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Uma aventura de ficção científica com o coração no lugar certo, mas que pouco faz com a sua fórmula interessante.

Há seis anos que Sauge não visitava o seu planeta natal, Cigalo. Enquanto espera pelo transporte que a levará ao reencontro dos amigos e familiares que deixou para trás, Sauge tenta esconder o seu nervosismo. Uma parte de si sabe que abandonou aqueles que mais amava, mas a mágoa de ter perdido a sua irmã mais velha, Garance, foi mais forte. A idade não lhe permitiu enfrentar o luto e a confusão do desaparecimento misterioso da irmã, cuja nave e corpo nunca foram encontrados. Um dia Garance estava presente e no outro não estava, desaparecida sem deixar rasto. Agora Sauge está de regresso a Cigalo, a um planeta sem futuro, marcado pela constante exploração da empresa Consortium, que deixou para trás réstias de planos e promessas furadas, e uma população sem trabalho ou esperança. Seis anos depois, Sauge regressa porque recebeu uma mensagem de Garance, sob a forma de aviso de emergência. Algures em Cigalo, encontra-se o mistério para o destino da sua irmã.

Cigalo é um planeta deserto, marcado pelo calor e a população decrescente, cujos horizontes são decorados por estruturas de fábricas, complexos científicos e a enorme tempestade artificial, TARAASK. É um planeta mergulhado num interregno, onde os seus habitantes tentam manter a esperança e criar um lar confortável para as futuras gerações, mas cuja expetativa é constantemente desafiada pelas oportunidades que definham. É assim que Sauge reencontra o seu passado e a mágoa não demora a fazer-se sentir. Se alguns ficam felizes por reencontrar a jovem, outros, como Nèfle e Safran, não escondem a deceção, especialmente quando Sauge simboliza a abertura de uma ferida mal curada. A possibilidade de Garance ainda estar viva, ou existir uma resolução para o seu desaparecimento, é fomentar a esperança que mal arde e Sauge vê-se obrigada a convencer os habitantes da sua aldeia, Estello, a ajudarem-na.

Dividida por capítulos, que se constroem em torno do desbloqueio de novas ferramentas, a campanha de Caravan SandWitch procura mergulhar-nos na história de Cigalo e nas vidas dos seus habitantes. É uma narrativa ponderada e meditativa, cujos picos emocionais são prometidos, mas raramente atingidos, funcionando melhor em curtas doses e através das missões secundárias – que se centram nos amigos de Sauge e nas suas demandas pessoais – do que através da narrativa principal em torno do desaparecimento de Garance. Cigalo não é um planeta extenso, caracterizado pelo seu enorme deserto, mas a dimensão curta é uma mais valia e ajuda a criar um ambiente mais confortável e familiar que combina tão bem com a narrativa da campanha. É um planeta onde conhecemos rapidamente as suas zonas principais e memorizamos os caminhos que as interligam, com as viagens de carrinha a nunca serem aborrecidas ou desnecessárias devido à beleza natural de Cigalo, pecando apenas quando são obrigatórias, lineares e restritas durante certas missões.

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Caravan SandWitch (Dear Villagers)

A viagem de Sauge é motivada pela procura de Garance, cujo sinal continua a ser um mistério, e a reaproximação aos amigos e familiares que abandonou anos antes. O contacto entre Sauge e o elenco secundário é constante graças à utilização da Toaster, uma nova plataforma social que permite o envio de mensagens e o acesso a várias aplicações, incluindo o mapa de Cigalo. A Toaster é o ponto de partida para uma miríade de missões secundárias que envolvem os amigos de Sauge e é interessante ver as suas amizades a reconstruírem-se entre momentos chaves da campanha. Apesar dos seus limites, como a ausência de maior controlo sobre as mensagens e a possibilidade de interagirmos mais através de escolhas narrativas – ainda que existam escolhas, estas só acontecem nos diálogos presenciais e as repercussões dessas escolhas são nulas –, é uma funcionalidade que ajuda a criar maior empatia com o mundo de Caravan SandWitch e que simula satisfatoriamente a crescente amizade entre Sauge e amigos, mas também a evolução da protagonista, despindo a capa de forasteira para abraçar as suas raízes.

Seja qual for a missão, o mundo de Caravan SandWitch pode ser explorado a pé ou através da carrinha. O mapa é confortável e muito compacto, com uma aproximação tímida ao modelo open-world, e apresenta várias zonas de interesse que captam a nossa atenção. As estruturas abandonadas são incríveis e estão envoltas numa aura misteriosa que nos impele a explorar as suas ruínas. É impossível olhar para o horizonte de Cigalo sem ver um edifício decadente ou maquinaria enferrujada, quase como se o passado continuasse a assombrar os habitantes do planeta. Entre pontos de interesse, podemos encontrar pequenas estações, casas ou laboratórios abandonados que escondem componentes preciosos para a construção das ferramentas de Sauge, mas a exploração remete-se à descoberta das zonas principais e pouco mais de impactante para a jogabilidade. Felizmente, estas zonas são densas e apresentam várias abordagens à navegação, com caminhos alternativos, atalhos e até a possibilidade de desbloquearmos salas anteriormente indisponíveis através da construção das novas ferramentas. Não é uma experiência emergente, mas existe espaço para alimentar a curiosidade dos jogadores, ao ponto de sentirmos algum desapontamento quando Caravan SandWitch obriga-nos a seguir um caminho linear.

Não há qualquer combate, ou estado de derrota, em Cigalo e os desafios reduzem-se à navegação. Caravan SandWitch é uma experiência acessível e pouco desafiante que requer apenas alguma atenção para descobrirmos os caminhos que temos de seguir para ativarmos os interruptores certos e recolhermos os recursos que necessitamos. A introdução das novas ferramentas, instaladas na carrinha de Sauge, também não adicionam novos desafios, apenas a possibilidade de abrirmos portas anteriormente fechadas. O radar é a ferramenta mais imprescindível porque permite-nos não só identificar pontos de interesse, como ver objetos que podem ser ativados à distância ou até itens que não são visíveis por Sauge. O gancho é interessante e pode ser utilizado para puxarmos objetos e portas, mas também para criarmos ziplines que nos permitem atingir pontos mais altos. Conseguimos sentir uma certa vontade em apostar numa jogabilidade mais densamente mecânica quando descobrimos que o gancho pode ser agarrado a torres para criarmos ziplines em zonas inacessíveis e até saltarmos entre as linhas quando é necessário. Há potencial, mas Caravan SandWitch está tão decidido em ser uma experiência acessível e descontraída que os passos não são falhados, mas antes nunca dados pela jogabilidade.

As zonas principais também não são propriamente munidas de puzzles físicos e o desafio é mesmo muito reduzido, com o foco da jogabilidade a manter-se na viagem pessoal de Sauge e na descoberta de Cigalo através dos seus monumentos passados. Apesar de apreciar esta camada temática, queria mais de Cigalo e das suas várias zonas. Queria mais exploração e descoberta, e menos uma estrutura sufocante e linear. O mapa de Cigalo pode parecer aberto, mas o progresso é constantemente restrito pelo desbloqueio das ferramentas, ao ponto de ser desnecessário explorar certas zonas a 100% até termos acesso a todas as máquinas de Sauge. A linearidade não é imediata, mas surge exatamente quando queríamos que Caravan SandWitch nos libertasse. Os melhores momentos surgem quando abandonamos a campanha principal e deixamos a jogabilidade falar mais alto através da exploração. Encontrar um novo edifício, descobrir o caminho que nos leva a abrir as portas e a recolher os componentes precisos enquanto conhecemos mais sobre o passado de Cigalo e da corporação Consortium é onde sentimos a alma de Caravan SandWitch. É uma pena que estes momentos sejam automatizados com o decorrer da campanha e a exploração seja sufocada pela restrição das ferramentas ao ponto de termos acesso a zonas fechadas demasiado tardes, cujos recursos já não importam para a progressão de Sauge.

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Caravan SandWitch (Dear Villagers)

Caravan SandWitch podia ser vítima de expetativas que ficaram por cumprir, mas acredito que existe algo inerentemente vazio e mal otimizado no cerne das suas mecânicas. As missões secundárias resumem-se a trechos de viagem, diálogo e a descoberta de um item sem grandes picos de entusiasmo. As estruturas exploráveis são inicialmente empolgantes devido aos vários caminhos alternativos e atalhos que podemos descobrir, mas são reutilizados sem novidades e os espaços perdem a sua magia. O radar e o gancho são demasiado passivos e demoram muito tempo até oferecerem melhores oportunidades mecânicas, demonstrando novamente como a campanha perde força enquanto caminha para o seu desfecho. Os componentes também perdem a sua utilidade assim que construímos a última ferramenta, deixando várias zonas sem propósito que podem ser ignoradas sem perdermos algo memorável. Talvez seja esse o verdadeiro problema: fora a arte e o impacto inicial de Cigalo e o loop de exploração através da carrinha, Caravan SandWitch não é memorável.

Os problemas técnicos também revelam um jogo que necessitava de maior otimização. A expansividade dos cenários parece ter prejudicado Caravan SandWitch a nível técnico e os bugs são infelizmente constantes ao longo da campanha. Sauge pode ficar presa nos cenários, o frame rate cai nos momentos mais exigentes, a colisão não é consistente e leva Sauge a cair quando devia agarrar-se às plataformas, e a câmara é absolutamente problemática em espaços fechados. É um problema tão grave que não sei como não foi detetado durante as fases de teste – e se foi detetado, não compreendo como foi ignorado. A câmara está sempre presa na geometria dos níveis e treme enquanto tenta reposicionar-se, prejudicando imenso a visibilidade da ação. Deparei-me com momentos em que a câmara ficou tão incontrolável que Sauge caiu da plataforma em que estava porque eu não conseguia controlar os seus movimentos. Estes problemas podem ser resolvidos por patches, mas são uma péssima impressão durante o lançamento.

Caravan SandWitch tem coração. O seu planeta desértico, marcado pelo capitalismo da colonização desenfreada, revela uma beleza natural por baixo da maquinaria que o poluí. As personagens são ternas, apesar das dificuldades em que vivem, e há uma aura saudosista e familiar sempre que exploramos as aldeias e estruturas abandonadas. Há aqui algo especial, mas, infelizmente, Caravan SandWitch revelou ser mais vazio a nível mecânico do que esperava. Existe alma na sua história e há uma atenção especial às personagens, mas o conteúdo é repetitivo e a exploração é prejudicada pela estrutura da campanha. O mundo é absolutamente belo e a direção de arte, de Charles Boury, é um dos destaques, mas para uma história tão pessoal, falta emoção em Caravan SandWitch e tudo se torna mais vazio do que deveria. É um jogo sólido que podia ter sido absolutamente imperdível, mas é difícil esconder o desapontamento.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela JF Games PR.

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