Simples e eficaz, é o que Gunfire Reborn procura ser com sucesso.
A minha relação com os roguelikes tem altos e baixos. Escrevo para o Echo Boomer desde 2017 e presumo que os roguelikes sejam uma percentagem significativa das minhas análises. É um género que aprendi a apreciar e a respeitar devido ao seu foco na jogabilidade e numa estrutura eficaz de tentativa e erro. Mas é difícil não olhar novamente para a percentagem que já analisei e compreender que existiu um salto significativo nos lançamentos que se subjugaram à popularidade do género. Apesar da sua inacessibilidade, os roguelikes já são mais comuns do que aventuras top down e point and click – uma novidade tão fascinante como depressiva.
Em 2023, a minha missão tem sido reduzir ao máximo a minha passagem pelo género e apenas atirar-me de cabeça quando encontro um lançamento que tente fugir à norma. Peço desculpa a todos os produtores de roguelikes, que se viram sem a minha tão importante análise, mas existe uma certa saturação que está a crescer em mim no que toca a campanhas aleatórias, onde recomeçamos sempre do zero quando somos derrotados. A repetição e a evolução passiva, através de pontos de experiência ou habilidades que podemos desbloquear permanentemente, já não são tão aliciantes como eram há dois anos atrás. Nem todos têm de ser Hades, Loot River ou Rogue Legacy 2, mas bato pessoalmente o pé e vejo-me no direito de escolher o que quero analisar. Era só o que faltava.
Se conhecem Gunfire Reborn, que se estreou em Early Access em 2020 – e que se encontra disponível no Xbox Game Pass desde 2022 -, já devem ter compreendido a ironia e lata com que escrevi os dois parágrafos anteriores. Apesar dos meus esforços e tagarelice, cá estou eu de volta aos roguelike. Não só estou de regresso ao género, como decidi experimentar aquele que é um dos exemplos mais seguros, clássicos e pouco surpreendentes que joguei recentemente.
Gunfire Reborn passa a ação para a primeira pessoa, mas o resto é puramente idêntico a qualquer roguelike que já jogaram. Os clichés do género estão todos cá, até o desbloqueio de habilidades pós-derrota e de novas personagens. Existe um foco na cooperação, até quatro jogadores em campo, mas o esquema é o mesmo: atirem-se para masmorras procedurais, derrotem tudo até vocês serem derrotados ou chegarem ao boss final, e desbravem zonas que ficam progressivamente mais desafiantes enquanto descobrem e evoluem armas, encontram zonas secretas e inimigos mais fortes.
Para minha surpresa, este classicismo de Gunfire Reborn foi novamente refrescante – toma lá, João Canelo, para aprenderes. O título da Duoyi é pura e simplesmente divertido, pouco pretensioso e muito menos ambicioso no que quer fazer. Aqui temos os clichés, é verdade, mas a ação é envolvente e evolui satisfatoriamente à medida que encontramos armas mais poderosas e melhoramos os atributos da nossa personagem. O level design é muito básico, sejam arenas de combate interiores ou desertos longos e desequilibrados – com inimigos posicionados em todos os recantos e com habilidades que dificultam a nossa mobilidade ao criarem zonas de impacto e tiros que nos perseguem –, mas a ação cria um loop viciante que nos motiva a ir mais além. Esta é a fórmula de sucesso dos roguelikes, eu sei, mas é mais um exemplo da simplicidade mecânica de Gunfire Reborn e no quanto ganha ao manter-se tradicional nas melhores partes da sua jogabilidade.
Na verdade, nem as mecânicas merecem grande destaque. Os movimentos, talvez devido à utilização do comando, são um pouco rígidos e nem sempre fluídos, com a opção de desvio a ser muito limitada no que toca ao seu cooldown e à distância que nos permite percorrer. As nossas personagens nem conseguem correr, daí os cenários nunca serem muito extensos, e o sistema de mira é funcional, mas falta-lhe polimento e uma maior variedade de armas em jogo – aqui a mira é quase como uma habilidade secundária para certos tipos de armas. E por falar nas armas, só podemos carregar duas armas em simultâneo, mais a pistola inicial – que nunca podemos abandonar e que tem balas infinitas -, uma limitação que acaba por ser também uma dádiva para a falta de criatividade no armamento de Gunfire Reborn. Existem, no entanto, três tipos de balas para as três classes em jogo, o que ajuda-nos um pouco a gerir melhor o nosso inventário. Há um certo equilíbrio na banalidade.
O que me manteve preso a Gunfire Reborn, ao ponto de não ter sentido o passar das horas, foi o sistema de progressão e a gestão dos equipamentos. Gunfire Reborn sabe como agarrar a atenção dos jogadores e mantê-los envolvidos no seu loop de jogabilidade, e fá-lo de uma forma tão simples. O que temos é uma sucessão extensa de desafios para concluirmos. Sejam desafios simples, como a eliminação de um número de inimigos, até a objetivos mais específicos, como a utilização de uma arma num determinado nível, estas metas virtuais motivam-nos a tentar novamente a nossa sorte quando perdemos. Em Gunfire Reborn, estamos constantemente a desbloquear e a terminar um desafio, a ver as barras a aumentar e as listas de desafios a diminuírem. É também uma forma excelente de motivar-nos a experimentar novas armas, pois cada uma delas tem desafios associados que vamos querer terminar.
É fácil entrar no ritmo de Gunfire Reborn, especialmente se estivermos a jogar com amigos. Estamos sempre a tentar desbloquear novos objetivos porque esta é também a forma de desbloquearmos mais habilidades (passivas e ativas) e armas. Está tudo interligado e é assim que ficamos viciados em Gunfire Reborn, apesar da sua aparente simplicidade. Queremos saber o que desbloqueamos ao terminarmos o desafio da arma de eletricidade ou o que recebemos com as granadas de veneno. Será que vamos ter acesso a uma nova arma? Será antes uma habilidade? Este entusiasmo está também presente no desbloqueio de novas personagens, que adicionam novas formas de jogar, cada uma com atributos únicos. Com uma árvore de habilidades partilhada entre as personagens, onde desbloqueamos novos atributos e melhorias, nunca sentimos que estamos a regredir, mas sim a ter acesso a novas formas de jogar.
Gunfire Reborn não tem um único elemento inovador no seu retention loop e digo-o seriamente. O ritmo da campanha, a estrutura dos níveis, a divisão por zonas fechadas e repletas de inimigos, a procura constante por armas mais poderosas, o retrocesso ao início quando perdemos e até a inserção de uma árvore de habilidades – isto é a experiência roguelike como vem no manual de instruções. Mas Gunfire Reborn também comprova que não precisamos de muito para tornar o género divertido, apenas precisamos de encontrar o nosso ponto de equilíbrio e saber como o exponenciar. É clássico, pouco surpreendente, mas bolas, se não é também divertido.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela 505 Games.