Crítica – Devotion

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Devotion conta uma história guiada por protagonistas emocionalmente complexos, focando-se orgulhosamente em homenagear heróis esquecidos e abordando temas morais de maneira interessante, apesar da estrutura algo repetitiva.

Um dos obstáculos mais complicados e, em parte, mais injustos que uma obra cinematográfica pode ter de ultrapassar, é a antecipação para a mesma quando, no mesmo ano de lançamento, outro filme do mesmo género com uma premissa muito semelhante teve um sucesso monumental, criando expetativas altíssimas e, por vezes, completamente erradas. Top Gun: Maverick é, sem grandes dúvidas, o maior blockbuster de 2022, mas este é claramente guiado pela ação, sendo este aspeto o razão principal de tanta opinião positiva. Devotion não podia ser mais diferente, focando-se totalmente nos seus protagonistas complexos e deixando a ação para segundo plano…

O que não tem nada de errado. Da mesma maneira que a sequela de Top Gun tem todo o direito de seguir um estilo mais genérico dentro do genéro de ação, Devotion também pode ter o mesmo nível de sucesso com um estudo de personagem. Na história do cinema, existem infinitas variações do mesmo conceito narrativo, ainda mais se se observar fora do mesmo género. Umas concentram-se na execução dos momentos de entretenimento, outras preocupam-se mais com a construção das personagens, outras tentam atacar várias frentes com a mesma dedicação. Não existe um caminho mais correto que outro.

Obviamente, o público geral irá sempre preferir uma obra com mais entretenimento puro, logo Devotion nunca iria chegar a tantas pessoas como o outro filme com aviões militares e wingmen, mas também não precisa. O realizador J. D. Dillard respeita o argumento de Jake Crane e Jonathan A. H. Stewart, colocando os holofotes em cima dos protagonistas Jesse Brown (Jonathan Majors) e Tom Hudner (Glen Powell). Existem, claro, sequências de ação de deixar os espetadores com a pulsação mais rápida, mas mais devido à conexão emocional com os personagens do que pela ação em si.

As palavras-chave encontram-se redigidas acima: estudo de personagem. Devotion aprofunda a ligação entre Jesse e Tom, assim como a vida pessoal de cada um, de forma muito íntima e verdadeira, no sentido em que os Hollywoodismos comuns não têm espaço na casa da família Brown ou até dentro do grupo militar. Todas as interações entre Majors e Powell possuem uma autenticidade cativante, em muito devido às prestações inesperadamente emocionais dos atores. Ambos representam o contra-exemplo da toxicidade masculina, mostrando-se genuinamente vulneráveis perante todos os outros.

Devotion aborda os dilemas morais frequentes neste tipo de histórias. Quanto vale uma amizade profunda comparativamente a um relatório de missão justo e imparcial? Costuma-se dizer que é preferível ouvir uma verdade dura do que uma mentira simpática, mas não existirão momentos onde o silêncio é a melhor resposta? E o que dizer de sacrifícios pessoais? “Os verdadeiros amigos são aqueles que estão presentes nos momentos em que mais necessitamos deles” é uma frase que resume na perfeição a relação entre dois protagonistas convincentes e nos quais é fácil de se investir emocionalmente.

Dito isto, Devotion não deixa de enfrentar alguns problemas. Para além de um ritmo lento que nem sempre funciona, a estrutura narrativa é algo repetitiva, colocando as perguntas acima várias vezes através de cenas provocadas por situações semelhantes. Basicamente, sempre que uma personagem aparenta dar um passo em frente, o filme puxa-as dois passos para trás, obrigando-as a atravessar o mesmo pedaço de desenvolvimento. Apesar da relação entre Jesse e Tom ser bem aprofundada, outras personagens próximas dos mesmos ficam demasiado de lado quando tinham potencial para enredos secundários interessantes.

No que toca aos aspetos técnicos, aqui sim torna-se difícil não pensar em Top Gun: Maverick. Quando se fala de ação, existe uma ideia algo enganadora de que quanto mais real for a sequência, melhor. Quanto menos CGI e outro tipo de efeitos visuais se aplicarem, mais o espetador sai satisfeito e entretido. A verdade é que, da mesma maneira que existem cenas de ação realistas e filmadas em locais absolutamente terríveis, também é possível criar set pieces impressionantes e inspiradoras completamente falsas e rodeadas de paredes verdes e azuis.

Devotion

Top Gun: Maverick possui, de longe, as melhores sequências aéreas da história da arte e dificilmente algum filme alguma vez conseguir bater o realismo, dedicação e cinematografia inovadora do mesmo. No entanto, Devotion usa as suas próprias armas de maneira bem eficiente. Apesar de não alcançar os mesmos níveis de adrenalina e intensidade, o trabalho de câmara de Erik Messerschmidt e a equipa de efeitos especiais criam um par de momentos de deixar qualquer espetador boquiaberto, incluindo uma sequência de um take ininterrupto incrivelmente executada.

Devotion conta uma história guiada por protagonistas emocionalmente complexos, focando-se orgulhosamente em homenagear heróis esquecidos e abordando temas morais de maneira interessante, apesar da estrutura algo repetitiva. Pode não possuir a ação energética e intensa do “outro filme com aviões”, mas também não precisa, pois o motor da obra encontra-se nos arcos aprofundados de cada personagem. Jonathan Majors e Glen Powell são fenomenais, oferecendo uma autenticidade tremenda aos seus papéis e às suas interações.

Um estudo de personagem que não terá o sucesso do colega do género, mas que merece ser visto no grande ecrã.

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