Once Upon a Katamari Review:  Uma viagem no tempo

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A série Katamari procura reinventar-se em Once Upon a Katamari, mas sem nunca mexer na jogabilidade, o que é um feito incrível.

Katamari Damacy é um caso de estudo, daqueles que merecem ser inspecionado sobre a atenção magnificada de uma lupa. Estamos a falar de uma série que se popularizou em torno da sua jogabilidade irreverente, onde navegamos por níveis a enrolar todos os itens que conseguimos, mas também da arte e sentido de humor do seu criador, Keita Takahashi. No fundo, uma série que tinha tudo para cair no vortex temporal que os anos 2000, esquecido por muitos, relembrado pela sua irreverência e absurdismo por alguns fãs. Um jogo de culto.

Apesar de não se tratar da série mais popular dos últimos 25 anos, a verdade é que Katamari nunca abandonou a cultura popular, resistindo a gerações, plataformas e mudanças profundas na indústria de videojogos para se manter fiel às suas origens. Ainda hoje, Katamari continua a ser sinónimo de criatividade, a recordação de uma indústria diferente, muito longe das modas e sensibilidades atuais, capaz de sobreviver até sem o cunho de Takahashi, que abandonou a série para perseguir outros projetos. Desde 2004, foram lançadas 16 sequelas, spin-offs e remakes. A série continua viva.

Katamari é um caso de estudo, não só pela sua longevidade, mas também pela sua resiliência ao recusar a mudança. Os anos passam, as estações mudam, os videojogos caem e voltam a subir em popularidade, mas Katamari continua a ser uma série sobre enrolar coisas com uma esfera mágica que aumenta progressivamente de escala à medida que os níveis mudam de foco entre quartos, ruas, cidades até a continentes inteiros e a próxima galáxia. Os controlos também pouco mudaram, apesar de ter recebido pequenas atualizações entre sequelas, mas a forma como interagimos com a série Katamari é transversal a qualquer jogo. Se saltarmos do primeiro jogo para, por exemplo, Katamari Forever (2009) e depois para We Love Katamari Reroll+ Royal Reverie (2023), conseguimos sentir o polimento mecânico, aliado a um level design mais expansivo e decorado por mais objetos em campo, mas rapidamente compreendemos que é o mesmo jogo. Os dois analógicos controlam a direção do Katamari, alteramos de direção quando utilizamos os analógicos em sentidos opostos e podemos aumentar a velocidade da bola ao movermos rapidamente os analógicos dos comandos. Alguns jogos adicionaram a opção de saltos, outros retiraram deliberadamente essa mecânica, existiu ainda uma passagem pelos controlos por movimento, mas Katamari manteve-se fiel às suas origens.

Esta recusa em mudar é o que dá um certo charme à série Katamari, como se existisse uma familiaridade reconfortante na sua jogabilidade, mas é também o ponto negativo que muitos jogadores adoram destacar. Muito desses jogadores talvez não tenham acompanhado a evolução incremental da série e não desculpem tão facilmente a utilização constante dos mesmos níveis, objetivos e mecânicas dos outros títulos, mas é uma crítica constante. Eu admiro esta recusa de Katamari em ser outra coisa senão Katamari, até mesmo quando a série pouco faz com a sua direção de arte ou quando a homenagem roça a imitação e regurgitação constantes. Os remakes foram um exemplo disso, onde, fora a inclusão de UX mais acessível e uma apresentação mais moderna, ambos mantiveram a estrutura e jogabilidade originais intactas ao ponto de serem admiráveis. We Love Katamari Reroll+ Royal Reverie foi um dos meus títulos favoritos de 2023 e pouco ou nada fez de novo com a fórmula porque, até então, não sentia sequer necessidade de perceber o que seria possível com a jogabilidade de Katamari.

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Once Upon a Katamari (Bandai Namco)

Mas a Bandai Namco, em colaboração com a recente RENGAME, ambicionou finalmente a transformação. Com Once Upon a Katamari, sentimos uma tentativa em brincar com a estrutura e a alma da série sem existir propriamente uma revolução mecânica. Fora a inclusão de power-ups e de tarefas secundárias, que surgem apenas em alguns níveis – um exemplo disso é a recolha de explosivos para abrirmos uma caverna secreta no nível Lots of Gold -, a jogabilidade mantém-se intacta, novamente munida de escolhas que procuram modernizar os controlos, mas sempre restrita à recolha de objetos através da bola colorida. Os níveis apresentam objetivos semelhantes aos jogos anteriores – recolhe itens até atingirem um tamanho específico, colecionem apenas itens de uma categoria, sejam rápidos a concluir o nível, entre outros exemplos –, há novamente um crescendo eficaz à medida que os níveis aumentam de escala e ficam mais intimidantes, mas continuamos a ser o Prince a empurrar a sua bola colorida enquanto tentamos reconstruir os planetas, estrelas e galáxias que o King of All Cosmos voltou a destruir.

Apesar das semelhanças mecânicas, Once Upon a Katamari é a primeira vez que sinto que algo está diferente. Algo mudou. É uma sensação peculiar e que se tornou evidente à medida que completava os primeiros níveis desta viagem pelo tempo. A jogabilidade é a mesma, mas o ritmo está diferente. Os objetivos seguem um modelo idêntico, mas a duração dos níveis e a forma como interagimos com o level design parecem ter sido modernizados com resultados nem sempre positivos. Acho que nunca me tinha sentido tão confuso a jogar um Katamari porque me fez estranhar a mudança numa série que eu sei que tem espaço para evoluir. Talvez seja uma contradição, até porque Once Upon a Katamari continua a ser absolutamente viciante devido à quantidade de colecionáveis e variantes que precisamos concluir para finalizarmos a campanha a 100%, mas é estranho sentir que algo não é tão familiar como esperava.

A primeira grande novidade é a própria estrutura da série. Continuamos a ser encaminhados entre níveis, que variam em escala e objetivos, mas agora a campanha está dividida por eras. Once Upon a Katamari é uma viagem no tempo, onde temos a possibilidade de visitar eras como o Japão Feudal, o Faroeste Americano, período Jurássico, entre outros. Os níveis são reflexos das suas eras e os objetivos procuram criar uma coesão temática que nem sempre estava presente nos outros jogos. Os objetivos continuam a envolver o enrolar de objetos com o Katamari, mas no Japão Feudal, os níveis centram-se mais na limpeza dos cenários. No Faroeste, por exemplo, temos de navegar aldeias fronteiriças enquanto colecionamos bebidas fortes e arbustos secos, e na era Jurássica capturamos dinossauros sem discernimento. Há assim uma enorme coesão visual que injeta alguma novidade ao jogo, mesmo que tenha sentido que a direção de arte e o estilo de Takahashi não sejam tão bem utilizados neste novo título, como se a RENGAME não dominasse por completo o estilo irreverente da série – ao ponto de nem as cinemáticas com o King e Queen of All Cosmos serem tão criativas como no passado.

Podemos saltar entre eras graças à S.S. Prince, a nova nave da nossa pequena personagem. Esta é a base de operações, servindo um propósito mecânico semelhante ao HUB dos outros jogos. Podemos aceder à nossa coleção, trocar de personagens, personalizar o nosso Prince, repetir níveis ou então saltar entre eras sem quaisquer problemas. A nave foi uma forma prática de adaptar o formato dos outros jogos ao mundo mais expansivo de Once Upon a Katamari, que apresenta um mapa-mundo para cada uma das eras. Estes mapas são limitados no que toca a exploração, não existem propriamente segredos para descobrirmos, fora a possibilidade de colecionarmos cápsulas com expressões e outros itens cosméticos para o Prince – disponíveis através das estátuas do King -, mas servem o propósito de conciliar os saltos temporais com os HUB do passado. Podemos aceder aos vários níveis de cada era através dos mapas e é uma adição humilde num jogo que tenta fazer alterações estratégicas à progressão da série.

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Once Upon a Katamari (Bandai Namco)

A mudança mais difícil de explicar por escrito talvez seja o ritmo e design dos níveis, que parecem ter sido uma mudança de foco tão interessante, como estranha. No geral, os níveis têm a tendência para se focarem na limpeza, especialmente nas primeiras zonas. Os objetivos requerem que consigamos crescer o Katamari ou então que consigamos colecionar objetos específicos, mas os cenários foram pensados para serem navegados ainda mais rapidamente. Como a intenção é limpar e deixar os níveis praticamente vazios, existem mais atalhos, plataformas e cenários interligados neste jogo, quase como se o seu design fosse circular. Existem mais “gimmicks” únicos por era, como martelos que temos de contornar, carris de comboios, explosivos, correntes de ar que nos obrigam a navegar os níveis com cuidado, etc. São novidades ligeiras, talvez até mais familiares do que julgue, mas os níveis surgem como suficientemente peculiares em comparação aos últimos jogos. Há algo novo e entusiasmante neste design, mas também é possível sentir como a navegação é constantemente interrompida por obstáculos mal pensados e a dimensão dos níveis não é tão sentida devido ao foco em zonas de interesse mais condensadas. O facto de sermos pontuados de acordo com a rapidez e número de itens que colecionamos, de “D a S”, talvez seja a origem desta sensação psicológica de corrida constante que nem sempre beneficia os níveis deste jogo.

A série Katamari sempre se focou na recolha de objetos e na busca pelos 100%. Once Upon a Katamari segue a mesma filosofia de design e aumenta a fasquia com um novo leque de colecionáveis. Não só temos os primos do Prince e os presentes em cada nível, como podemos colecionar coroas para completarmos cada zona a 100%. Estas coroas estão ainda mais bem escondidas do que os presentes e primos, e são um enorme incentivo para regressarmos aos níveis. Há, portanto, esta vontade em retrabalhar alguns sistemas da série enquanto a jogabilidade mantém-se como o centro imutável da experiência. Estas adições são interessantes e foi divertido encontrar as coroas, mas admito que foram, por vezes, ruído e não um incentivo constante. Posso dizer o mesmo de Katamari Ball, um novo modo onde competimos contra outros jogadores.

Once Upon a Katamari é um caso de estudo, tal como toda a série da Bandai Namco. Esta tentativa em inovar e expandir a jogabilidade de Katamari acaba por ser refrescante e igualmente confusa. As mecânicas continuam a ser impecáveis e a recompensa de colecionarmos itens enquanto rebolamos por colinas, cidades, bares fronteiriço e rios pré-históricos é imbatível. No entanto, existe uma harmonia tão familiar e restritiva que sou obrigado a admitir que qualquer nova adição talvez não seja necessária. Por mais pequena que seja a variante, sentimos os seus efeitos e ponderamos se são ou não positivos. Precisamos de níveis mais curtos e assentes no colecionismo? Valerá a pena perder o humor absurdista da série para termos mais narrativa? Ou será que os mapas e HUB são mesmo adições substanciais? Talvez este seja um primeiro e tímido passo em direção a uma nova fase na série Katamari, uma tentativa de compreender primeiro os limites desta possível transformação antes do verdadeiro salto. Sinto-me entusiasmado pela possibilidade de termos um título revolucionário na série, mas o receio tolda este entusiasmo. Será suposto Katamari evoluir e transformar-se? Valerá a pena? Talvez a resposta surja num futuro próximo.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Bandai Namco.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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