Janeiro começou calmo, demasiado calmo. Ao longo das primeiras semanas do ano, vimos alguns lançamentos, muitos deles de jogos já conhecidos, e recebemos o ainda recente Dragon Ball Z: Kakarot – cuja análise podem ler aqui –, mas nada capaz de nos agarrar por completo. O início de 2020, desta nova década, não me levou até às terras de Goku, mas sim ao espaço, naquele que é o primeiro grande jogo do ano. Falo de Journey to the Savage Planet.
É uma verdadeira surpresa. Depois do anúncio em 2018, que aconteceu durante os The Game Awards, o jogo da Typhoon Studios parecia ter desaparecido da atenção dos críticos e dos jogadores, reaparecendo agora com o seu lançamento no PC e consolas. O primeiro trailer jorrava humor e um estilo muito colorido e cheio de personalidade, quase como um desenho animado, mas nada antevia o nível de atenção ao detalhe e a qualidade da sua campanha linear, mas cheia de segredos.
Comecemos pelo início. Como membros da Kindred Aerospace, aquela que é a quarta melhor empresa de exploração espacial – do qual se orgulham e muito! –, a nossa missão é a de explorar um planeta alienígena e determinar se é viável para a raça humana. Para tal, é preciso explorar todos os seus recantos, catalogar a fauna e flora e verificar se existem perigos incontornáveis neste novo e admirável mundo. A história é acompanhada por vários momentos de humor, que penso terem sido influenciados por Douglas Adams e a sua série Hitchiker’s Guide to the Galaxy, que são personificados pela IA que nos acompanha na viagem e por vídeos em live-action de publicidade e de mensagens dos membros da Kindred.
Como seria de esperar, a viagem é tudo menos normal e, ao aterrarmos no planeta AR-Y 2, descobrimos que existem vestígios de uma antiga raça alienígena e que algo se esconde no núcleo desta civilização perdida. Para descobrir os seus segredos, é preciso explorar as várias zonas do planeta – que estão divididas por várias biomas, desde florestas até a planícies geladas –, descobrir novas habilidades e evitar a fauna mortífera do planeta.
Journey to the Savage Planet é um misto de estilos e géneros, mas é, acima de tudo, um jogo de exploração na primeira pessoa, onde a campanha se divide entre a recolha de materiais e a descoberta de novas habilidades que abrem novas zonas do planeta. Arrisco-me a dizer que é, até certo ponto, um metroidvania disfarçado de jogo de sobrevivência com algumas mecânicas RPG. A campanha é maioritariamente linear, apesar das missões secundárias, com o planeta a dividir-se por zonas curtas, mas repletas de segredos, existindo uma sensação de urgência que cria um ritmo muito consistente do princípio ao fim – com o jogo a apresentar-nos regularmente algo novo, até mesmo horas depois do início.
A campanha é constituída, assim, pela aposta na exploração, no registo de plantas e animais e na recolha de materiais que nos permitem construir novas armas e itens. É aqui que Journey to the Savage Planet combina as mecânicas de sobrevivência com a estrutura de um metroidvania, impossibilitando o nosso avanço se não descobrirmos novas tecnologias, seja a habilidade de atirar plantas explosivas ou utilizar um gancho que nos permite baloiçar entre frúnculos.
O mundo está, assim, interligado e interdependente, onde cada nova descoberta influencia não só a progressão, como o desbloqueio de novas armas e o ranking de explorador da nossa personagem – que podemos melhorar à medida que concluímos tarefas adicionais –, determinando a sua prestação física e a presença de novas opções para a sua armadura.
O que eu adoro em Journey to the Savage Planet é a sua aparente simplicidade e a forma como consegue conciliar elementos de vários géneros numa experiência que é, ao mesmo tempo, familiar e diferente. Não há nada de novo aqui, conseguimos identificar mecânicas e decisões de design que vimos noutros jogos, até a forma como registamos os vários elementos do planeta – algo que vimos em No Man’s Sky –, mas tudo funciona tão bem que este possível ponto negativo passa a ser um dos que mais me atraiu na sua campanha.
Respeito a forma como decidiram simplificar tudo, até a forma como recolhemos itens, que se resume a atingir uma veia de materiais para absorvermos tudo de uma só vez. O método de evolução da personagem, por exemplo, é reduzido à descoberta de frutos misteriosos que melhoram os nossos atributos – com um total de 100 frutos espalhados pelo planeta. Tudo está pensado para ser o mais direto e intuitivo possível, criando assim uma aventura para todas as idades.
As batalhas contra os bosses são outro exemplo desta filosofia de design, seguindo padrões clássicos do género, com cada inimigo a ter um ponto fraco e ataques coreografados que teremos de evitar. Arrisco-me a dizer que Journey to the Savage Planet é um dos jogos mais reconfortantes que joguei nos últimos meses, no sentido em que respeita o meu tempo e consegue criar uma campanha sem momentos mortos.
Esta simplificação das mecânicas é feita, na minha opinião, para auxiliar a exploração e criar a ideia de que estamos efetivamente a descobrir um planeta nunca antes visto. Sentimo-nos como um explorador solitário, perdido no espaço e com um planeta à sua mercê, onde cada planície, montanha ou deserto nos pertencem.
Até a construção de novos equipamentos e armas é influenciada pela nossa presença no planeta, com a equipa da Kindred Aerospace a elaborar planos para melhorias que nos permitem continuar a explorar face às adversidades que encontramos – como se existisse uma estranha sensação de improviso ao longo da campanha. É aqui que nasce o ritmo consistente do jogo, desde as suas missões secundárias e segredos até ao mistério por detrás da civilização alienígena e das habilidades do nosso astronauta.
Nada disto seria possível sem o design imaculado do planeta, onde cada zona é um pequeno mundo por si só, repletas de segredos e novos registos para completar. A direção de arte dá-nos um mundo vivo, muito colorido e com um design interessante, repleto de plantas gigantescas e de criaturas adoráveis. A presença de biomas dá-nos a sensação de estarmos num microcosmo, cada um com o seu tema ou elemento natural, mas existindo uma coesão no que toca ao tipo de criaturas que encontramos e à forma como estes organismos se desenvolvem. Sejam pequenos alienígenas ou estruturas megalíticas, tudo está no seu devido lugar.
A aposta em zonas curtas, ligadas por um sistema de fast travel, é uma mais-valia, levando a Typhoon Studios a construir um mundo mais detalhado no que toca ao design dos níveis. É aqui que sentimos a diferença entre um planeta desenhado e pensado de algo gerado aleatoriamente por um algoritmo, com Journey to the Savage Planet a dar-nos cenários tão bem construídos e fáceis de ler que raramente nos sentimos perdidos. É um planeta cheio de variedade, mas é, também, uma segunda casa, e, ao fim de umas horas, juntamente com as novas habilidades, conseguirão navegar qualquer uma das zonas de olhos fechados.
Para um jogo de exploração na primeira pessoa, Journey to the Savage Planet é muito mais do que aparenta ser. É essa a sensação com que fiquei depois de ter terminado a sua campanha. É uma viagem simples, nada original, mas que sabe o que quer fazer e como o fazer. É muito limado no que toca às mecânicas que utiliza e que pede emprestadas de outros jogos e géneros, mas é apenas do seu mérito a forma como concilia todos estes elementos num só.
No entanto, existe alguma repetição associada à descoberta de novas tecnologias, algo que será familiar para os fãs de metroidvania – ainda que aqui seja demasiado coreografada –, com cada nova zona a afastar-nos da missão principal para descobrirmos a habilidade que nos permite avançar. A presença de uma barra de energia (stamina) também se faz sentir pela negativa e seria um elemento fácil de retirar, especialmente quando a evolução da personagem retira-lhe toda a importância que tem durante a primeira hora de jogo. Poderá ser a réstia de um maior foco nas mecânicas de sobrevivência, quem sabe.
A última surpresa é a inclusão de um modo cooperativo. Se quiserem explorar o planeta AR-Y 2 com um amigo e dividir as tarefas, é possível, ainda que só somente online. É um elemento que não pude experimentar durante a fase de teste, mas que, na minha opinião, é apenas um elemento adicional e não o cerne da experiência. Irá depender, claro, do tipo de jogador que são, mas, para mim, Journey to the Savage Planet é um jogo que deve ser primeiro jogado a solo e só depois com amigos.
No que toca à performance, mais especificamente na Xbox One S, Journey to the Savage Planet apresenta alguns soluções e quedas de frames, mas mantém-te equilibrado durante a maioria da campanha. Os bugs são inevitáveis, ainda mais quando temos várias zonas distintas, algumas com pequenas ilhas espalhadas pelo céu, mas nada capaz de prejudicar a nossa experiência. No geral, Journey to the Savage Planet apresenta uma performance sólida, design visual interessante e variado e a sensação de que estamos perante um mundo extenso – sendo possível ver as zonas ao longe, especialmente quando subimos às ilhas superiores.
Journey to the Savage Planet é a primeira grande surpresa do ano e uma fantástica forma de começar 2020. É um jogo recheado de conteúdos e com um ritmo perfeito para os que procuram uma campanha mais clássica e linear, mas com várias zonas para explorar e um número bastante sólido de colecionáveis para descobrir. É curto, mas cheio de alma e com um preço apetecível, de 29,99€, é um pacote completo.
Journey to the Savage Planet
Plataformas: PC, PlayStation 4 e Xbox One
Este jogo (versão Xbox One) foi cedido para análise pela 505 Games
Um fantástico, ainda que curto, jogo para os fãs de exploração e títulos de plataformas, com um sentido de humor muito presente e um mundo bem desenhado com muito para descobrirem.