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Com uma direção de arte exuberante, a Nomada Studio confirma que Gris não foi um mero acaso, mas sim um primeiro passo para a grandeza. E Neva veio confirmar isso enquanto uma evolução da produtora espanhola.

É difícil ficar indiferente à direção de arte e à atenção aos pormenores que a Nomada Studio utilizou tão bem para dar vida ao mundo bucólico de Neva, o seu novo jogo de ação e aventura, confirmando que Gris não foi apenas um mero acaso no catálogo da produtora espanhola. As cores fortes, a utilização de planos quase como telas, a iluminação e contrastes com as sombras carregadas das zonas mais inóspitas, as brincadeiras visuais com cenários espelhados e a animação detalhada, fluída e viva das protagonistas, nunca deixam de surpreender enquanto acompanhamos a sua viagem ao longo de quatro estações do ano e de uma miríade de combates e situações de sobrevivência. Mas tal como Gris, a direção de arte seria meramente decorativa se não existisse uma base emocional forte e um propósito para a beleza que acompanha mais uma aventura linear marcada por uma narrativa visual que nunca precisa do auxílio da linguagem para ser sentida. É a relação de Neva com a protagonista que ata aquela que foi a viagem emocional que finalmente me fez compreender o que aproximou tantos jogadores da obra e sensibilidade da Nomada Studio.

Sem diálogos ou cinemáticas mais tradicionais – no sentido em que não temos a utilização de narrativa ou qualquer outra exposição mais direta sobre os acontecimentos narrativos do jogo -, é possível interpretar os acontecimentos de Neva livremente e a relação entre a loba Neva e a sua companheira humana não necessita de palavras. As duas são unidas pela ausência da matriarca que as protegia, perdidas num mundo consumido diariamente por uma entidade que muda a natureza e forma dos animais e plantas que dão vida aos cenários esbeltos de Neva. Sem a âncora que as unia contra um mal comum, a loba e a sua humana têm de se conhecer e começar do início, sem saber o que as espera. Ao longo do ano, que se divide pelas quatro estações, nós vamos acompanhamos o nascimento e o fortalecimento da amizade entre as suas duas personalidades vincadas, desde os seus primeiros passos até à derradeira batalha que poderá exigir mais do que destreza em combate – talvez um sacrifício e um ciclo de perda que tem e deve ser quebrado para que o futuro possa continuar sem a influência do passado.

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Neva (Nomada Studio)

Durante o verão, Neva é uma loba desajeitada. Já a sua companheira humana é capaz de lutar, sendo muito hábil com a espada e rápida a esquivar-se e a saltar, capaz de subir plataformas com facilidade e evitar ataques inimigos. Mas Neva, sendo o seu oposto, para ela, tudo é novo, uma distração, algo para cheirar e brincar, como se o mundo fosse desprovido de perigo. Neva distrai-se com facilidade, segue outros animais e procura alimentos nas plataformas e árvores mais escondidas, mas é constantemente guiada pela voz da sua companheira. Quando esta chama pelo seu nome, cuja mecânica está associada a um dos botões do comando, a loba desperta da sua jovialidade e regressa para junto da sua humana, acompanhando-a, agora, na caminhada pelos cenários naturais deste mundo à beira do fim.

Neste primeiro contacto, Neva é uma tela branca, apenas guiada pela sua natureza, mas ainda incerta e amedrontada pelas criaturas que a atacam. Então é preciso ajudá-la a compreender o mundo e a treiná-la para ultrapassar os vários obstáculos que encontrará pelo caminho. Apesar de estar longe de The Last Guardian, e de funcionar de forma semelhante mais a nível temático do que propriamente mecânico, o jogo encaixa perfeitamente estes momentos de aprendizagem durante os momentos iniciais da campanha, com a humana a chamar por Neva quando esta tem receio de saltar, devido à distância entre plataformas ou quando ajudamos a loba a subir depois do salto, garantindo que ela não cairá. Neva também imita a nossa personagem e segue os seus passos à medida que nós próprios interiorizamos e aprendemos as mecânicas em jogo. Nós saltamos e Neva salta também, numa harmonia que começa lenta, mas seguramente a nascer entre as duas personagens. E se Neva realizar uma tarefa com sucesso, ou se se sentir com medo e intimidada pelo mundo à sua volta, podemos recompensá-la e acalmá-la com festas que cimentam ainda mais a relação entre as duas personagens.

O medo e ingenuidade de Neva são sentidos no sistema de combate. A loba é incapaz de lutar durante as primeiras zonas e cabe à sua humana protegê-la das criaturas que as perseguem. Estas entidades viscosas, que se apoderam de outros animais e moldam os cenários à sua imagem, surgem em vários formas, desde versões mais quadrúpedes com padrões fáceis de ler até a criaturas capazes de voar e outras que são capazes de se esconderem em rochas que utilizam como armas de arremesso. Os primeiros confrontos resumem-se a ataques de espada, a desvios rápidos e ao controlo do número de criaturas em campo, delineando o que prometia ser um sistema sem garra ou variedade para aguentar as curtas horas de duração. Se o combate se assumia como uma das grandes diferenças em relação a Gris e se se apresentava assim, não seria de estranhar a reação adversa dos jogadores, revelando-se como um extra apenas para se distanciar do título anterior.

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Neva (Nomada Studio)

Mas Neva cresce juntamente com a sua protagonista e depois do verão, o mundo e mecânicas expandem-se e o jogo começa a revelar-se com surpresa. Nunca temos acesso a enormes e vistosas combinações de ataques ou às tradicionais árvores de habilidades que desbloqueiam novas ações para Neva e a sua companheira humana, mas vemos a introdução da loba enquanto guerreira e, com ela, a expansão das sequências de plataformas para um novo patamar de dificuldade. Com um controlo sempre fluído e responsivo, com as animações a interligarem-se perfeitamente entre ações da heroína humana, os combates ganham vida. Neva torna-se mais independente e capaz de contra-atacar os inimigos, deixando de ser uma cria para ser uma caçadora. A sua participação em combate começa por ser aleatória, relegada a momentos pré-definidos, mas com o avançar das estações e com o seu crescimento, Neva assume uma presença mais mecânica e podemos comandá-la a atacar inimigos específicos, cuja utilização serve até para momentos específicos de navegação fora dos confrontos.

Esta sensação de crescimento é eficaz exatamente porque vemos Neva a transformar-se numa guerreira, agora mais segura e destemida, capaz de atacar sem receio de represálias. Tal como uma adolescente, a sua verve é tão mais acentuada que necessitamos de a acalmar e acompanhá-la para que não tome riscos desnecessários. Estes momentos são pontuais, mas demonstram como a jogabilidade e a narrativa abraçam tão eficazmente as temáticas sem necessitarem de um leque extenso de mecânicas e sistemas ou de diálogos expositivos para explicarem tudo o que se passa a nível visual na campanha. Não são necessárias palavras quando vemos e sentimos a união das duas personagens ao longo dos combates e dos desafios físicos enquanto estas escalam enormes estruturas e evitam os perigos que tentam parar a sua missão.

Onde Neva peca é na forma como guarda os seus melhores momentos para a reta final, perdendo a oportunidade de escalar os desafios e o deslumbramento mecânico de forma mais eficaz ao longo da campanha. A Nomada Studio dependeu demasiado da beleza visual do jogo para manter a jogabilidade com menos opções de combate e navegação durante as primeiras horas, uma decisão que poderá condicionar a experiência de certos jogadores. O que vos posso dizer é que Neva acaba por surpreender pela positiva e que essas surpresas tardam a chegar, mas chegam com força. Um dos momentos mais fortes foi a utilização do ecrã espelhado onde temos de combinar ambos os lados para navegarmos através das plataformas, sendo que algumas das plataformas só estavam visíveis através de uma das perspetivas. Apesar da minha crítica, é preciso compreender que Neva é um videojogo sobre crescimento, união e como nos erguemos perante um momento trágico, e sem esta espera, os temas não seriam sentidos da mesma forma e é necessário respeitar a decisão da Nomada Studio na forma como estruturaram os níveis. No fundo, há muito para amar em Neva e é um jogo belíssimo que vai além da sua arte e direção artística, culminando numa experiência que é, para mim, muito mais memorável do que Gris.

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Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Cosmocover.

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