes e num bom momento. Apple faz a analogia entre esse “sentir” e “mostrar”, usando de forma genial a oposição entre os versos e o refrão. Os versos são sarcásticos e obscuros: “In the middle of the day, it’s like the sun / But the Saharan one, it’s staring me down / Forcing all forms of life inside of me to retreat underground“. Os refrões são agressivos e determinados: “I spread like strawberries / I climb like peas and beans / I’ve been sucking it in so long / That I’m busting at the seams“.

Segundo consta, “Cosmonauts” foi inicialmente escrita para This is 40, de Judd Apatow, que explora a vida familiar e relações humanas. Fiona Apple revelou que foi um desafio, dado que a cantora não sabe se está predisposta à ideia de partilhar a sua vida com alguém a título definitivo, acreditando que a monogamia não é algo impossível: “I did have hope when I was writing that song, and honestly, there’s absolutely hope that I could find a relationship. But I don’t really want to. (…) I like my life how it is, and I don’t feel very romantic these days“. A música não foi incluída na banda sonora do filme, acabando por ser re-trabalhada e lançada oficialmente neste álbum.

Foram precisos oito anos de espera por nova música, mas considero que valeu a pena. Não é um álbum fácil de ouvir, porque é complexo quer na sua composição sonora, quer no teor das letras. Mas se o explorarem devidamente e dedicarem tempo a compreender as mensagens por detrás dele, vão perceber que a genialidade associada a Fiona Apple não é obra do acaso.

Só para finalizar, Fetch The Bolt Cutters vai-se tornar, muito provavelmente, no melhor álbum do ano, num dos melhores desta nova década e, certamente, num álbum intemporal.

O álbum já está disponível em plataformas como o Spotify. O formato físico (CD e Vynil) só será lançado a 17 de julho, mas já é possível fazer pré-reserva.

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