- Publicidade -

Nope contém elementos técnicos extraordinariamente imersivos, mas o foco temático levanta problemas narrativos.

O género de horror cresceu imenso nos últimos anos, levando a um aumento de audiência com vários espetadores a tornarem-se fãs do conceito “elevated horror” – expressão outrora apreciativa e positiva que rapidamente ganhou um contexto condescendente e agressivo nas vozes espalhadas pelas redes sociais. Jordan Peele tornou-se num dos cineastas mais reconhecidos de Hollywood ao conseguir pegar nessa mesma premissa e entregar duas obras – Get Out e Us – que conquistaram críticos e público geral – incluindo a minha pessoa – provocando inúmeros debates e múltiplas visualizações. As expetativas para Nope encontravam-se altas, logo talvez seja parcialmente culpa pessoal que este terceiro filme não tenha resultado tão bem.

Começando pelos pontos positivos e mais fáceis de elogiar. As prestações de todo o elenco são do melhor que se pode pedir ao entrar numa sala de cinema. Daniel Kaluuya e Keke Palmer partilham o grande ecrã com uma química tão cativante que a relação familiar entre as suas personagens torna-se num dos vários motores de Nope. Peele acrescenta imenso humor a este filme comparado com os anteriores e, talvez até de forma surpreendente, funciona na perfeição. Não só os momentos mais levianos são extremamente eficazes, provocando várias gargalhadas, como o balanço entre esta componente cómica e os elementos de suspense, tensão e horror encontra-se muito bem conseguido, sendo que nenhum aspeto remove impacto a outro.

Tecnicamente, Nope é, de longe, a obra mais espetacular da filmografia do cineasta, no sentido de se aproximar bastante dos visuais e produção geral de um blockbuster – o orçamento é quase três vezes superior a Get Out e Us juntos. A cinematografia do lendário Hoyte van Hoytema chega a ser fascinante, especialmente na forma como filma o céu e as nuvens. Tal como Stefan Duscio consegue criar níveis impressionantes de suspense apontando a câmara para o espaço vazio em The Invisible Man, também Hoytema captura essa sensação de incerteza e de perigo no que anda escondido atrás das nuvens. Para além disso, existem sequências de perseguição com uma energia avassaladora que, acompanhadas pela banda sonora igualmente memorável de Michael Abels, elevam bastante o terceiro ato.

nope echo boomer 3

No entanto, o “troféu técnico” vai mesmo para a produção sonora. A premissa de Nope obriga a que os elementos de horror possuam uma componente atmosférica incrivelmente imersiva e poderosa. É através do departamento de som que se obtêm os momentos de maior tensão e suspense. Os sons vindos do UFO que voa por detrás das nuvens tornam a experiência cinemática em algo extraordinariamente visceral, especialmente em IMAX, onde realmente se consegue sentir o objeto alienígena a sobrevoar as nossas cabeças e andando à nossa volta. Pequenos detalhes sonoros como o rebentar de um balão ou o relinchar de um cavalo ganham uma relevância tremenda à medida que o filme progride.

Todos os filmes de Peele são tematicamente ricos e Nope não é exceção. Aliás, este último filme é, sem dúvida, o que mais se foca nos seus temas, deixando de lado preocupações com a lógica da narrativa ou até conexões e impactos claros entre os vários enredos – problema abordado mais à frente. Por um lado, Peele consegue subverter as expetativas de forma absolutamente genial, fazendo os espetadores olharem para um UFO de uma perspetiva nunca antes vista no cinema e que encaixa brilhantemente nos arcos dos protagonistas. Desta vez, o cineasta aborda a incapacidade que as pessoas têm em lidar com tragédias da vida sem tornar as mesmas num espetáculo, aproveitando-se muitas vezes de si próprias se isso significar fama, dinheiro ou qualquer tipo de sucesso.

Em Nope, OJ (Kaluuya) e Jupe (Steven Yeun) tentam ultrapassar os seus traumas do passado, sejam estes recentes ou antigos, cada um lidando com esses mesmos problemas de forma drasticamente diferente. Enquanto que OJ encontra-se numa fase de depressão e tenta recuperar-se com a ajuda da sua irmã, Jupe esconde o seu trauma – desenvolvido através de flashbacks inacreditavelmente chocantes e inesquecíveis, um deles mais completo com um trabalho de câmara imprescindível para acompanhar a violência avassaladora de tal momento – em plena luz do dia, criando um espetáculo inspirado por essa tragédia que tanto o afetou, mas de que o próprio decide aproveitar-se.

Yeun não tem muito tempo de ecrã, mas aproveita-o de forma sublime. Uma prestação subtil mas extremamente poderosa, criando um personagem complexo e que emana a essência da obra. No entanto, eis que entra aqui o grande problema de Nope. O enredo de Jupe possui importância temática, mas não tem qualquer impacto no plot principal ou sequer nos arcos dos protagonistas. É uma história secundária que ocupa uma boa porção da duração total, termina de forma algo abrupta e acaba por deixar os espetadores com imensas perguntas por responder, sendo que a maioria das respostas são abstratas e interpretativas ao contrário de ajudarem a perceber outros pontos concretos da narrativa.

Colocado de forma simples, Jupe e a sua história podiam ser retirados de Nope e o que realmente se sucede ao longo dos vários atos com os protagonistas aconteceria na mesma, com pequenas mudanças insignificantes. No entanto, esta remoção deixaria a obra despida do seu tema principal, ficando com um contexto muito mais pobre e, tendo em conta as outras qualidades e defeitos do filme, seria uma desilusão muito maior do que apenas receber uma obra que simplesmente não alcança o nível das duas anteriores. No fim, acaba por ser um risco que Peele já costuma tomar e, verdade seja dita, é uma das razões pelas quais dificilmente espetadores sairão do cinema sem vontade de debater sobre o que acabaram de assistir.

nope echo boomer 2

Outro ponto que contrasta com a espetacularidade audiovisual de praticamente todo o filme é o design do UFO durante o terceiro ato. Nope contém sequências genuinamente intensas, de deixar as pernas a abanarem e os olhos presos ao ecrã. Durante os primeiros dois atos, os momentos com o UFO chegam a ser assustadores e até a provocar alguns movimentos no assento, mas a última meia hora traz um pequeno twist visual que traz mais estranheza do que deslumbramento. Não é um problema de CGI, mas sim uma escolha de design algo… questionável e confusa. Para além disso, Peele também abusa dos cortes bruscos para um ecrã preto, cortando em demasia o impacto de determinadas cenas.

Pessoalmente, a relação familiar entre os irmãos e a diferença de tratamento do pai para com cada um dos filhos possui muito potencial emotivo que fica por explorar. Nope dedica algum tempo a demonstrar essas diferenças e consegue justificar o porquê de OJ e Em serem como são e terem motivações distintas. Mesmo assim, tendo em conta o progresso do filme e de como o terceiro ato se desenrola, Peele podia ter aproveitado melhor os atores fenomenais à sua disposição para criar uma componente emocional muito mais forte.

Obviamente, é sempre complicado afirmar que um filme é melhor ou pior que outro. Todos temos as nossas preferências pessoais e, por vezes, basta um tema específico ter uma ligação com algo na nossa vida para elevar tremendamente uma das obras. A verdade é que devemos deixar de lado a incessante necessidade de comparar tudo o que assistimos e (tentar) desfrutar realmente do filme que escolhemos ver. Nope merece tanta atenção como Get Out e Us. Preocupem-se primeiro em pensar sobre o mais recente e criarem uma opinião firme sobre o mesmo antes de passarem à inevitável fase de comparação. Mais um conselho: evitem, a todo o custo, todos os trailers. Mostram demasiado.

Nope contém elementos técnicos extraordinariamente imersivos, mas o foco temático levanta problemas narrativos. Jordan Peele aproveita ao máximo a cinematografia fenomenal de Hoyte van Hoytema e a banda sonora memorável de Michael Abels para criar um espetáculo digno do grande ecrã, mas é a produção sonora que realmente eleva o filme a esse patamar.

Daniel Kaluuya, Keke Palmer e Steven Yeun são excecionais, mas o último está ligado a um enredo extremamente temático – imensamente rico – com pouco ou nenhum impacto na história principal, deixando inúmeras perguntas por responder, um público dividido e ainda afeta o ritmo geral.

O humor é surpreendentemente eficaz e os momentos de suspense e tensão entregam aquilo que os espetadores pretendem. Nope é uma obra que merece múltiplas visualizações e que gerará debates infindáveis.

- Publicidade -

Deixa uma resposta

Introduz o teu comentário!
Introduz o teu nome

Relacionados

Nope contém elementos técnicos extraordinariamente imersivos, mas o foco temático levanta problemas narrativos. O género de horror cresceu imenso nos últimos anos, levando a um aumento de audiência com vários espetadores a tornarem-se fãs do conceito “elevated horror” - expressão outrora apreciativa e positiva que...Crítica - Nope