Tem título, look e muitos elementos que poderiam fazer um JRPG, mas não é um. 1000xRESIST jorra a inspirações e perde-se na sua própria identidade e tem a profundidade de um charco.
1000xRESIST é um título bizarro que resume parcialmente a premissa deste primeiro jogo da sunset visitor 斜陽過客 (sim, é mesmo assim), um estúdio asiático-canadiano que quis derramar as suas experiências e histórias neste jogo, mas com um toque especial. 1000xRESIST decorre 1000 anos depois de uma extinção quase massiva da espécie humana, com os poucos sobreviventes a resistir na clandestinidade da Orchard, uma sociedade de clones da única sobrevivente. Uma premissa que, caso não tenham feito já as contas, está escondida no próprio título.
Algures nesta cronologia, descobrimos que não estamos sozinhos no universo e que uma espécie alienígena, os Occupants, decide visitar-nos em paz. No entanto, como a subtileza é coisa que não existe, a presença dos Occupants leva à proliferação de um vírus que desencadeia a extinção humana. Entre os poucos e raros imunes, conhecemos a Iris que não só resiste à pandemia, como se torna imortal e é durante este milénio que cresce nesta sociedade de clones, as Sisters, que a tratam por ALLMOTHER.
1000xRESIST começa bem no fim, quando a nossa protagonista Watcher descobre um segredo que pode abalar essa sociedade. Mas para perceber o fim, temos de ir bem ao início do novelo. A função desta Watcher é… adivinharam: observar. Observar e interpretar as memórias da ALLMOTHER através de um processo de Comunhão, numa mecânica de saltos temporais que vai cobrir eventos nos tempos de liceu, a chegada dos Occupants e toda a evolução da Orchard e respetivas intrigas. Esta mecânica, em jeito de referência a um dos melhores níveis de Titanfall 2, é o que nos vai permitir superar puzzles nesta curta aventura e aceder a locais/memórias bloqueadas noutros pontos temporais. É quase como fazer terapia, mas mais barato e também mais aborrecido.
A sunset visitor 斜陽過客 bem se gaba de ter criado uma experiência cinematográfica sem paralelo num jogo que mistura elementos de ação em terceira pessoa, novela gráfica e walking simulator numa história que diz ser profunda. Mas ao contrário do que narra o célebre autor e protagonista de Alan Wake – que “não é um lago, mas um oceano“; aqui é o oposto: não é um oceano, mas uma poça de água. E se vão hastear a bandeira de NieR:Automata como uma das influências é bom que cumpram. NieR:Automata não só consegue ser profundo e uma tareia emocional, como é divertido de se jogar — uma evolução do penoso NieR Replicant/Gestalt (atenção: penoso em jogabilidade, fantástico no resto!). E comparativamente, 1000xRESIST ficou-se mesmo pela experiência da prequela.
Num dos modos de 1000xRESIST passamos demasiado do tempo a deambular sem qualquer orientação até darmos com o objetivo; os puzzles dão ideia de que foram implementados à pressão para termos algo para fazer ou algum desafio e o modo de novela gráfica é o que ainda se vai safando porque a intriga consegue ser interessante, assim como os diálogos e a escolha limitada do que podemos dizer. Noutro exemplo de comparação, terminei SIGNALIS há uns meses e foi uma experiência parte deliciosa e parte perturbadora. Também 1000xRESIST quis passar uma mensagem mais psicológica através de uma jogabilidade mais limada e focada, enquanto ia beber dos clássicos do género do terror. Isto para dizer que compensa sempre focar e esmerar uma coisa do que fazer várias em cima do joelho.
Ao atirar o barro em várias direções, não senti que nenhum dos elementos estruturais de 1000xRESIST tivesse colado nem me puxado. Aliando esta experiência trapalhona a uma apresentação insossa, já tinha alguma resistência à imersão naquele mundo. Num exemplo contrário, regresso a Harold Halibut que, desde cedo, passou de uma experiência point and click para um walking simulator e ficou-se por aí. Apesar das minhas críticas, consegui criar empatia com o elenco e apreciar a mensagem que quis passar.
Em 1000xRESIST, a mensagem é uma de emigração e todas as ramificações associadas ao estranho numa terra de estranhos numa tela de ficção científica, mas também de slice-of-life. Também topei umas pinceladas a uma nossa pandemia recente, falsa perceção temporal e como nos isolámos para sobreviver. Por vezes, também mergulhava no foro mais pessoal e psicológico das protagonistas.
Isto para dizer que as opiniões são subjetivas e cabe-nos gerir as expectativas. Por alguma razão, estava convencido que ia a uma aventura ao género de Life is Strange ou Detroit: Become Human – sem dúvida, um mea culpa. E se ainda tentei desfrutar daquela experiência, o pouco que me agarrou foram mesmo as interpretações do elenco e a banda sonora onírica. Como apontei, 1000xRESIST não vence pela apresentação ou estética, mas encosta-se a um jogo de cores que é um regalo num ecrã OLED. O que nos leva à parte mais técnica: o jogo desliza numa Steam Deck e até recomenda o uso de um comando, se optarmos por jogar em PC. Por outro lado, não oferece muitas opções de acessibilidade e de configuração, como aumentar o tipo de letra (em modo portátil) num jogo com bastante para ler.
Encontro-me naquela posição de justificar o porquê de não recomendar 1000xRESIST. Apenas, não gostei. Não gostei dos visuais, da jogabilidade nem da história, mas espero e tenho esperança que o jogo e a sua mensagem toquem em alguém porque é necessário e urgente ouvir mais destas vozes e se alguém se relacionar, independentemente do meio, fantástico!
Cópia para análise (versão PC) cedida pela Fellow Traveller Team.