Análise – Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise

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Abençoado sejas, SWERY.

Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise

Existem franquias que estão destinadas ao esquecimento. Todos os anos, décadas, gerações encontramos novos jogos que mereciam um lugar no pódio, mas que o público pura e simplesmente esqueceu, seja pelas suas mecânicas ou estórias peculiares, ou pela ausência de uma estrutura popular e atualmente relevante. Os motivos podem até ser irracionais, mau timing ou uma fama injusta, mas todos conseguimos pensar em mais do que um jogo que ficou perdido no meio do mar de lançamentos anuais. Hidetaka “SWERY” Suehiro é um produtor relegado aos jogos de culto, aos projetos esquecidos, mas cujas temáticas continuam a conquistar fãs por todo o mundo, quebrando as limitações geracionais. Um desses projetos é Deadly Premonition, lançado em 2010, considerado como um dos piores daquele ano, senão mesmo da geração.

No entanto, dez anos depois, Deadly Premonition é uma série de culto. O fascínio em torno do seu estilo, narrativa, mas também da sua falta de valores de produção, deram-lhe uma força e uma longevidade que seria impossível de prever em 2010, aquando do seu lançamento na Xbox 360, dividindo de tal forma a comunidade que conquistou um recorde do Guiness para o jogo mais amado e odiado da história. Depois da Xbox 360, chegou a versão PC, PS3 e, mais recentemente, um lançamento surpresa na Nintendo Switch, naquela que é a sua edição mais próxima de um cânone. Este Twin Peaks à SWERY – e isto é um elogio – poderia ser uma mera distração, uma falha na matrix que viveria apenas pela sua fama entre “tão mau que é bom” e “um produto incontornavelmente genial”. Até agora.

Para surpresa de todos, regressamos ao mundo de Deadly Premonition com uma sequela que consegue ser uma evolução e um tropeçar de skate, de cara ao chão, em simultâneo. Deadly Premonition: A Blessing in Disguise é mais arriscado, muito mais extenso e arrojado que o original, mas é um desastre técnico. A cada momento inesquecível, com a estória a ser uma vez mais o destaque deste reencontro com Francis York Morgan, há um outro que nos condiciona não só a progressão, mas também a paciência para aceitar e contornar problemas que não deveriam ser possíveis num final de geração. Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise é impossível de recomendar de coração aberto, especialmente quando temos uma falta de otimização como esta, mas quero partir para a análise com uma certeza: eu adoro este jogo.

Acho injusto determinarmos que Deadly Premonition 2 vive apenas da sua estória e das personagens irreverentes e loucas que encontramos ao longo da extensa campanha. Isso seria apontar apenas para a ponta do icebergue e ignorar todas as estranhas e surpreendentemente cativantes decisões de design da sequela. A Blessing in Disguise é melhor, até certo ponto, que o seu antecessor, dando-nos um mundo mais fácil de explorar que está repleto de missões secundárias, vários segredos, um ciclo de dia e noite, e o mesmo surrealismo que seria de esperar de um projeto de SWERY. É nesta panóplia de elementos e mecânicas e fios narrativos – que irei desenvolver mais à frente – que se desenrola uma experiência que pura e simplesmente não encontrarão noutro meio. É novo, estranho e ao mesmo tempo familiar.

Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise

A sequela não perde tempo em banhar-se numa ambição desmedida. Se Deadly Premonition era uma homenagem (não-oficial, segundo o produtor) a David Lynch e Twin Peaks, com a ação a decorrer numa pacata cidade dos Estados Unidos da América, a nova aventura divide-se em duas partes igualmente importantes. A primeira, e aquela que nos apresenta ao novo mundo de Zach e York, decorre em 2018, onde o Agente do FBI, agora envelhecido e aparentemente enlouquecido, é interrogado por Aaliyah Davis, também ela agente do FBI, sobre um dos casos mais estranhos do seu passado. O interrogatório é dividido por momentos de diálogo, que mantêm o ritmo e irreverência a que SWERY já nos habituou, mas também de investigação, com Aaliyah a necessitar de encontrar as pistas corretas para motivar Morgan a responder às suas questões. É uma luta de poderes, no seu cerne, onde dois investigadores procuram saber o que se passou em Le Carré, durante o ano de 2005.

A segunda parte, e aquela que será mais familiar aos fãs da série, foca-se exatamente em Le Carré, no Louisiana, durante uma das investigações mais controversas e populares de York, ligada à sua demanda para descobrir as origens da droga Saint Rouge. Em 2005, York mantém a sua juventude, o amor pelo sobrenatural e o ocultismo, mas também a sua crueza e natureza direta, criando situações tão cómicas, como desconfortáveis. Cinco anos antes dos acontecimentos em Greenvale, descobrimos uma nova cidade repleta de personagens inesquecíveis, mas também um novo mistério macabro, com a herdeira da família Clarkson, que controla a cidade de Le Carré, a surgir brutalmente assassinada. Só York, motivado por oráculos e por ajudas do além – sob a figura de Houngan, um espírito Cajun –, a descobrir os segredos desta cidade do Louisiana e as suas ligações à droga que continua a perseguir York numa investigação sem fim.

Esta estrutura encaixa que nem uma luva na narrativa e dá a SWERY a possibilidade de criar o mistério num crescendo impressionante, levando os jogadores numa viagem repleta de reviravoltas e de revelações chocantes. O humor continua a ser uma presença incontornável, e não seria Deadly Premonition se assim não fosse, mas é interessante perceber como as peças, que anteriormente pareciam não pertencer ao mesmo jogo, quanto mais ao mesmo puzzle, se encaixam naquela que é uma campanha perfeita para fãs de investigação, mas também de jogos de terror e suspense. Este cocktail de fios narrativos, muitas vezes compostos por diálogos tão estranhos como cativantes, é impossível de largar, e vi-me muitas vezes fascinando pela escrita e pelo seu equilíbrio entre um tom quase ridículo e uma seriedade respeitosa. É impossível jogar A Blessing in Disguise e não chegar ao seu fim a sentir-nos cativados pelo seu mundo e habitantes, mas fica o aviso: depois da estória, chegam os problemas.

Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise

Na sua génese, a sequela mantém-se próxima do título original, dividindo a ação por episódios e obrigando os jogadores a navegarem ao longo de uma cidade, regida por horários e um ciclo rigoroso de dia e noite, à medida que avançam na investigação e conhecem novas personagens. Este é um jogo de ação e aventura, muito simples, quase básico, não fosse pelo seu mundo, mas existem novidades e distrações que ajudam a compor uma sensação de familiaridade e quotidiano que acabam por conceber a sua alma. A cidade Le Carré é longa, um pouco aborrecida e sem muito para descobrir, mas compensa através da apresentação de locais detalhados e de atividades secundárias. É possível jogar bowling, assistir a concertos de jazz, atirar pedras no rio, eliminar OVNIS – e sim, estão a ler bem – e concluir missões secundárias. Estas missões, que podem ser encontradas ao falarmos com as personagens ou ao lermos o placard na esquadra de Le Carré, não adicionam uma grande variedade ao jogo, limitando-se à recolha de itens ou à eliminação de um número determinado de animais. Apesar de não injetarem novos desafios palpáveis à jogabilidade, a verdade é que, aos poucos, nos deixamos levar pelo seu apelo mundano, especialmente quando esperamos entre missões pela hora correta.

A Blessing in Disguise não é apenas ambicioso pela estória que tenta contar, e pelos percalços tonais que acaba por cometer ao longo da campanha, mas sim pelos seus excessos. Le Carré é enorme e oferece ainda mais mecânicas e extras do que aqueles que já identifiquei. A saúde de York continua a ser uma preocupação sempre presente, e tal como no original, é necessário tomar banho, fazer a barba, mudar os seus fatos – que depois teremos de enviar para a lavandaria – e manter a sua alimentação e energia em níveis aceitáveis. Parece que estamos a cuidar de um amigo, a ajudá-lo a lidar com as adversidades que encontra pelo caminho. A esta fatia do quotidiano, junta-se a presença do skate de York, o seu método de deslocamento, que pode ser melhorado e arranjado ao longo da campanha, onde desbloquearemos, inclusivamente, novos truques e outras funcionalidades. Temos aqui os colares mágicos que podemos construir para dar a York novos atributos, seja na sua capacidade de luta ou resistência física. Há um pouco de tudo e A Blessing in Disguise está constantemente a desafiar a sua própria denominação como jogo de aventura a cada novo desenvolvimento narrativo, olhando afincadamente – e sempre que pode – para o género RPG em busca de inspirações.

Se concluíssemos aqui a nossa viagem por Le Carré, não tinha quaisquer dúvidas de que este seria um dos meus jogos favoritos de 2020. Nada se assemelha à sua campanha, nem mesmo o estranho e hipnotizante – e igualmente imperdível – Pathologic 2, e à forma como a sua estória se desenrola. Mas A Blessing in Disguise tem um lado mais nefasto que certamente já viram pelas redes sociais: o seu desempenho. É um desastre. Não há outra forma de abordar esta temática. Não sei o que levou a um lançamento tão atribulado: se foram as limitações da consola, a inexperiência de SWERY com a plataforma, as exigências da distribuidora ou da própria Nintendo ou um desinteresse desolador em corrigir os problemas visíveis da sequela. Tal como está, é quase impossível de recomendar, tal como disse anteriormente, e é difícil, imaginem, identificar todos os problemas que encontrei ao longo das minhas horas, mas fica a tentativa.

Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise

A resolução é deplorável, seja na TV ou em modo portátil; as cores estão completamente esbatidas e acabam por retirar alguma da vida dos modelos, que se queriam mais ricos e destacados nos cenários; o framerate chega a ser tão mau que o jogo parece ser um longo e aborrecido PowerPoint, caindo para os 7/10 frames por segundo, especialmente no skate; os bugs visuais são uma presença constante, seguidos de popins, dithering, má profundidade de campo e falhas de som; o jogo é propício a quedas e cheguei a perder quase 30 minutos de progresso; é possível cair do mapa se não tivermos cuidado; algumas personagens estão a flutuar o mapa; os tempos de loadings são dolorosos; e, por fim, as animações continuam a ser robóticas e desinteressantes.

Estes problemas, sublinho, estão presentes a partir do momento em que chegam a Le Carré: são incontornáveis. E isto é uma pena, um desperdício, especialmente para uma série e um criador que merecem muito mais. Tal como o original em 2010, A Blessing in Disguise apresenta-se e rapidamente vai ao chão, com cara a bater com toda a força no passeio. Mas ao contrário do primeiro Deadly Premonition, a continuação é ainda mais deplorável no seu desempenho. Mesmo com os modelos mais definidos, em jeito de cel-shaded, e com animações mais realistas nas personagens principais – e só nas personagens principais –, é impossível recomendar este jogo pela sua direção de arte ou fidelidade visual. Até os momentos surreais, como o outro mundo, não estão livres de problemas técnicos e perdem a sua força e novidade rapidamente.

E no entanto, eu adorei o meu tempo com Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise, mas sinto, quase pela primeira vez, a doce vantagem em ser crítico. Eu não paguei pelo jogo, não gastei 59,99€ para me juntar uma vez mais a York e companhia na sua aventura absurda e dadaísta. Não sei o que é comprar este jogo e sentir que não funciona. E é por causa disso que sou obrigado a reduzir a minha nota e a reforçar que não posso e não vou recomendar Deadly Premonition 2 até existir um patch que resolva parte dos seus problemas. E sim, um primeiro patch já foi lançado, mas não é o suficiente. Os problemas continuam lá. Apesar da minha classificação, arrisquem-se apenas se são fãs de SWERY e do título original ou se não têm mais nada para jogar na Nintendo Switch. E se for esse o caso, por favor, vejam vídeos antes de fazerem a compra. Os vídeos são reais – demasiado até.

A nível pessoal, estou maravilhado com o mundo de A Blessing in Disguise, mesmo com os seus problemas narrativos e técnicos, e de uma certa rigidez na progressão (especialmente em missões de recolha de itens), continua a ser uma experiência sem rival que vale pelas suas personagens e por uma narrativa pouco convencional. Mas sai a querer ainda mais. Este é um amor difícil, mas no final do dia, nunca deixa de ser amor e é assim que recordarei este regresso a Deadly Premonition.

Nota: Bom

Plataformas: Nintendo Switch
Este jogo foi cedido para análise pela Nintendo Portugal.

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