MEO Kalorama Dia 3 – Deus no Céu, Nick Cave na Terra

Um regresso há muito aguardado pelos lisboetas.

Terceiro e último dia de MEO Kalorama, e logo se notava menos gente que no dia anterior. Normal, uma vez que sexta-feira estava esgotada. Em todo o caso, sábado tinha os ingredientes necessários para ser inesquecível… E logo começámos por uma famosa banda portuguesa.

Se, há anos, os Ornatos Violeta tinham mais curiosos no seu trabalho que propriamente fãs e seguidores, as coisas começaram a mudar anos após a banda ter acabado. Em 2012, no mês de janeiro, foram responsáveis pelo fenómeno musical do ano, quando anunciaram vários concertos para os Coliseus do Porto e de Lisboa. Muitos aproveitaram pensando tratar-se da última oportunidade para ver a banda de Manel Cruz ao vivo, mas a história recente tem-nos mostrado que, afinal, era uma reunião que veio para ficar.

Ao longo do tempo, várias oportunidades foram surgindo para apreciar um concerto dos Ornatos Violeta ao vivo, principalmente em contexto festival. Afinal, se há procura, se a coisa corre bem, porque não replicar várias vezes?

Mesmo tendo em conta que começaram a atuação às 19h, já muita gente se concentrava frente ao palco MEO, não perdendo pitada. Apenas recorrendo ao álbum O Monstro Precisa de Amigos, de 1999, e que viria a ser o último disco oficial da banda, Elísio Donas, Kinorm, Manel Cruz, Nuno Prata e Peixe deram um concerto para mais tarde recordar.

Numa hora que passou a correr, “Tanque”, “Dia Mau” (com direito a engano por parte de Manel Cruz), “Pára de Olhar para Mim”, “O.M.E.M.” ou as ainda mais entoadas “Capitão Romance” e “Chaga” deram música aos ouvidos, com direito pelo meio a uma espécie de crowdsurfing de Manel Cruz, que se deixou cair de costas nas mãos dos fãs. Naturalmente, “Ouvi Dizer” foi o ponto alto da atuação, com público e vocalista a relembrarem os versos imortalizados por Vitor Espadinha.

No fim, ainda havia tempo para mais duas: “Há-de Encarnar” (um dos quatro temas recuperados das gravações do disco O Monstro Precisa de Amigos) e “Pára-me Agora”, um inédito que foi gravado para um terceiro álbum de originais que não chegou a ser gravado. Ambos estes temas foram sacados de Inéditos e Raridades, o chamado terceiro CD dos Ornatos Violeta, que surgiu em 2011, aquando da reedição dos dois álbuns da discografia da banda.

Trivia à parte, a banda está em excelente forma e não faria qualquer sentido parar a atividade neste momento. É só mais uma oportunidade de fazer dinheiro? Chamem-lhe o que quiserem, mas enquanto existir procura, os Ornatos Violeta hão de existir. E isso só pode ser bom.

A (boa) provocação de Peaches

Estamos em 2022, a artista que se segue já tem 55 anos de vida, mas ainda há quem, por esta altura, não esteja preparado para o que se vai passar em palco. Peaches, quem mais, tomava conta do palco Colina às 20h, a hora ideal para jantar.

Não tendo à sua espera tantos fãs como os que tinha Jessie Ware no dia anterior, nem nada que se pareça, Peaches deu um espetáculo que choca quem não esteja habituado – e ainda vimos algumas pessoas algo indignadas -, que diverte os menos pudicos e que delicia quem segue a sua carreira.

Ícone da comunidade LGBTQIA+, Peaches desde cedo arriscou num crowdsurfing pela plateia, pedindo a quem assistia para guardar os smartphones – mas sendo algo ignorada – e avisando que, se caísse, o concerto acabava ali. Lá se aguentou, voltou para o palco e continuou o seu espetáculo provocatório.

Neste regresso a Portugal, que devia ter acontecido primeiramente em junho no falso festival LGBT+ Music Festival, Peaches veio celebrar os 20 anos do disco que a deu a conhecer ao mundo, The Teaches of Peaches. E à medida que os minutos iam passando, ora apresentado-se em topless com os mamilos tapados, ora com um top em que se lia “Thank God for abortion”, ora com uma máscara de vulva, ora com bailarinas praticamente nuas e uma virtuosa guitarrista, a artista nascida como Merrill Nisker foi desfilando hits, como “AA XXX”, “Suck and Let Go” e, como seria de esperar, “Fuck the Pain Away”, guardada mais para o fim. Sem impressionar, Peaches acabou por dar um espetáculo bastante competente, mas estava na hora de guardar lugar para o rei da noite.

O título que demos a este texto é fácil de fazer, mas a verdade é que aplica-se à letra. Assistir a um concerto do australiano Nick Cave é um autêntico privilégio, ainda para mais quando 2022 teve a sorte de nos trazer este senhor por duas vezes – uma no NOS Primavera Sound, no Porto, e outra em Lisboa, cidade onde não atuava há 14 anos. É muito tempo.

Que Nick Cave não demore outros 14 anos a regressar a Lisboa

Mas dizíamos nós que é uma honra presenciar um espetáculo de Nick Cave e da sua magnífica banda, os The Bad Seeds. De facto, com a sua figura skinny – homem com 64 anos e 1,89 metros de altura -, o músico e compositor rapidamente nos faz lembrar um padre que está a pregar a missa aos fiéis. Como se estivéssemos todos ali para levar os seus sermões. A mostrar-nos que a vida é efémera e a dor é eterna. No fundo, um luto. E deve-se a isso, a essa luto, essas memórias e perdas de uma vida recheada, as letras sombrias que este magnífico escritor vai construindo.

Quem teve oportunidade de ver Nick Cave à chuva em 2018 – lá está, no NOS Primavera Sound – dificilmente viveria aqui a mesma comunhão da altura ou presenciaria a mesma carga emocional. Era um público diferente e condições diferentes, mas, independentemente de tudo isso, ninguém se poderá queixar. Não quando se tem toda esta entrega e presença de uma verdadeira fera em palco.

Arrancando a todo o gás com “Get Ready for Love”, desde logo se percebeu que Nick Cave iria estar mais vezes junto dos fãs do que propriamente em palco. “É demasiado divertido aqui em baixo”, disse a certa altura, ao mesmo tempo que se ia metendo com eles. Foi aí que descobriu Paula, aniversariante neste sábado, a quem dedicou “O Children”.

Provocando uma catarse nesta primeira edição do MEO Kalorama, Nick Cave deu-nos um alinhamento muito semelhante ao do NOS Primavera Sound deste ano, pelo que foi com emoção que recebemos “There She Goes, My Beautiful World”, uma dolente “From Her to Eternity”, “Jubilee Street” (história de um amor que correu mal), o dilúvio de “Tupelo” ou uma “Red Right Hand” cantada a plenos pulmões e que nos levava para um lugar do qual não queríamos sair.

Em destaque no concerto também tivemos Warren Ellis, com direito a brilharetes em alguns temas, como em “White Elephant”, sacada do álbum Carnage.

As duas horas de um fabuloso espetáculo, o último da digressão de três meses, não ficariam completas sem um encore a condizer: desde sermos puxados para o “Vortex”, a uma “Into My Arms” dedicada a Beatriz Lebre, jovem de 23 anos assassinada em 2020, a despedida deu-se com “The Weeping Song”. Até à próxima, Nick, e não demore outros 14 anos a regressar.

Chet Faker e um palco Colina com um som… desequilibrado

Com três dias de festival das pernas, não nos estendemos além do concerto de Chet Faker, que encerraria o palco Colina. Recorrendo a instrumentais pré-gravados – o que significa que não havia banda -, além de uma guitarra elétrica e um piano elétrico, Nick Murphy, mais conhecido como Chet Faker, fez o seu melhor para dar uma bela hora de concerto, conseguindo ser bem sucedido… em parte.

Não sabemos bem o porquê, mas este palco Colina tem problemas de som que necessitam de ser corrigidos numa primeira edição. Disseram-nos que, em frente do palco, as condições não era melhores. Nas laterais idem, ouvindo-se até abafado. Onde é que se ouvia bem? Ao meio, junto da mesa de mistura. De resto, notou-se muitas vezes que Chet Faker parecia tocar só para si, uma vez que o som ficava muito concentrado só numa certa zona. Além disso, os graves eram demasiado proeminentes.

Em todo o caso, e perante aquela que foi, provavelmente, a maior enchente do palco Colina, muitos conseguiram divertir-se com temas como “Talk Is Cheap”, “No Diggity” ou “Drop the Game”, entre outras.

Fazendo o rescaldo desta primeira edição do MEO Kalorama, repetimos aquilo que já dissemos: a acontecer novamente no Parque da Bela Vista, há mudanças que terão de ser feitas. Realocar o palco Colina é uma delas. Disponibilizar mais casas de banho, e deixá-las limpas, é outra. E têm mesmo de dar especial atenção à qualidade de som, que tem deixado a desejar.

Até 2023, seja lá onde for.