Para fãs de Wes Anderson, Asteroid City não desilude, oferecendo exatamente aquilo que se esperava do filme.
O debate “cineasta x autor” sempre foi uma das discussões mais snobes e elitistas do mundo do cinema. Pessoalmente, evito a todo o custo usar o segundo termo, pois é mais frequentemente usado como uma tentativa de menosprezar outros realizadores. Dito isto, Wes Anderson possui aquilo que todos os cineastas desejam – ou deviam desejar – alcançar: um estilo inquestionavelmente único que qualquer cinéfilo consegue reconhecer através de uma simples imagem. Aprecie-se ou não as obras do realizador, não existe ano em que um filme seu não seja dos mais antecipados. Eis que chega então Asteroid City…
É algo difícil ser surpreendido por Wes Anderson. As qualidades e defeitos dos seus filmes, especialmente do lado técnico, são praticamente os mesmos obra após obra. O cineasta costuma trabalhar com as mesmas pessoas nos vários departamentos técnicos e Asteroid City não foge a esta regra, sendo que Adam Stockhausen (produtor artístico), Robert Yeoman (diretor de fotografia) e Alexander Desplat (compositor) são a companhia mais comum ao longo da carreira do mesmo. A sua maneira de contar histórias através de diálogo e humor deadpan – exibição deliberada de emoção neutra ou nula – permanece uma caraterística essencial das suas narrativas.
Começando precisamente por este último aspeto, Wes Anderson é, de longe, o cineasta que melhor consegue transformar o ridículo, absurdo e surreal em algo mais acessível para o público geral. Mesmo que uma obra seja propositadamente desprovida de qualquer emoção, nem sempre é fácil sentirmo-nos cativados pela narrativa ou pelas personagens, muito menos criar uma ligação emocional com as mesmas. No caso de Asteroid City e muitos outros filmes do cineasta, o elenco carregado com dezenas de super-estrelas e a sua estética visual apelativa ajudam a agarrar a atenção dos espetadores.
Do outro lado da moeda, a aleatoriedade narrativa e a falta de um enredo principal mais coeso e coerente, juntamente com as raras cenas emotivas, contribuem para um afastamento do público. No entanto, talvez devido a uma premissa mais simples e direta, assim como prestações mais impressionantes, Asteroid City oferece uma visualização mais leve e agradável do que The French Dispatch, para além do deadpan ser melhor conseguido, especialmente na área da comédia. Os diálogos e monólogos velozes e extremamente complexos – muitas palavras em poucos segundos – chegam a ser hipnotizantes e demonstram o talento puro de alguns atores – Jeffrey Wright (The Batman) é exímio.
Utilizando Bryan Cranston (El Camino: A Breaking Bad Movie) como um excelente narrador, o argumento de Asteroid City contém uma história dentro de outra história. Edward Norton (Glass Onion: A Knives Out Mystery) interpreta um argumentista a escrever a sua próxima peça e os espetadores acompanham esse processo ao longo do filme com ocasionais interrupções e transições, mas o enredo principal é a representação dessa mesma peça no grande ecrã. Wes Anderson divide mesmo o seu filme através de atos e respetivas cenas, explicitamente exibindo essa informação com os chamados title cards, ajudando os espetadores a navegar as várias linhas narrativas da obra.
No fundo, o tal enredo principal não é mais do que um mero dispositivo de ligação entre as várias mini-histórias que decorrem em determinadas partes da cidade com um certo grupo de personagens. Alguns conjuntos têm mais tempo de ecrã que outros, mas não há propriamente um par de protagonistas típicos. Os mais próximos desse “estatuto” são Jason Schwartzman (Spider-Man: Across the Spider-Verse) e Scarlett Johansson (Black Widow). Os atores partilham os holofotes, sendo que o primeiro possui um segundo papel do lado “real”, juntamente com Norton.
Em relação às prestações do elenco, o destaque pessoal vai para Maya Hawke (Stranger Things). A jovem atriz interpreta uma professora responsável pela viagem de estudo da sua turma a Asteroid City, possuindo uma maior liberdade expressiva e emocional, assim como algumas das sequências mais engraçadas de todo o filme – Rupert Friend (Last Looks) também tem mérito. Steve Carell (Irresistible) emana todo o seu carisma enquanto um gerente de motel. Todos os outros são expectavelmente fenomenais, percebendo na perfeição as intenções do realizador ao oferecerem performances estóicas, mesmo que sejam simples cameos com uma frase ou uma cena.
Como esperado, nem todos os grupos de personagens possuem uma história interessante. Espetadores irão sentir-se mais cativados por uns enredos do que outros, mas todos sofrem parcialmente com a falta de algo mais temático. Asteroid City é, de forma geral, bastante aleatório e, por mais que seja esse o propósito do cineasta, existem alturas onde parece que é o público que tem de fazer um esforço para desfrutar do filme em vez de ser este a conquistar os espetadores. A única exceção é o passado trágico de uma família que se encontra de luto, mas é extremamente difícil abordar um tema tão sensível e intrinsecamente emocional como a morte de um ente querido quando não é possível exibir qualquer tipo de expressão ou fala sentimental.
Tecnicamente, não existem dúvidas sobre as inevitáveis nomeações para produção artística e cinematografia, sendo que montagem, guarda-roupa e maquilhagem aparecem numa segunda linha bastante renhida. É verdadeiramente fascinante observar os sets construídos deslumbrantes, a palete de cores sempre tão destacada e a câmara controlada a movimentar-se linearmente nas quatros direções gerais. No entanto, é a banda sonora de Desplat que me apanhou de surpresa. Asteroid City beneficia imenso da música de fundo do compositor que assenta que nem uma luva no ambiente desértico e astronómico da cidade, adicionado uma boa camada de diversão por cima do humor seco.
VEREDITO
Para fãs de Wes Anderson, Asteroid City não desilude, oferecendo exatamente aquilo que se esperava do filme. Para espetadores que não apreciam propriamente o estilo do cineasta, não creio que seja esta obra que vos vá converter. Pessoalmente, encontra-se longe do nível de The Grand Budapest Hotel, mas é uma melhoria considerável em comparação com The French Dispatch.