Little Orpheus

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A fuga de Little Orpheus do Apple Arcade é espalhafatosa e pouco natural, com o título da The Chinese Room a estrear-se já datado.

Depois da sua estreia em 2020, em exclusivo no serviço Apple Arcade, Little Orpheus aventura-se no PC e consolas com um relançamento que marca também o regresso da The Chinese Room ao ativo. Com a aquisição pela Sumo Group em 2017, o estúdio de Dan Pinchbeck e Jessica Curry, que nos trouxe Dear Esther e Everybody’s Gone to the Rapture, ganhou uma segunda oportunidade que os levou a adotar um novo estilo na sua já conhecida demanda por títulos mais narrativos. Ao contrário de Amnesia: A Machine For Pigs e das suas produções anteriores, Little Orpheus não só é uma aventura muito mais descontraída e humorística como se apresenta em formato de jogo de plataformas, com uma perspetiva 2.5D e uma homenagem a clássicos como Flash Gordon, Sinbad e A Viagem ao Centro da Terra.

Ninguém acredita em Ivan Ivanovich, o cosmonauta encarregue de explorar o centro do planeta, a bordo da Little Orpheus, cápsula de viagem movida por uma poderosa bomba atómica. Desaparecido durante três anos, Ivan é interrogado pelas forças soviéticas, representadas pelo General Yurkovoi, e é a sua narração que dá vida à fantástica, e talvez fictícia, aventura que protagonizamos. Com nove episódios, a campanha de Little Orpheus funciona como um serial à antiga, reminiscente das produções de 1950 – nomeadamente no género de ficção científica – onde o seu estilo visual não só representa a estética rígida e arquitetural do estilo soviético, como se apresenta num misto entre ficção e fantasia em formato technicolor, onde ainda vemos o arrastar da imagem e o RGB nítido de uma televisão antiga.

A The Chinese Room mantém o seu foco na narrativa, não fosse Little Orpheus constantemente narrado por Ivan e Yurkovoi – num excelente trabalho de Gunnar Cauthery e Paul Herzberg, que dão vida à história – ao longo dos nove episódios. É na interação entre Ivan e o General que nascem os momentos mais mágicos e cómicos desta curta aventura clássica, com o cosmonauta a levar o militar à exasperação através das descrições exageradas que lhe apresenta. Dinossauros, mamutes (ou elefantes com pelo), civilizações antigas, exploradores supostamente falecidos (e que afinal estão vivos) e até uma viagem pelo interior de uma baleia gigante servem de pretexto para os três anos que Ivan passou à procura da titular cápsula. Os diálogos jorram paródia, que se divide entre uma suave – talvez demasiado suave – crítica ao regime soviético e à apropriação de estilos literários e de epopeias tensas onde o heróis sobrevive sempre à maior das adversidades – brincando, inclusivamente, com os ganchos tradicionais destas histórias em formato serial, que eram resolvidos sem grande fanfarra no episódio seguinte.

A alma de Little Orpheus perde-se, no entanto, na jogabilidade. As suas origens no mercado mobile são evidentes e, apesar de não ter experimentado a versão original, é fácil perceber não só as suas limitações no que toca à implementação de mecânicas mais exigentes, mas também à ausência de controlos táteis que imitem algumas das ações de Ivan. Nas consolas, Little Orpheus é uma aventura muito segura, onde são apresentados alguns momentos de tensão – pensados ao milímetro, como plataformas que se partem no momento certo ou inimigos que quase nos apanham -, mas pouco faz com os seus puzzles e exploração. A jogabilidade coloca-nos numa marcha quase automática, da esquerda para a direita, onde as longas caminhadas são apenas palco para a narração que se desenvolve, sem grande agência por parte dos jogadores.

Os desafios caminham entre a tensão de alguns momentos de plataformas e os puzzles rudimentares que encontramos na campanha. Mesmo que exista, de facto, uma evolução crescente entre episódios, muitos puzzles resumem-se aos tradicionais blocos que precisam de ser arrastados, às lianas que necessitam de ser controladas ou aos interruptores que nos obrigam a correr contra o tempo. Assim se move Little Orpheus nas consolas e sem o deslumbramento de um lançamento nos smartphones, onde a jogabilidade é tão segura que me arrisco a dizer que não é sequer equiparável ao que vimos em Everybody’s Gone to the Rapture – caindo até na necessidade de utilizar QTE para injetar alguma tensão nos momentos mais mortos –, com a aventura 2.5D a pecar muito na sua ausência de desafios.

A narrativa é o centro da experiência, a sua base emocional, mas poderá não ser do agrado de todos os jogadores – especialmente daqueles que não tenham um conhecimento prévio das homenagens que dão vida ao título da The Chinese Room. Esta ausência de compreensão retira ainda mais força à jogabilidade e torna evidentes os problemas na jogabilidade. Little Orpheus não é divertido, a sua progressão é praticamente narrativa e muito comedida a um excerto de mecânicas tradicionais do género, com o seu tom a ficar preso ao lançamento original na Apple Arcade. Conseguimos reconhecer a produtora através dos diálogos e do seu foco narrativo, que suplanta quaisquer preocupações interativas, mas se Everybody’s Gone to the Rapture colmatava estas falhas com a exploração e a sua beleza natural, já Little Orpheus oferece muito pouco aos jogadores para que se possam agarrar à sua jogabilidade quando a narração falha.

O relançamento de Little Orpheus é, infelizmente, marcado por acontecimentos reais. No dia em que escrevo esta análise, a The Chinese Room acaba de anunciar o seu adiamento devido à guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Se tiveram a oportunidade de olhar para vídeos ou imagens de Little Orpheus, ou se já conhecem o jogo, penso que conseguem depreender porquê. É um momento sensível na história da Europa, neste crescendo de conflitos, e mesmo que esta aventura humilde e inocente pouco adicione à discussão, é impossível afastar as suas raízes na estética e imagética soviética. Alguns poderão discordar com o adiamento, para ser sincero, nem sei o que sentir sobre o tópico, mas foi a decisão da The Chinese Room – temos de a respeitar.

Se gostam de jogos de aventura 2.5D, talvez Little Orpheus tenha algo para vocês, mas está muito longe do que esperamos do género, ainda mais depois de Little Nightmares 2 e Inside. Talvez sejam comparações injustas – talvez.

Cópia para análise (versão PlayStation5) cedida pela Honest PR.

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