Crítica – Zodiac

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Baseado numa história verídica, Zodiac é eficaz naquilo que mais importa: convencer a audiência a pesquisar mais sobre o caso real mal o filme termine.

Zodiac

Sinopse: “No final dos anos 1960 e 1970, o medo domina a cidade de San Francisco enquanto um serial killer chamado Zodiac persegue os moradores. Investigadores (Mark Ruffalo, Anthony Edwards) e jornalistas (Jake Gyllenhaal, Robert Downey Jr.) ficam obcecados em aprender a identidade do assassino e levá-lo à justiça. Entretanto, Zodiac apanha vítima após vítima e provoca as autoridades com mensagens enigmáticas, cifras e telefonemas ameaçadores.”

Se me têm acompanhado de perto esta última semana, encontro-me atualmente a (re)assistir a cinco dos filmes de David Fincher em preparação para a sua próxima película, Mank, que estreia na Netflix dentro de alguns dias. Já revisitei Se7en e Fight Club, dois filmes icónicos que não só impactaram profundamente o cinema, mas também a nossa cultura. No entanto, Zodiac não é um dos filmes mais populares de Fincher, e talvez esta seja uma das razões pelas quais o estou a ver pela primeira vez.

Baseado numa história real, a primeira adaptação não-fictícia de Fincher é, também, um dos filmes mais longos da sua carreira. Desconhecia os eventos verdadeiros antes de assistir ao filme, o que me leva ao maior elogio que posso oferecer a peças deste género.

Existem centenas de caraterísticas que um espetador pode observar, analisar e, através das mesmas, formar uma opinião geral sobre um filme. No entanto, quando se trata de adaptações cinematográficas de uma história verídica, existe sempre um aspeto que valorizo tremendamente, que é o quanto o filme me convence a pesquisar sobre a sua história após o fim da visualização.

A verdade é que, a meio de Zodiac, comecei a reconhecer a sua duração extensa. Não se deixem enganar, não é o que as pessoas normalmente apelidam de “filme lento”, muito pelo contrário. É longo, sim, mas encontra-se repleto com diálogos constantes e rápidos que o próprio Fincher pediu aos atores para acelerar, de forma a que o tempo de execução não se alongasse ainda mais.

Durante todo o filme, senti exatamente o mesmo que as personagens principais. Até chegar à primeira hora, o caso vai subindo o interesse, os assassinatos vão aumentando, novos desenvolvimentos emergem, assim como novos suspeitos, cartas, enigmas e tudo o que lidar com este serial killer provoca. Durante este período, senti-me extremamente cativado, mas acaba por chegar uma fase em que as próprias personagens começam a desistir devido à falta de evidências concretas para finalmente condenar um suspeito. Sinto a frustração, a depressão e até a ausência irritante de um caminho claro para o assassino.

No entanto, a obsessão de Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal) com o caso começa a tornar-se a minha e os últimos 30 minutos são incrivelmente stressantes, assustadores e entusiasmantes.

Zodiac

Zodiac possui 157 minutos, sendo que a maioria consiste em conversas e apenas algumas cenas estilosas de homicídios em câmara lenta, logo, obviamente, esta é uma narrativa guiada por diálogos. O argumento de James Vanderbilt está carregado com caraterização detalhada, conversas extensivas e, pelo que pude apurar, uma precisão histórica impressionante. Fincher e Vanderbilt provam o seu compromisso quase inacreditável com a preparação alucinante que tiveram para o filme, que basicamente incluiu uma investigação sobre o caso real (entrevistas às pessoas que dão vida aos protagonistas do filme, membros da família, departamentos da polícia, testemunhas, etc). Mais uma evidência que sustenta a importância da fase de pré-produção no cinema.

Então, no caso de me esquecer de responder à minha própria pergunta, Zodiac cumpriu com a sua missão principal. Mal o filme terminou, encontrei-me a pesquisar tudo sobre o caso real, tentando descobrir novas informações, obcecado com a história intrigante. Não importa se o espetador adora ou não o filme, pois o seu impacto é inegável, visto que a maioria das pessoas sentirá a mesma urgência em entender mais sobre os eventos verdadeiros.

Dois outros atributos contribuem profundamente para este resultado: o elenco e a edição. Este último aspeto é realizado por Angus Wall e o seu trabalho é um dos melhores que já tive o prazer de observar até hoje. É a razão principal pela qual o enorme tempo de execução parece adequado e, também, a razão pela qual a narrativa se move tão bem. Não é por acaso que quase todos os seus trabalhos de edição receberam tantas nomeações para prémios na respetiva categoria.

Finalmente, os atores são todos extraordinários. Mark Ruffalo (Dave Toschi), Anthony Edwards (Bill Armstrong), Robert Downey Jr. (Paul Avery) e Jake Gyllenhaal interpretam personagens distintas e bem desenvolvidas que lidam com o caso cada uma à sua maneira.

Obsessão é, definitivamente, o tema social fundamental presente no filme, retratado de forma diferente com cada personagem. Armstrong segue em frente e nunca volta a olhar para trás. Toschi tenta esquecer, mas não aceita que falhou em cumprir o seu dever. Avery desenvolve uma condição mental e/ou vício devido à sua incapacidade de lidar com a pressão, stress e frustração de escrever sobre o caso. Graysmith deixa a sua obsessão total por Zodiac impactar a sua vida pessoal, afetando a sua família no processo.

Fincher é capaz de representar todos estes comportamentos de uma forma surpreendentemente realista. O uso de takes longos e ininterruptos ajuda as conversas a fluírem melhor e o trabalho de câmara simples e atento de Harry Savides permite ao espetador concentrar-se no que está a ouvir. É um daqueles filmes ao qual não consigo apontar falhas diretas. Existe aquele período durante o segundo ato em que se começa a sentir o cansaço e o desgaste e, apesar da dedicação irrepreensível em fornecer todos os bocadinhos de conhecimento sobre os eventos reais, continua a ser uma quantidade enorme de informação para processar, o que me fez sentir um pouco perdido, ocasionalmente.

Felizmente, o filme termina excelentemente, culminando numa simples, mas poderosa, troca de olhares.

Zodiac

Em suma, Zodiac ganha o elogio mais generoso que um filme baseado numa história verídica pode receber da minha parte. O argumento de James Vanderbilt convenceu-me a pesquisar tudo e mais alguma coisa sobre os eventos reais assim que o filme terminou, o que é inegavelmente um efeito impactante de assistir a uma narrativa tão bem escrita e cativante com personagens bem desenvolvidas e autênticas.

O compromisso de David Fincher em ser o mais historicamente preciso possível é visível no ecrã, um resultado notável de uma preparação titânica que poucos cineastas sequer pensariam fazer. Com um dos melhores trabalhos de edição da história do cinema, o tempo de execução extenso flui melhor do que o esperado, mas a quantidade de informação para digerir é esmagadora e cansativa, diminuindo os níveis de entretenimento, especialmente durante um certo período do segundo ato.

No entanto, um terceiro ato fenomenal, três prestações fantásticas de Mark Ruffalo, Robert Downey Jr. e Jake Gyllenhaal e uma abordagem emocionalmente convincente e realista à obsessão extrema transformam todo o filme num dos melhores do género. É mais uma recomendação gigante deste lado.

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