Chaos Walking irá terminar como um dos filmes mais dececionantes e frustrantes do ano. Mais um para a lista de “filmes com conceitos inovadores e interessantes que não conseguem alcançar metade do seu potencial”.
Sinopse: “Um jovem (Tom Holland) tem que proteger uma mulher misteriosa (Daisy Ridley) num mundo distópico onde todas as mulheres desapareceram.”
Depois de vários anos a experienciar tantos filmes e a entender a respetiva indústria, raramente fico extremamente entusiasmado para um filme de ficção científica original protagonizado por atores famosos. Não me surpreenderia se Chaos Walking fosse o filme mais antecipado do mês para milhares de espectadores, o que não é uma decisão fácil tendo em conta que março irá lançar imensos filmes altamente esperados, como Raya and the Last Dragon, Cherry, Zack Snyder’s Justice League, Godzilla x Kong, entre outros. É quase impossível não se sentir minimamente interessado em assistir a um filme com um elenco tão fenomenal – Tom Holland (Spider-Man, The Devil All the Time), Daisy Ridley (Star Wars, Murder on the Orient Express), Mads Mikkelsen (Doctor Strange, Rogue One: A Star Wars Story), Demián Bichir (Land, The Grudge), Cynthia Erivo (Widows, Bad Times at the El Royale) e muitos mais.
Adicione-se Doug Liman (saga Bourne, Edge of Tomorrow) como realizador e argumentistas com créditos tremendamente bem sucedidos, como Patrick Ness (A Monster Calls) e Christopher Ford (Spider-Man: Homecoming), o que poderia correr mal? Bem… quase tudo.
Não tenho conhecimento do material de origem, mas pelo que pude reunir, a trilogia de livros do mesmo nome foi muito bem recebida. Se existe algo que ninguém pode negar a Chaos Walking são os seus conceitos incrivelmente cativantes e ideias visuais imaginativas. Desde a premissa em que as pessoas são capazes de ouvir os pensamentos dos homens (o tal noise) até aos visuais da referida atividade cerebral, senti-me profundamente investido durante o primeiro ato.
O cenário futurista é um pouco familiar, mas a produção artística e cenografia estabelecem uma atmosfera envolvente. A banda sonora (Marco Beltrami, Brandon Roberts) também apresenta faixas interessantes que criam uma sensação de espanto neste novo mundo. No entanto, isto é o mais longe que consigo chegar a nível de elogios.
Claro, o elenco oferece prestações notáveis, especialmente Holland e Ridley, que obviamente partilham a maior parte do tempo de ecrã como os protagonistas subdesenvolvidos, mas infelizmente este é um daqueles filmes onde é difícil não encontrar uma falha significativa em tudo. A falta de caraterização adequada é um dos problemas principais. Enquanto que a personagem de Holland peca por não possuir um arco regular – não tem qualquer evolução, terminando o filme com exatamente os mesmos defeitos do início -, a personagem de Ridley levanta dezenas de perguntas que permanecem sem resposta sobre si própria, o seu passado, as suas habilidades e as suas origens.
O novo mundo apresentado aos espectadores carrega centenas de ideias inquestionavelmente inovadoras e excitantes, mas nenhuma atinge sequer uma fração do seu potencial. O “superpoder” de ouvir pensamentos raramente é visto de uma maneira diferente do barulho caótico e irritante, o que é extremamente dececionante, tendo em mente as escassas demonstrações do seu poder verdadeiro. No meio disto tudo, o componente mais frustrante da narrativa é a introdução de elementos da história massivamente importantes que são completamente esquecidos pelo final do filme, como por exemplo e sem entrar em spoilers, uma população nativa inteira que se mantém como um dos aspetos mais fascinantes do argumento que não foi explicado decentemente.
Hoje em dia, as pessoas têm mais conhecimento e compreensão do quanto os estúdios impactam na produção de qualquer filme. Honestamente, não sei se este é um daqueles projetos arruinados por exigências corporativas absurdas ou se Doug Liman e a sua equipa de argumentistas fizeram asneira. Uma coisa é certa: realizador, argumentistas e/ou produtores, estes são os culpados por uma adaptação tão terrível. Peço desculpas a Doc Crotzer, mas este é um dos piores trabalhos de edição que vi nos últimos anos. Porém, que fique bem claro que Crotzer está longe de ser o único ou principal culpado de um filme tão horrivelmente montado. O trabalho de câmara também parece perdido (Ben Seresin).
Finalmente, não sei se este detalhe da história é tão explícito e mal explicado no material de origem como é neste filme, mas devido à falta de qualquer explicação decente além de “porque sim”, não aprecio, de todo, o conceito de “todos podem ouvir os pensamentos dos homens, mas ninguém pode ouvir os das mulheres”. Para ser claro, o meu problema não está relacionado com a ideia, mas com a sua evolução neste filme. Os homens, especialmente a personagem de Holland, são mostrados a pensar como primatas com pensamentos sexuais sobre mulheres e ofensas a tudo e todos. Os pensamentos dos homens acabam por representá-los como autênticos porcos. Além disso, o “pensamento das mulheres é invisível e inaudível para todos” pode ser facilmente interpretado como “mulheres não têm cérebro”, especialmente considerando a tentativa fracassada do filme em elaborar este conceito.
Chaos Walking vai terminar como um dos filmes mais dececionantes e frustrantes do ano. Além disso, é também outra entrada na lista de “filmes com conceitos inovadores e interessantes que não conseguem alcançar metade do seu potencial”. Tirando a produção artística envolvente, uma banda sonora atrativa e prestações decentes, qualquer espectador terá dificuldades para não encontrar uma falha gigante em todos os aspetos da narrativa.
Desde as dezenas de perguntas sem resposta sobre a personagem de Daisy Ridley à falta de um arco adequado para o papel de Tom Holland, os protagonistas subdesenvolvidos são apenas um dos muitos problemas de argumento. Pontos críticos do enredo e elementos da história ou requerem explicação ou são totalmente esquecidos pelo final de um filme terrivelmente editado. As transições entre cortes são muito abruptas e não criam qualquer conexão entre as várias linhas narrativas.
O conceito “pensamentos dos homens são vistos por todos, mas os pensamentos das mulheres não” é trabalhado de uma forma que deixa os homens retratados como porcos e insinua que as mulheres não têm cérebro. Honestamente, não sei se este desastre titânico é devido a uma possível interferência do estúdio e/ou ao conjunto de realizador e argumentistas, mas uma coisa é certa: é um dos piores filmes do ano.