Uma aventura emocional envolta em mistérios sobrenaturais que constroem um mundo nem sempre retratado nos videojogos e que só peca devido à sua dependência num sistema de combate que nunca é suficientemente profundo para se tornar desafiante.
Talvez esteja na minoria, mas guardo um carinho especial pelas experiências da Don’t Nod Entertainment fora das aventuras narrativas. Life is Strange é uma série de peso, com milhões de fãs e sequelas e spin-offs que comprovam o seu sucesso, e as tentativas sucessivas em capturar a magia da aventura de Max, como Tell Me Why e Twin Mirror, compõem grande parte do catálogo da produtora francesa. Não é de estranhar que associemos o output da Don’t Nod ao formato episódico, às aventuras compostas por puzzles simples onde a narrativa é soberana, mas entre estas apostas encontramos títulos como Remember Me e Vampyr. Dois títulos talvez mais esquecidos pelos fãs, mas duas abordagens interessantes aos géneros de ação e RPG respetivamente. Quando Banishers: Ghosts of New Eden foi revelado, percebi que ia voltar à Don’t Nod das grandes ambições e ideias. Estava na hora de voltar aos tropeções e eternos sucessos de Vampyr naquela que podia ser a sua sequela espiritual – muito espiritual, não me interpretem mal – e eu não podia estar mais satisfeito com a versão final.
Se Vampyr já havia desafiado os clichés do género RPG ao rejeitar os mundos de fantasia, os futuros longínquos ou realidades steampunk – apostando antes numa Londres entre o real e o fictício –, Banishers: Ghosts of New Eden é a continuação lógica dessa mesma vontade em contestar as expetativas do género. Aqui os ponteiros vão ainda mais para trás, para o final do século XVII, numa América do Norte – mais especificamente Massachusetts – ainda por desbravar e dividida pela sobrevivência de uma nova comunidade que se instala e o misticismo da sua terra selvagem. Uma aposta arrojada, mas certeira, já que as lendas precedem a construção de New Eden e retratam uma realidade marcada pela presença constante do sobrenatural e daqueles que tentam manter a ordem entre os vivos e os mortos – os Banishers. New Eden é o cenário perfeito, quase sempre embrenhando-nos na sua natureza – e na sua ferocidade, já que a fauna caça-nos a qualquer momento -, mas também na sua melancolia.
Banishers: Ghosts of New Eden abraça a história controversa dos primeiros acampamentos norte americanos e explora as lendas daqueles que desapareceram misteriosamente ou que sucumbiram à conquista de uma terra que não era sua. O choque cultural é uma das âncoras emocionais da campanha, não só entre povos – desde os nativos aos britânicos e até ao escocês Red, um dos nossos protagonistas –, mas também pelos espíritos e assombrações que nascem desse choque violento. New Eden é uma região amaldiçoada, onde os seus habitantes sonham incessantemente com o mesmo pesadelo todas as noites. A loucura instala-se no acampamento, mas também em tudo o que está à sua volta e é isso que traz Red e Antea ao Novo Mundo.
A campanha constrói-se em torno desta maldição, desde pesadelo que consome New Eden e os seus habitantes. Como Banishers, Red e Antea têm de investigar, identificar e eliminar os espetros que assombram o acampamento e as várias regiões desta fatia do continente norte-americano. Para tal, é preciso questionar personagens, recolher pistas, encontrar itens e realizar rituais – desde que tenhamos os recursos necessários para tal – para conseguirmos identificar a assombração e libertá-la: ora deixá-la ascender, ora bani-la para sempre. A carga dramática de Banishers: Ghosts of New Eden é que se trata de uma história trágica de amor, onde Antea é vítima da maldição de New Eden e Red vê-se obrigado a assumir as rédeas da missão para libertar as vítimas desta criatura, mas também o espírito da sua amada. Esta é a base para a narrativa, mas também para a jogabilidade do novo jogo da Don’t Nod.
Apesar de ter falecido, Antea ainda não ascendeu. Rezam as lendas e os costumes que um espírito é incapaz de ascender se existir algo que o prenda ao mundo dos vivos. No caso de Antea é a vontade em descobrir qual é a assombração poderosa em New Eden – que já havia assassinado o seu mentor –, o porquê da sua existência e também proteger Red dos perigos que se avizinham. Antea sabe que não pode permanecer para sempre no nosso mundo e a cada segundo que passa ela sente as suas forças a desaparecerem, mas é um sacrifício que decide acarretar. Existe a possibilidade de ressuscitar Antea se tivermos acesso ao seu corpo e se formos capaz de cometer o maior sacrifício de todos: matar alguém para trazer Antea de volta. Uma vida por outra vida.
A nível narrativo, esta escolha, entre se devemos ressuscitar Antea ou deixá-la ascender, transporta-se para a estrutura da campanha e dá vida às suas missões principais e secundárias. No final de um exorcismo, ou “banishment”, somos confrontos com uma escolha: deixamos os espíritos ascender e não permitimos que Antea absorva a sua energia, ou culpamos tanto os vivos e os mortos para os sacrificarmos a Antea? A campanha toma assim dois caminhos que podiam ser mais distintos, fora a sua resolução, onde senti que se perdeu alguma da nuance que seria interessante de desenvolver numa história de amor impossível como esta. Ao fim de tantos anos, o sistema de moral, que foi tão popular há duas gerações atrás, continua a demonstrar como foi sempre tão limitado: especialmente num RPG de ação.
Na jogabilidade, o duplo protagonismo introduz novas opções mecânicas, mas nem sempre com os resultados esperados. Podemos dizer que Banishers: Ghosts of New Eden divide-se entre a exploração do seu mundo vasto – ainda que não seja possível considera-lo como aberto, já que as zonas são mais lineares do que aparentam ser –, a investigação dos casos de assombração e o combate. Estes três elementos são diretamente influenciados pela cooperação entre Antea e Red, cujos poderes e habilidades oferecem duas perspetivas diferentes sobre os obstáculos que encontramos. Por exemplo, na exploração, é necessário combinar a destreza física de Red, que é capaz de subir por paredes e interagir diretamente com o mundo físico, com os poderes espectrais de Antea, que ajudam na destruição de barreiras e no teletransporte rápido entre pontos definidos no mapa. Podemos também desbloquear novos acampamentos que funcionam como pontos de fast travel – e onde podemos gravar, descansar, alocar pontos de experiência e melhorar equipamentos – e inúmeros atalhos que suavizam a deslocação entre as enormes regiões de New Eden.
À semelhança de Vampyr, Banishers: Ghosts of New Eden abraça o género RPG e aposta numa campanha que se ramifica por decisões narrativas e uma suave aposta na personalização das duas personagens. Os momentos narrativos estão maioritariamente associados às investigações e à resolução das várias assombrações que presenciamos ao longo da campanha. Infelizmente, estas missões seguem moldes semelhantes, ainda que apresentem personagens interessantes e nem sempre moralmente “definidas”, com a sua estrutura a centrar-se demasiado numa sucessão de ações previsíveis: encontrar o local ou vítima da assombração, investigar e encontrar pistas sobre o tipo de espetro que afeta a vítima e depois encontrar a zona onde esse espetro ainda reside.
As habilidades de Antea e Red conciliam-se entre a possibilidade de vermos itens escondidos e realizar os rituais que invocam os fantasmas. Podemos selecionar Antea para vermos o mundo espectral, onde encontramos novas pistas e itens escondidos. Red foca-se nos rituais e na recolha dos recursos necessários – plantas, fungos, minerais, entre outros – que permitem-nos chamar os espíritos. Estes rituais são novamente uma interpretação demasiado linear e rudimentar destes elementos mecânicos, já que só podem ser realizados em locais específicos. O mesmo é aplicado ao tipo de habilidades que Antea consegue utilizar, com as mãos dos nossos protagonistas a brilharem verde ou vermelho para identificar que podemos realizar uma destas ações. Num primeiro momento, a realização dos rituais é muito interessante porque serve o propósito da investigação – invocar um espírito, interroga-lo e depois decidir o seu destino –, mas a repetição das pistas, ações e estrutura destas atividades acusa cansaço rapidamente. A previsibilidade das missões e atividades parece ser um sacrifício para tentar justificar a cooperação entre Red e Antea sem cair em excessos mecânicos.
Apesar das minhas críticas, sinto que Banishers: Ghosts of New Eden é uma evolução notória desde Vampyr. O mundo é mais vasto, a ação constrói-se perfeitamente entre os cenários naturais e intimidantes, as personagens estão bem construídas e as interpretações são muito mais sólidas, e a utilização de uma vertente mais investigativa dá uma maior maturidade à jogabilidade. O mesmo não pode ser dito do combate. Talvez seja uma tentativa de reutilizar que o havia sido feito em Vampyr, já que o combate também era o seu calcanhar de Aquiles, mas a Don’t Nod continua a não encontrar um equilíbrio perfeito entre um sistema de combate rápido com mecânicas mais estratégicas e com gestão de habilidades. No final, temos um combate que é mais confuso, caótico e pouco impactante do que seria de esperar.
Como nas restantes facetas da jogabilidade, o sistema de combate rege-se pela cooperação entre Red e Antea. Com um botão, podemos trocar entre os dois e ter acesso a um número diferente de golpes e habilidades. A aposta na cooperação é acertada e existem ideias interessantes em Banishers: Ghosts of New Eden. Fora os elementos comuns do género – ataques rápidos e pesados, habilidades únicas, equipamentos que adicionam atributos passivos e ativos às personagens -, temos um sistema de fraquezas que determinam qual a melhor personagem para certas ocasiões. Por exemplo, Red tem acesso a uma espingarda de longo alcance e é o único que pode eliminar inimigos à distância. A sua espada também é a melhor opção para as lutas contra espectros e uma das suas habilidades permite-lhe banir um espírito em combate – pensem num ataque mais poderoso.
Antea é a outra face do combate. Não só porque cria a necessidade de rotatividade entre personagens devido às suas habilidades únicas, mas porque é imortal. Red é o único que tem uma barra de energia tradicional e que dita um “Game Over” em jogo. Já Antea é um espírito e não consegue morrer. O que acontece é que temos uma barra de tempo que limita a sua presença em campo. Quando a barra chega ao fim, temos de trocar para Red. A barra recarrega sempre que Antea não estiver em combate, o que significa que devemos sempre inteligentes na sua utilização, já que a sua indisponibilidade pode levar à morte de Red.
Antea também é mais eficaz perante inimigos possuídos. Não enfrentamos apenas espíritos e outras aparições ao longo da campanha. Existem momentos em que um desses espíritos pode possuir o corpo de um animal ou guerreiro falecido e utilizar os seus poderes para nos atacar. Com Antea, podemos equilibrar a luta e garantir que tiramos o espírito do corpo possuído, para depois utilizarmos Red para finalizar o combate com a sua espada.
É uma rotatividade com alguma substância, mas o resultado é muito mais caótico do que gracioso. Os golpes pecam em impacto; os inimigos podem ser autênticas esponjas ou então pouco eficazes em combate para serem um desafio; a alteração entre personagens e o equilíbrio entre tipos de inimigos faz com o combate seja um salto constante entre atacar, mudar personagens e desviar constantemente em campo. Não consegui encontrar o ritmo do combate e sinto que esse ritmo não está sequer presente nas mecânicas porque Banishers: Ghosts of New Eden não compreende se quer ser um RPG de ação puro ou algo híbrido com elementos dos soulslike. Não é nem um, nem outro.
No entanto, Banishers: Ghosts of New Eden é uma aposta sólida da Don’t Nod Entertainment que eleva a fasquia de Vampyr e solidifica a sua abordagem ao género RPG. As suas mecânicas não são revolucionárias, mas sólidas, e o retrato de uma América do Norte ainda mergulhada sobre a lente do protestantismo e da superstição é refrescante devido ao equilíbrio entre a beleza natural e as feridas provocadas pelos peregrinos. A investigação e exorcismo das entidades são boas apostas, mas precisavam de maior profundida, ainda que sirvam a sua funcionalidade enquanto elementos narrativos. Mas tudo acaba por funcionar devido à maturidade de Banishers: Ghosts of New Eden, com um design mais cuidado e algumas escolhas interessantes, que servem a história de amor que se desenrola ao longo da campanha. Um mistério que vale a pena descobrir, mesmo com os seus problemas.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Focus Entertainment.