Spiderhead contém uma premissa sci-fi de alto-conceito fascinante, mas mesmo com um elenco extraordinário, fica aquém do seu potencial narrativo.
Joseph Kosinski conseguiu conquistar todo o tipo de espetadores com Top Gun: Maverick, um dos blockbusters de verão mais bem sucedidos dos últimos anos. Um filme de ação de um realismo e escala tão impressionantes que merece ser visto no grande ecrã. Ironicamente, devido a um conjunto de circunstâncias particulares relacionadas com adiamentos e uma pandemia global, a aventura imediatamente seguinte por parte do realizador passa pelo mundo do streaming. Com uma premissa sci-fi de alto-conceito e com Rhett Reese e Paul Wernick – argumentistas das sagas Deadpool e Zombieland – no comando da história, Spiderhead é, sem dúvidas, uma das obras mais interessantes do ano, mas falta em atingir o seu potencial narrativo.
Começando pelo ponto positivo mais fácil de elogiar: o elenco. Chris Hemsworth, Miles Teller e Jurnee Smollett são todos excecionais num dos filmes mais antecipados deste ano por parte da Netflix, mas o primeiro destaca-se de forma até algo surpreendente, pelo menos para espetadores que apenas o reconheçam como Thor. Pessoalmente, considero este Hemsworth – não vão as más línguas confundir com um dos dois irmãos – um dos atores mais subvalorizados de Hollywood. Em obras como Bad Times at the El Royale, Extraction e até o remake impopular de Ghostbusters, o ator demonstrou uma dinâmica e alcance emocional que causarão inveja a imensos colegas de trabalho.
Até como o próprio Thor, um personagem que já vem a interpretar há mais de 10 anos, Hemsworth conseguiu recentemente oferecer toda uma outra dimensão complexa a um superherói outrora pouco interessante. Dito isto, a prestação do australiano em Spiderhead é, possivelmente, uma das melhores da sua carreira. Demonstrando uma versatilidade tremenda, Hemsworth interpreta Steve Abnesti, homem responsável pela “prisão” em que se encontram criminosos privilegiados com a oportunidade de reduzir o tempo da sua sentença voluntariando-se para testar várias drogas experimentais. Estas alteram e influenciam de forma drástica e incrivelmente impactante as emoções e vontades de quem as tomar.
É aqui que Spiderhead não consegue elevar a sua premissa inteligente e cativante. Com tantas drogas criativas e tematicamente ricas merecedoras de maior exploração, o segundo ato foca-se apenas numa algo simples, tornando-se algo repetitivo e estruturalmente previsível, ultimamente provocando a perda do momentum fascinante da primeira meia hora. Consequentemente ou não, o foreshadowing bastante claro de uma nova droga muito interessante acaba por, infelizmente, se perder pelo caminho. Em adição a estes pontos, um twist/revelação no terceiro ato não é tão surpreendente quanto o filme tenta transparecer e ainda levanta algumas questões lógicas sobre a narrativa.
Apesar de momentos expectáveis, tanto os flashbacks como os diálogos reveladores sobre os crimes cometidos por Jeff (Teller) e Lizzy (Smollett) guardam um impacto emocional forte que, sem dúvida, apanharão muitos espetadores desprevenidos. Um problema parcial é que a aprofundação da relação destas personagens acaba por ofuscar a eventual história de Abnesti que, em comparação, acaba por parecer acidentalmente algo fútil, para além de receber uma execução técnica menos dramática. Spiderhead aborda o tema “podem emoções humanas ser fabricadas?” e passa a mensagem de que sentimentos falsos e forçados não duram para sempre, mas tal como a história geral, deixa muito caminho por explorar.
Ainda assim, Kosinski consegue entregar uma obra com níveis de entretenimento suficientes para agradar à maioria dos espetadores. O realizador e Claudio Miranda (diretor de fotografia) continuam a trabalhar juntos e tornaram-se num daqueles combos técnicos que inevitavelmente gerará um filme visualmente apelativo. São vários os planos deslumbrantes numa obra centrada numa só localização, o que ajuda a criar uma atmosfera de isolamento gradualmente mais tensa. Joseph Trapanese adiciona uma seleção de músicas animadoras com mensagens entrelinhas e um timing de louvar. Tecnicamente, Spiderhead até surpreende…
Spiderhead contém uma premissa sci-fi de alto-conceito fascinante, mas mesmo com um elenco extraordinário, fica aquém do seu potencial narrativo. Chris Hemsworth prova novamente que é um dos atores mais subvalorizados atualmente, ao passo que Miles Teller e Jurnee Smollett partilham excelente química.
Tecnicamente, Joseph Kosinski e a sua equipa conseguem criar uma atmosfera tensa numa só localização e pormenores visuais surpreendentes. No entanto, a narrativa vai perdendo energia e foco a partir do segundo ato, deixando vários caminhos criativos e genuinamente cativantes por explorar, ultimamente escolhendo a opção mais segura e genérica. Revelações e twists algo inconsistentes, mas inegavelmente impactantes.
Recomendo e guardo imensa curiosidade sobre a eventual reação do público geral. Spiderhead fica disponível esta sexta-feira, dia 17 de junho, na Netflix.