Rápido, implacável e viciante – assim é este regresso ao passado.
Depois de uma década marcada pelo realismo e os conflitos bélicos, os jogos de ação na primeira pessoa começam lentamente a recuperar as suas raízes. O foco num estilo de ação mais próximo das produções cinematográficas ditou, durante demasiado tempo, o tom de todo um género, mas o regresso ao passado é já imparável. Se Call of Duty representou a quebra com aquilo que consideramos como era dourada – até ao lançamento de Half Life -, já produções como Dusk, Amid Evil e Turbo Overkill são o novo choque no sistema, onde a atenção volta a centrar-se na jogabilidade, na destreza dos jogadores e no espetáculo visual contra todas as adversidades.
Severed Steel, da Greylock Studio, é um desses jogos, criado por uma equipa pequena e muito influenciada pelo novo panorama de um género que necessitava de uma “facelift”. Para trás ficaram os cenários de guerra, as cidades sem nome ou personalidade: aqui abraça-se o estilo, o futurismo, as luzes néon do cyberpunk e a música eletrónica. Severed Steel é implacável. Com vários níveis à nossa disposição, divididos por seis capítulos – e ainda o modo New Game Plus -, a ação desenrola-se por cenários coloridos, um pouco desprovidos de personalidade – quase como se estivéssemos num mundo puramente virtual -, onde o nosso objetivo é eliminar todos os inimigos à nossa volta ou cumprir tarefas simples e intuitivas – como aceder a terminais, destruir computadores, encontrar a saída, entre outros. Uma base absolutamente sólida que ganha vida através das mecânicas limadas e equilibradas neste jogo de ação frenética.
Steel é a nossa protagonista implacável em busca de vingança. Steel não tem um braço, o que significa que só pode utilizar uma arma de cada vez, sem a possibilidade de recarregar o seu armamento. Para continuarmos em combate, temos de alternar constantemente entre armas, que podemos encontrar espalhadas pelos cenários, mas também nos nossos inimigos, com o jogo a permitir que os consigamos atordoar com um pontapé para lhes roubarmos as armas. É importante mantermo-nos em movimento e esta aposta em munições limitadas cria uma enorme tensão entre conflitos, onde é tão fácil encontrar armas, mas nem sempre a mais correta. No entanto, todas as armas são eficazes em combate e a sua variedade é satisfatória, ainda que se foquem muito em armas automáticas e espingardas para confrontos de proximidade.
Ao contrário de títulos como Ghostrunner, Severed Steel mantém o seu foco no combate à distância devido ao seu armamento, mas os cenários procuram compensar esta aposta com um design mais claustrofóbico e que nos obriga a utilizar todos os elementos em campo para eliminar os nossos inimigos ou para fugirmos – como janelas, mesas, escadas, entre outras. Os níveis são, na sua maioria, curtos e focados num espaço central, ainda que alguns capítulos apostem em designs mais verticais, onde elementos como ventoinhas e elevadores procuram dar-nos novas opções de mobilidade. Os cenários também são destruíveis e é normal terminarmos uma missão com as salas completamente destruídas à nossa volta. Isto é perfeito porque adiciona novas camadas estratégicas à jogabilidade, no sentido de encontrarmos atalhos e oportunidades de combate anteriormente impossíveis. Este elemento torna-se ainda mais impactante através do braço canhão da nossa protagonista, que encontramos ao longo da campanha, que pode ser utilizado em combate, mas também para criar caminhos alternativos nos níveis. A saída está tapada por uma parede e só é acessível se dermos a volta? Podem sempre destruir a parede! Tomem apenas atenção ao seu número de utilizações, três no máximo, que podem ser recuperados em combate, tal como a energia de Steel.
E tal como Ghostrunner, SUPER HOT ou Hotline Miami, a morte de Steel significa que regressamos ao início de cada nível, onde (quase) não existem checkpoints. No entanto, a Greylock Studio foi mais simpática e adicionou um sistema de energia muito mais humilde, com Steel a apresentar quatro pontos de vida que podem ser recuperados se eliminarmos inimigos. Se aliarmos este sistema de cura com o design dos níveis e a procura incessante por novas armas, percebemos como Severed Steel foi pensado para ser implacável.
No entanto, Severed Steel nunca é injusto. Apesar de identificar alguns problemas de otimização, como bugs ou um certo magnetismo da personagem que quebra a imersão em combate – nem sempre nos deslocamos como queremos pelas paredes -, a jogabilidade mantém-se sólida até ao final. Isto é possível através das mecânicas que a Greylock Studio decidiu aplicar no seu jogo de ação futurista, que complementam perfeitamente os elementos que já descrevi em cima. Por exemplo, a possibilidade de corrermos nas paredes, mas também de deslizarmos e lançar-nos no ar, que permitem que evitemos a maioria das balas que podiam ser fatais. Com esta aposta na mobilidade, Severed Steel convida-nos a sermos mais arrojados em combate, oferecendo-nos a possibilidade de evitarmos os nossos inimigos até lhes roubarmos as armas. Claro que a necessidade de fazer tudo com o maior estilo possível foi equacionada pela produtora, como a habilidade de nos lançarmos pelas janelas enquanto disparamos contra um inimigo distraído, quase saído de um filme de John Woo.
O que torna tudo ainda mais aliciante e frenético é a possibilidade de abrandarmos o tempo. Semelhante a Max Payne ou F.E.A.R., temos uma barra de tempo que nos permite abrandar a ação, dando-nos a possibilidade de controlar as hordas, a sua posição em campo, mas também disparar com maior pontaria – algo essencial se estiverem a jogar com um comando. As partículas voam pelo ar, as faíscas refletem nas paredes e os inimigos caem em câmara lenta à medida que deslizamos pelo chão ou saltamos por uma das janelas. Severed Steel tem um período de habituação complexo, muito devido à sua aposta em combates frenético e ao recomeço constante dos níveis, mas quando atingimos um ponto de conforto e compreendemos como podemos evitar as balas inimigas e recuperar a nossa energia, mas também a mecânica de abrandar o tempo se continuarmos a atacar, tudo encaixa perfeitamente. É um jogo onde é difícil entrar no seu ritmo, mas quando conseguimos, não queremos parar e posso dizer que fiz mais de metade da campanha sem sair do jogo.
O calcanhar de Aquiles de Severed Steel está na repetição dos seus objetivos e nos seus cenários desinspirados, que roubam muita da personalidade deste mundo cibernético. Acredito que tenha sido uma escolha entre “estética vs funcionalidade”, com a Greylock Studio a apostar mais em ambientes destrutíveis do que visualmente únicos. A jogabilidade é capaz de suplantar qualquer problema estético de Severed Steel e irão encontrar muito para se deliciarem se forem fãs do género: como modos de dificuldade, New Game Plus e o modo Firefight, que nos coloca em arenas com dezenas de inimigos, variantes e desafios. No fundo, Severed Steel é uma experiência muito específica e assente na dificuldade, que acaba por ser quase sempre recompensadora, até dentro da sua repetição e falta de imaginação estética.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Digerati.