Crítica – I’m Thinking of Ending Things

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Atenção, este não é daqueles filmes para colocar na televisão e ajudar a passar o tempo.

I'm Thinking of Ending Things

Sinopse: “Apesar de sentir algumas reservas quanto à sua relação, uma jovem (Jessie Buckley) parte numa viagem de carro com o seu novo namorado (Jesse Plemons) até à quinta da família dele. Ao ver-se presa na quinta durante uma tempestade de neve com a mãe de Jake (Toni Collette) e o pai dele (David Thewlis), a jovem começa a questionar tudo aquilo que sabia ou julgava saber acerca do namorado, de si mesma e do mundo. Uma exploração do arrependimento, do anseio e da fragilidade do espírito humano.”

Charlie Kaufman é, inegavelmente, um dos melhores argumentistas da década de 2000. Being John Malkovich e Eternal Sunshine of the Spotless Mind são alguns dos seus trabalhos mais notáveis, mas é Synecdoche, New York que é considerado por muitos como um dos melhores filmes da década respetiva. Portanto, estava obviamente entusiasmado com o seu regresso aos filmes live-action (desde 2008 que apenas fez o filme de animação, Anomalisa). I’m Thinking of Ending Things possui um elenco incrivelmente talentoso, capaz de me fazer sentar e assistir a qualquer filme deste, apesar de Jessie Buckley (Dolittle) ser parcialmente uma cara nova para mim. As minhas expetativas estavam moderadamente altas… Como correu?

Não vou mentir, é um filme tão intrincado que tive alguma dificuldade em entendê-lo na totalidade. Mal terminou, percebi que não o tinha decifrado na íntegra, o que gerou uma sensação incomum dentro de mim. Senti a necessidade não só de pensar no filme a noite toda, mas, como não iria ter tempo de o ver novamente, voltei simplesmente a algumas cenas específicas na manhã seguinte.

Também pesquisei um pouco e conversei com um colega crítico para resolver alguns dos debates internos da minha mente. Escrevo isto para dar ênfase ao facto de que este não é um filme fácil de decifrar, algo que vai deixar algumas pessoas desiludidas. É um filme que requer toda a atenção do espetador e uma capacidade de se auto-questionar. Caso contrário, tudo fica mais complicado.

I'm Thinking of Ending Things

Como sempre, não partilho spoilers, por isso manterei a minha opinião sobre as múltiplas interpretações da história o mais vaga possível. Das inúmeras maneiras de explicar este filme, encontrei duas: da perspetiva da personagem de Jessie Buckley ou da de Jesse Plemons. Gosto das duas por razões diferentes. Em termos de lógica, algo que todos os espetadores lutarão para encontrar, a personagem de Plemons é a chave para perceber a narrativa complexa e de várias camadas. Olhando para o filme da sua perspetiva, tudo faz muito mais sentido. No entanto, é surpreendentemente através da visão de Buckley que encontro a mensagem do filme mais interessante e, provavelmente, a que ressoa com a maioria das pessoas.

Tomar uma ação impactante na vida requer determinação, coragem e capacidade de decisão. Mudar para outro país, trocar de emprego, terminar uma relação amorosa… tudo pode ser extremamente exigente e psicologicamente doloroso. I’m Thinking of Ending Things demonstra de forma brilhante como se pode atrasar estas decisões, por vezes, indefinidamente. Desde as viagens de carro demasiado longas (quase uma hora do tempo de filme é gasto dentro do carro a ouvir as personagens principais a debater temas filosóficos aparentemente aleatórios) até às transições enigmáticas do tempo que vai passando, o argumento de Kaufman continua a transmitir uma mensagem de como as pessoas estão paradas enquanto o tempo flui.

Este filme leva a ambiguidade e o cinema metafórico a um outro nível. Não só tudo o que o espetador vê tem, de alguma forma, um significado filosófico, mas os diálogos entre as personagens principais são, também eles, sobre questões culturais, intelectuais e sofisticadas. Algumas destas conversas têm um eventual impacto na narrativa ou nas personagens, outras apenas parecem Kaufman a expressar a sua opinião sobre os vários assuntos. Com um tempo de execução de pouco mais de duas horas, este filme prolonga-se em demasia devido à insistência em entregar cenas repetitivas e semelhantes com o mesmo objetivo.

As brincadeiras com o tempo executadas na casa dos pais são, sem dúvida, intrigantes, mas servem mais como uma distração do que algo útil em termos da história. Tendo em conta a já complexa narrativa, a confusão, associada à compreensão de como o tempo funciona, só gera ainda mais dúvidas. Também desvia a atenção do espetador do foco principal, o que não ajudou nesta minha primeira vez a ver o filme.

I'm Thinking of Ending Things

Na verdade, estava tão concentrado em tentar compreender o propósito por detrás das versões velhas-novas das personagens que perdi completamente a noção do tempo, chegando a acreditar que o filme estava perto do seu final quando ainda faltavam 40 minutos…

Existe um limite para o quão abstrato e implícito um filme pode ser sem se tornar genuinamente difícil de entender, e Kaufman arrisca ao caminhar essa linha ténue. Com sucesso umas vezes, não tanto noutros momentos. No entanto, só consigo partilhar elogios daqui para a frente.

Em primeiro lugar, o elenco. Tudo o que Toni Collette faz desde Hereditary é perfeição, logo, mais uma vez, é estranhamente cativante como uma mãe divertida mas perturbadora. David Thewlis oferece uma prestação mais subtil, assim como Jesse Plemons, se bem que este último explode de emoção no terceiro ato.

No entanto, Jessie Buckley rouba os holofotes de forma impecável. Tal como mencionei no início, conheço muito pouco dela como atriz, mas já fiz questão de adicioná-la à lista de “atrizes para acompanhar de perto”. Com uma das maiores expressões de emoção vistas este ano, Buckley tem uma performance cativante, algo que deve garantir que o seu nome esteja na lista de candidatas para a altura das cerimónias de prémios. Desde citar poemas inteiros a debater firmemente qualquer tema atirado para cima dela por Plemons, o seu compromisso com este papel é palpável. Uma prestação surpreendente que vou recordar por muito tempo. No entanto, é no campo técnico que este filme alcança a perfeição.

Sem sombra de dúvida, é o melhor filme do ano no que toca aos atributos técnicos (até à data desta crítica, obviamente). Quase todos os elementos de filmmaking têm um tremendo impacto na narrativa ou nas suas personagens. A edição (Robert Frazen) propositadamente “bruta” acrescenta uma atmosfera desconcertante. A iluminação, mais a cenografia (Mattie Siegal) e produção artística (Molly Hughes), ajudam a identificar “onde” um determinado evento está a decorrer. O guarda-roupa detalhado (Melissa Toth) e a impressionante maquilhagem são vitais para a compreensão de tudo o que ocorre na casa dos pais. A cinematografia distinta (Łukasz Żal) eleva todas as ações realizadas pelas personagens. É um filme tecnicamente sem falhas e não ficarei surpreso se for nomeado para várias categorias quando chegar a altura certa.

I'm Thinking of Ending Things

I’m Thinking of Ending Things pode ser um filme original da Netflix, mas grita A24 por todo o lado. Desde a narrativa incrivelmente complexa contada através de um método de storytelling bizarro até às suas características técnicas não convencionais, Charlie Kaufman oferece um filme extremamente intrincado que pode ter interpretações diferentes (e pode exigir mais do que uma visualização).

A sua insistência em transmitir uma das mensagens do filme através de conversas filosóficas intermináveis e distrações temporais confusas esticam a história para um tempo de execução desnecessariamente longo que prejudica a obra no seu geral. No entanto, todas as mensagens são entregues com sucesso através de uma história intrigante, de fazer coçar a cabeça e estranhamente cativante, repleta de debates culturais e personagens únicas. Uma Jessie Buckley absolutamente excecional dá muita força a todas as linhas de diálogo, mostrando um enorme alcance emocional, mas o restante e talentoso elenco também melhora o argumento com múltiplas camadas.

Tecnicamente, é e terminará como um dos melhores filmes do ano. Todos os aspetos técnicos estão próximos da perfeição e quase todos têm um enorme impacto na história e em como o espetador a interpreta. Sem dúvida, criará um divisão entre críticos e público geral, uma vez que tem todos os ingredientes que geralmente colocam estes grupos em extremos opostos.

Apenas o posso recomendar a pessoas capazes de dedicar toda a sua atenção ao que estão a assistir ao mesmo tempo que também se auto-questionam. Não é o filme habitual da Netflix para colocar na televisão durante tarefas de casa aborrecidas de forma a ajudar a passar o tempo, por isso, certifiquem-se de que sabem no que se estão a meter!

I’m Thinking of Ending Things estreia na Netflix a 4 de setembro.

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