Apesar de não conseguir corrigir alguns dos problemas presentes desde o primeiro jogo, House Flipper 2 é uma sequela forte que tanto simplifica a jogabilidade, como a torna mais interessante e recompensadora.
Estocar paredes, pintar, retocar mosaicos, remodelar a disposição da sala de estar, derrubar a divisão e determinar os alicerces para um novo escritório. Se criássemos uma base de dados com as mecânicas e objetivos mais utilizados em videojogos, acredito que nenhuma das ações que descrevi fizessem parte das primeiras páginas dessa extensa lista. O que há de divertido e envolvente no ato de pintar uma parede quando a sua abordagem é um pouco mais realista, desde a determinação da área a pintar até à quantidade de tinta necessária para terminarmos a tarefa? É aqui que encontramos a fantasia do banal, a gamificação (ou simulação) da realidade, capaz de transformar o que consideramos como repetitivo e pouco atrativo no que toca à experiência que associamos aos videojogos em tarefas não só fáceis de digerir, mas recompensantes devido à implementação de objetivos constantes e à satisfação visual de assistir à renovação de um espaço que, sem a nossa ajuda, continuaria quebrado, sujo e envelhecido pelo tempo.
House Flipper 2 é um regressar a casa. O primeiro título, lançado em 2018 e adaptado para as consolas em 2020, foi uma porta de entrada para o género de simulação e serviu como apresentação para o que determino como a fantasia do banal. O gosto pelo processo de limpeza, o planeamento na decoração dos espaços, a remodelação das divisões são apenas algumas das facetas que o título da Frozen District ajudou a popularizar junto de uma nova comunidade sedente por experiências semelhantes. Talvez House Flipper tenha sido o pioneiro que desenvolveu um género que nos traria títulos como House Builder, Castle Renovator, PowerWash Simulator e tantos outros jogos que procuraram criar fantasias para que adora limpeza, bricolage e construção.
O sucesso de House Flipper pode ser determinado pela aposta em micro-tarefas constantes, onde cada missão (ou renovação) é determinada por um conjunto de ações que temos de concluir para conseguir a melhor pontuação, mas também pelo foco na personalização dos espaços. A primeira faceta é a mais imediata e é o equivalente a um conjunto de capítulos curtos que nos agarram constantemente para vermos o que vai acontecer a seguir. Quando entramos numa casa, descobrimos que cada divisão tem um conjunto de tarefas que precisamos de realizar, como pintar as paredes, remodelar o chão, comprar novos móveis, instalar uma nova televisão ou aplicar um candeeiro estilizado que dá outra luminosidade à sala. O que importa neste processo, fora os constantes inputs sonoros e visuais que nos ajudam a compreender como estamos a avançar ao longo da remodelação, é assistir à forma como a divisão ganha uma nova vida. Se antes estava cheia de lixo, suja e descaraterizada, agora, com a nossa ajuda e cuidado, a casa rejuvenesce. Então queremos mais, arriscamos mais e procuramos novos desafios que nos proporcionem mais dessa satisfação tão específica ao género de simulação. É absolutamente viciante e nem sempre da forma mais saudável.
O que a Frozen District fez com as mecânicas basilares de House Flipper foi permitir que os jogadores tivessem sempre poder de escolha e uma constante participação ativa no processo de renovação das casas e essa aposta está ainda mais presente através da possibilidade de comprarmos casas para depois vendermos ao maior licitador. Se as missões do jogo, que funcionam como a campanha de House Flipper, requerem a conclusão de tarefas específicas, já a compra e venda de casas está muito mais dependente do nosso investimento pessoal. Nesta fase, é a personalização que conta e o quanto estamos dispostos a investir numa casa. Qual é a cor das paredes? Como estão dispostas as divisões? Que tipo de eletrodomésticos estão instalados? E existe mais do que uma casa de banho? As escolhas são unicamente nossas, claro que um pouco influenciadas pela procura de compradores, mas House Flipper procura um investimento pessoal e é aí que se destaca da competição: fazer missões para ganhar dinheiro que poderá ser investido na aquisição de casas que podemos revender e ter acesso a novas oportunidades imobiliárias.
Não é de estranhar que a sequela siga os mesmos moldes. House Flipper 2 continua a construir-se nesta dicotomia entre decoração, venda e realizações de tarefas rápidas, mas com uma jogabilidade mais automatizada. Se temos mais zonas, mais missões, mais tipos de casas, objetos decorativos e até um maior foco na construção – ao ponto de podermos construir uma casa de raiz no modo Sandbox – que adicionam maior profundidade à campanha, por outro, a jogabilidade procurou reduzir a repetição e tempos de espera que minavam o primeiro jogo. Em vez de termos de pintar faixas das paredes ou instalar mosaicos individualmente, House Flipper 2 permite-nos pintar zonas mais extensas de uma só vez, ao ponto de podermos desbloquear novos rolos que cobrem uma maior zona das paredes. E em vez de estarmos a instalar individualmente cada peça dos eletrodomésticos e lavatórios, onde éramos obrigados a aparafusar e a instalar cada um dos tubos – entre tantas outras tarefas inevitáveis -, a sequela simplifica a instalação e basta colocarmos os objetos em campo para ficarem prontos a utilizar.
A jogabilidade torna-se mais imediata, os tempos de espera são reduzidos e é mais fácil experimentar e arriscar no que toca à decoração dos espaços. Instalar uma sanita não é um tormento, antes uma questão de gosto, que podemos corrigir ou alterar sempre que queiramos sem sentir o peso do processo lento associado à sua instalação. A limpeza também foi simplificada e conseguimos alcançar espaços anteriormente inacessíveis devido à leitura dos cenários e a um melhor sistema de colisão que permite a utilização da escova ao longo dos objetos, móveis e eletrodomésticos sem qualquer rigidez. A jogabilidade é mais moldável e sentimos que esse foi o objetivo da Frozen District ao repensar as mecânicas do jogo anterior e ao compreender como precisava de evoluir a jogabilidade, seja pela introdução de novas opções de personalização e limpeza, como a nova mecânica de aspirar, ou pela implementação do Flipper e o Flipper Sense, que permite não só localizar mais facilmente zonas sujas ou que podem ser renovadas, mas também vender, copiar e até duplicar objetos sem necessitarmos de visitar a loja do jogo.
As melhorias nas habilidades também procuram dar maior liberdade aos jogadores, com as tarefas – limpar, remodelar, vender, derrubar, pintar – a injetarem novas abordagens sobre a renovação dos espaços. As áreas de ação aumentam e até podemos escolher o tamanho o cursor para conseguirmos determinar o que queremos ou não pintar de uma só vez. No fundo, quanto mais interagimos, mais simplificado e rápido House Flipper 2 fica; e quanto mais rápido se torna, mais tempo temos para apostar em novas missões e na aquisição de casas que requerem a nossa atenção.
A campanha também foi revitalizada, agora com um ângulo mais humano e narrativo. A nossa personagem ganhou uma cara, pode ser personalizada e tem uma voz (ainda que somente em texto) ao longo da campanha. Não existe propriamente uma grandiosa história em redor da sua carreira enquanto renovador de casas e muito menos assistimos a um arco na personagem, mas a Frozen District procurou um meio-termo entre um maior envolvimento emocional e a automatização das tarefas e House Flipper 2 sucede. A narrativa não é invasiva e existem momentos em que podemos falar diretamente com os nossos clientes para descobrirmos mais sobre as suas histórias pessoais enquanto crescemos em popularidade enquanto renovador. Estes momentos são representados por chamadas que podemos ignorar e que se expandem por escolhas de falas que não influenciam o sucesso da missão. É apenas uma tentativa de injetar um lado mais humano ao jogo que não é inovador ou muito menos merecedor de enormes elogios, mas que funciona e nunca subtrai da experiência mais mecânica de House Flipper 2.
Mais do que a introdução de maiores elementos narrativos, sinto que a campanha de House Flipper 2 destaca-se pela sua estrutura e a forma como aborda as missões. Desta vez, temos três zonas distintas que determinam o tipo de casa e o género de decoração que temos de aplicar em campo. Se começamos por trabalhar em casas nos subúrbios, com os seus dois andares e um design mais acolhedor, rapidamente temos a oportunidade de renovar casas de praia, lojas, café e até moradias isoladas nas florestas e montanhas. Com a introdução das novas zonas, a progressão é mais palpável. Ainda que as tarefas sejam muito semelhantes entre si, ao ponto de não existir propriamente uma diferenciação mecânica nas casas das três zonas, o jogo consegue criar a ilusão psicológica que a nossa carreira evoluiu de trabalho em trabalho, com as casas ficarem maiores, mais luxuosas e desafiantes na sua arquitetura.
A falta de variedade de tarefas é uma oportunidade perdida e é onde sentimos que a fórmula encontra-se limitada. Apesar da variedade de casas, as missões reduzem-se à limpeza, reconstrução e decoração. Os objetos mudam, os estilos também e até existe a possibilidade de decorarmos os espaços exteriores – introduzidos através do DLC Garden Flipper, lançado para o primeiro jogo e que aqui faz já parte da experiência –, mas objetivamente, as tarefas são as mesmas. House Flipper 2 é um jogo que não consegue evitar a repetição e o cansaço que nascem da sua jogabilidade porque são inerentes à experiência que procura adaptar, um verdadeiro paradoxo do qual não prevejo qual será a solução numa eventual sequela. Por agora, a resposta foi mitigar a sucessão de ações semelhantes e uma maior acessibilidade na estrutura das missões, com a Frozen District a evitar os minutos perdidos na loja e ao disponibilizar automaticamente todos os objetos que temos de adquirir para terminar uma missão. Uma mudança que consegue aligeirar o incómodo da repetição e dar mais agência aos jogadores.
House Flipper 2 é um caso a favor da simplificação e da acessibilidade, ainda que acredite que muitos fãs do original sintam falta da imersão do primeiro jogo. A possibilidade de montar, peça a peça, um móvel ou instalar uma banheira – cuja instalação depende do tipo de banheira que escolheram – é entusiasmante quando começamos a jogar. A câmara aproxima-se das peças, assistimos ao processo de instalação e fazemos parte do mesmo através de ações simples e que requerem pouco mais do que ficarmos a pressionar um botão – mas a novidade esgota-se e a repetição instala-se. É aqui que a simplificação enaltece a experiência da sequela, ao cortar a gordura da campanha e ao ajudar o jogador a ter maior liberdade de escolha sem temer que tenha feito a decisão errada ao instalar um objeto no local menos indicado. A simplificação não é, portanto, negativa e não denigre a experiência personalizável que House Flipper 2 almeja, antes pelo contrário.
No entanto, o processo de montagem não foi eliminado por completo, antes relegado a um modo adicional. Em Assembly, acessível através do menu principal, temos várias missões onde o objetivo é montar e instalar móveis, lavados e outros num espaço genérico. São missões bastante simplificadas na sua estrutura, mas que servem o propósito de deliciar os jogadores que sentirão falta deste elemento mais realista. As missões têm três objetivos adicionais e que determinam a pontuação final, numa abordagem mais arcade do que seria de esperar. Mas existe uma motivação adicional, ainda que pouco percetível na campanha principal, com o modo Assembly a disponibilizar descontos nos objetos montados.
Apesar das melhorias, a sequela não consegue evitar alguns dos problemas do original, especialmente na versão para consolas. A repetição é inevitável, as missões pecam em adicionar objetivos mais empolgantes e a jogabilidade podia ser mais intuitiva. Se a ação de pintar e montar foi simplificada ao ponto de se tornar mais imediata, o posicionamento de objetos em campo e a seleção de zonas de ação – onde podemos pintar, montar, instalar, etc – ainda são problemáticos. A colisão entre objetos dificulta a montagem e a combinação dos mesmos, como um vaso suspenso, onde se torna difícil adicionar as plantas que queremos que sirvam de decoração na parede. Apesar de existirem dois modos de posicionamento em campo – livre e por grelha -, continuamos com controlos pouco precisos e que facilmente fogem dos pontos de interação. Nunca sabemos se o móvel vai ficar exatamente no local que queremos, e quando não fica, não compreendemos o motivo pelo qual não é possível sermos mais precisos. A seleção das zonas de destaque também é inconstante e é comum perdermos por completo a seleção ao afastarmo-nos um pouco da parede.
House Flipper 2 é uma sequela que procura cortar os excessos e focar a experiência na personalização dos espaços interiores e exteriores. Com mais opções de renovação, novos objetos para comprar, casas com arquiteturas mais interessantes, a possibilidade de construirmos de raiz, uma loja mais acessível no que toca à busca de itens e até um sistema de missões mais estruturado elevam a sequela acima do título original. Infelizmente, a Frozen District não conseguiu resolver alguns problemas que nascem da portabilidade para as consolas, mas a sequela está muito mais otimizada e livre de problemas de desempenho que o primeiro título na sua estreia. Resta agora saber como House Flipper 2 irá evoluir através do lançamento de DLC e novas mecânicas, e como tudo culminará numa inevitável sequela. Por agora, foi bom voltar a casa, desligar a mente e simplesmente limpar, renovar e construir sem percalços. Uma vida simples, uma vida honesta.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Frozen District.